As negras e trans no Dia da Mulher e a questão de gênero nos assentamentos do MST
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🔸 “Hoje, trabalhadoras que exercem a mesma função que os homens recebem salários 30% menores”, disse a ministra da Mulher, Cida Gonçalves, em pronunciamento na TV na noite de ontem, ao anunciar ações do governo pelo Dia Internacional da Mulher. “Se o trabalho é igual, o salário tem que ser igual”, completou. A diferença é ainda mais grave quando se trata de mulheres negras com ensino superior completo: os salários, neste caso, são 55% menores que o dos homens brancos com o mesmo grau de escolaridade. O Metrópoles detalha a pesquisa “Mulheres no Mercado de Trabalho”, feita pelo Instituto Locomotiva, e destaca que as diferenças salariais também ocorrem entre mulheres: uma mulher branca tem renda média de trabalho de R$ 5.097, e uma negra com o mesmo grau de escolaridade recebe R$ 3.571. Os contrastes nas remunerações “fazem parte de uma estrutura de desvalorização sistemática das mulheres”, como afirma Amanda Aragão, sócia da Mais Diversidade.
🔸 Um projeto de lei para equiparar salários de homens e mulheres que exercem as mesmas funções deve ser apresentado hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Outras propostas com o mesmo objetivo já tramitam no Congresso, sem aprovação. O direito, no entanto, já é previsto em lei, seja na CLT, seja na própria Constituição. “Desde o artigo 5 que diz que todos são iguais perante a lei até o artigo 7, que fala de proibição de diferença salarial", destaca a advogada trabalhista Paula Boschesi Barros. A legislação é raramente cumprida, segundo ela, já que não estabelece nenhuma sanção em caso específico de discriminação salarial por gênero. O Portal Terra explica como funcionam as leis na prática, as propostas do Congresso e o projeto do governo Lula.
🔸 As pesquisas sobre violência confirmam que as mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio no Brasil. Em 2021, somavam 62% do total de casos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O Notícia Preta explora os dados, segundo os quais, entre janeiro e dezembro daquele ano, cerca de 830 mulheres pretas ou pardas foram assassinadas. Ou seja, pelo menos duas mulheres negras perderam a vida de forma brutal diariamente.
🔸 Nunca uma mulher presidiu a Câmara dos Deputados. Tampouco o Senado. E, embora a bancada feminina na Câmara tenha 91 representantes em 2023, o número é baixo quando se considera que as mulheres são 52,2% da população brasileira. No Senado, o cenário é mais constrangedor: a Mesa Diretora foi composta apenas por políticos homens desde a época de dom Pedro 1º até o fim da ditadura militar. O Nexo conversa com cientistas políticas e congressistas sobre os impactos do machismo nos centros de poder, conta histórias das pioneiras nas casas legislativas e compara o cenário do Brasil ao de outros países. “Quanto maior a disputa de poder, mais difícil para as mulheres entrarem. De alguma maneira, a Mesa Diretora e a presidência da Câmara e do Senado dizem quais são as prioridades, o que será votado antes, o que será barrado. Projetos de lei nós temos uma infinidade, mas é a Mesa que diz o que vai entrar na pauta. É muito poder de agenda”, afirma a cientista política Débora Thomé.
🔸 “A gente tem se debruçado sobre o impacto provocado pelos discursos de ódio, pela tentativa de institucionalização da transfobia. Políticos de extrema direita e grupos anti-trans defendem publicamente pautas que ferem os direitos humanos da população trans. O recado que fica a todo instante é que elas não cabem neste mundo.” A secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides, defende a formação, periódica e continuada, dos profissionais da rede de saúde para atendimento da população trans. No Dia Internacional da Mulher, a Gênero e Número lembra que crianças, adolescentes e jovens respondem por mais da metade dos 2.761 registros de lesões autoprovocadas entre mulheres trans e travestis no Brasil entre 2018 e 2021.
🔸 A novela das joias sauditas. Embora a Receita Federal tenha apreendido o presente de diamantes que a Arábia Saudita (avaliado em R$ 16,5 milhões) teria dado a Jair Bolsonaro, o ex-presidente recebeu e mantém em seu “acervo privado” um estojo de joias trazido ao Brasil por uma comitiva chefiada pelo ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque. A CartaCapital conta que a informação foi dada pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.
🔸 Barrando o garimpo. Desde fevereiro, a Agência Nacional de Mineração (ANM) anulou 406 pedidos de mineração na Terra Indígena Yanomami. Os processos se referiam a uma área da região de Roraima e do Amazonas de mais de 3 milhões de hectares e estavam concentrados na região norte do território, onde garimpeiros ilegais já exploram ouro e cassiterita. Segundo o InfoAmazonia, a agência do governo ainda mantém mais de 3 mil pedidos de mineração em áreas protegidas da Amazônia.
📮 Outras histórias
A história do movimento feminista em Pernambuco. Em diálogo com movimentos sociais, pesquisadores buscaram resgatar memórias da luta das mulheres no estado e mergulharam no acervo do Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE), protagonista na defesa de direitos sociais, econômicos, políticos e reprodutivos. O resultado é a publicação “FMPE: Imagens de Luta”, que será lançada nesta sexta-feira. O Marco Zero reúne fotografias que compõem a obra e que serão reproduzidas e distribuídas no lançamento em forma de cartões-postais. Entre as imagens escolhidas, algumas são registros de mobilizações do 8 de Março entre 1989 e 1991.
📌 Investigação
Aparência e comparação entre a atual e a ex-primeira-dama são base de publicações misóginas. A violência política de gênero não é novidade, mas há uma diferença entre as duas: Michelle Bolsonaro, casada com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é apontada como modelo de “feminilidade ideal”. Já a socióloga Rosângela Silva, a Janja, companheira do presidente Lula, é frequentemente atacada. Levantamento da Agência Lupa, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Democracy Reporting International, analisou postagens no Twitter, Facebook e Telegram com menções às mulheres políticas com atuação no cenário nacional entre 13 de janeiro e 13 de fevereiro deste ano. Janja é uma das principais vítimas, desde suas roupas até sua participação em atividades de lazer, como Carnaval e jogos de futebol.
🍂 Meio ambiente
Uma semana separa o Dia Internacional da Mulher do Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, celebrado em 16 de março. Na data, agricultoras paraibanas vão às ruas para a 14ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. A Paraíba Feminina conta que o mote deste ano é a denúncia dos impactos negativos dos parques eólicos e usinas solares instalados no Semiárido. “Nesse modelo, o agricultor, a mulher do campo e a juventude ficam apenas com os prejuízos. Queremos que cada família agricultora possa ter placas solares em suas casas para gerar a energia necessária para o seu uso”, afirma Adailma Ezequiel, jovem liderança sindical.
📙 Cultura
No livro-reportagem “Mulheres Assentadas: Mães de Todas as Lutas”, a jornalista e escritora Tamiris Volcean retrata a vida em três assentamentos no interior de São Paulo: o Horto de Aimorés, entre Bauru e Jaú; o Zumbi dos Palmares, no município de Iaras; e Boa Esperança, em João Ramalho. O Le Monde Diplomatique Brasil resenha a obra, que traz relatos incômodos. Os temas de violência doméstica, abandono e sobrecarga ganham uma camada ainda mais brutal em meio à falta de água e alimentos.
Pautar gênero e sexualidade nas quebradas é o objetivo das batalhas de rimas da Encruzilhada, que acontece na Brasilândia, zona norte de São Paulo, e de Guaiana, realizada de modo itinerante por Guaianases, na zona leste da capital paulista. O Desenrola E Não Me Enrola ouve os articuladores dos eventos, que desejavam criar uma rede de fortalecimento entre pessoas LGBTQIA+. “A Batalha de Guaiana vem para abrir espaço para esses artistas no território”, diz Guayana, MC, poeta e arte educadore.
Três mulheres negras levam reflexões de gênero, raça e classe à tela da TV Globo na minissérie “Falas Femininas, Histórias Impossíveis”. Com um toque de suspense, as roteiristas Grace Passô, Renata Martins e Jaqueline Souza buscam explorar circunstâncias de “horror” social causado por relações de poder. À Alma Preta a diretora artística Luísa Lima afirma que a produção instiga o reconhecimento de diferentes experiências de ser mulher no Brasil: “Essa série traz a importância de enxergarmos a condição das mulheres de diferentes pontos de vista, porque ser mulher significa muita coisa. O que é ser uma mulher branca de classe média alta e o que significa ser uma mulher preta, pobre, empregada doméstica?”.
🎧 Podcast
Neste 8 de março, para maratonar: “Praia dos Ossos”, produção da Rádio Novelo, narra o caso do assassinato de Ângela Diniz, vítima de quatro tiros disparados pelo então namorado Doca Street, em dezembro de 1976. A dinâmica do casal era complicada, e Doca frequentemente tinha crises de ciúmes. Três anos mais tarde, no julgamento do crime, ele usou a estratégia de culpabilização da vítima e saiu ovacionado do tribunal. Em 1981, porém, houve o segundo julgamento em cenário muito diferente do primeiro: um grupo de mulheres fazia vigília com palavras de ordem, faixas sobre violência contra mulheres e contra o feminicídio de Ângela.
Luta e resistência: esporte mais popular do Brasil, o futebol foi proibido de ser praticado por mulheres por quase 40 anos. Narrado pela cantora e compositora Leci Brandão, o “Audioguia Mulheres do Futebol”, produzido pela Trovão Mídia para o Museu do Futebol, conta histórias de cem anos de participação feminina na modalidade. Se há uma sala especial para Pelé e Garrincha, chegou a hora de homenagear Marta e Formiga, duas das maiores jogadoras da Seleção Brasileira.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem uma audiência hoje para tratar sobre a discriminação contra mulheres e meninas no Brasil e a violação do acesso ao aborto legal. O Portal Catarinas informa que os casos das meninas de Santa Catarina e do Piauí vão ser abordados na reunião. Ambas foram vítimas de estupro de vulnerável, receberam um atendimento de saúde precário e enfrentraram diversos obstáculos para acessar o aborto, previsto em lei.