As mulheres trans no feminismo e as mães de santo da periferia de SP
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🔸 Pessoas negras devem ocupar pelo menos 30% das vagas em cargos comissionados e postos de confiança no governo federal. É o que diz o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ontem, Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial. A administração pública terá até 31 de dezembro de 2026 para alcançar os percentuais mínimos. Ter “negros e negras na ponta e no topo da implementação de políticas públicas no governo federal” é um “passo inédito, que entrará para a história”, como definiu a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. O Metrópoles informa que outras medidas foram anunciadas, como o programa Aquilomba Brasil, que se volta para três eixos na proteção dos direitos de comunidades quilombolas: acesso à terra, infraestrutura e qualidade de vida e, por fim, inclusão produtiva e desenvolvimento local.
🔸 “É fundamental trazer à luz a verdade de como a herança escravocrata influencia a realidade das pessoas negras no Brasil.” A afirmação é de Rosana Rufino, presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo. A revista Afirmativa conversa com especialistas e ativistas sobre os desafios das políticas reparatórias no Brasil, país que trouxe à força cerca de quatro milhões de homens, mulheres e crianças do continente africano, o que representa mais de um terço de todo o tráfico negreiro entre os séculos 16 e 19. “O Brasil está bastante atrasado”, diz Cleusa Aparecida da Silva, atual coordenadora nacional da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB). “Podemos dizer que a educação foi a área que mais avançamos. Mas é insuficiente. Não consigo localizar uma experiência com impacto significativo”, completa.
🔸 Por uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal. Luiz Augusto Campos, professor de sociologia e ciência política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), apresenta, em coluna no Nexo, razões “técnicas” para a indicação de uma mulher negra à Corte. Ele escreve: “A distância entre a missão formal do Poder Judiciário e sua atuação concreta é abissal. Quase todos os dados disponíveis mostram que o nosso sistema de justiça funciona como uma máquina de perfilamento racial, que vitimiza mulheres negras e, sobretudo, homens negros. Soma-se a isso o fato de esse sistema ser pensado, gerido, modificado e reproduzido majoritariamente por homens brancos”.
🔸 Ficou para abril o anúncio das novas regras fiscais elaboradas pelo Ministério da Fazenda. O presidente Lula afirmou ontem que só apresentará o novo modelo depois da viagem para a China que fará com sua comitiva no sábado. Segundo o petista, não seria razoável apresentar o plano e sair do país. O Congresso em Foco destaca as falas do presidente sobre a importância do encontro com os chineses. “Não só para garantir essa relação boa que o Brasil tem com a China, mas para a gente ampliar nossa relação com a China na questão cultural, científica e tecnológica e política”, afirma Lula.
🔸 Mais de um projeto de lei por dia contra pessoas trans. Este é um dos saldos da nova legislatura, iniciada em fevereiro passado, em todo o país. O Notícia Preta detalha o levantamento da Folha de S.Paulo que contabilizou ao menos 69 projetos de lei contra pessoas trans apresentados nas esferas federal, estadual ou municipal. A maioria das propostas parte do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e quer proibir o uso da linguagem neutra em escolas e na administração pública. Há ainda projetos que pedem a proibição de banheiros unissex ou buscam impedir a participação de pessoas trans em competições esportivas.
📮 Outras histórias
Quanto custa um funeral em São Paulo? Não menos que R$ 3.380. É o valor da primeira faixa de preços da tabela de referência do estado. Para quem ganha um salário mínimo, é preciso trabalhar dois meses e meio (ou 75 dias) a fim de bancar o custo, como mostra a Alma Preta em reportagem sobre o direito à morte. “Tudo você tem que pagar e pagar caro, na hora. As pessoas não pensam que você está sofrendo a morte de alguém. Eles querem que você pague, e se vire”, conta a empregada doméstica Ana Maria Silva Torres, que teve o apoio de vizinhos para custear os gastos fúnebres de seu pai. Outro caminho é pedir empréstimo no banco, como fez Maria Alice dos Anjos Pereira, de 71 anos, viúva desde 2021. “Estou pagando até hoje e não faço nem ideia de quando vão acabar as parcelas”, lamenta.
Mais de 330 mil árvores em área de mata atlântica estão sob ameaça na Região Metropolitana de Recife. Há duas construções projetadas na Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe: a Escola de Sargentos e o Arco Metropolitano. A primeira tem investimento da ordem de R$ 1,5 bilhão, segundo o Marco Zero, e deve ser erguida justamente numa área que é tratada como uma espécie de santuário, apelidada de “Amazônia da Região Metropolitana do Recife”. Já o Arco Metropolitano passaria em frente à Escola de Sargentos e é uma promessa antiga do governo como alternativa para desafogar a BR-101.
📌 Investigação
Desmonte e militarização marcam a política ambiental do governo de Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais. Seguindo a cartilha bolsonarista, o governador substituiu os técnicos nos cargos estratégicos por nomeações políticas. A fiscalização ambiental passou por 11 trocas de comando nos quatro anos de seu primeiro mandato e hoje está nas mãos do coronel aposentado da Polícia Militar Alexandre Leal. A Agência Pública revela que houve uma série de alterações na estrutura administrativa da Secretaria de Meio Ambiente (Semad) que enfraqueceram o combate aos infratores, além da perseguição aos servidores. A partir de um decreto, Zema blindou os setores agrossilvipastoril e agroindustrial da fiscalização ambiental, que passaram a ter suas infrações reduzidas em 30%. Como consequência, entre 2019 e 2022, Minas Gerais foi o estado brasileiro que mais desmatou a mata atlântica.
🍂 Meio ambiente
Em apenas cinco anos, o desmatamento na Amazônia pode chegar a quase metade de toda a perda florestal das últimas duas décadas. O estudo é da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), em que são analisados três cenários possíveis entre 2021 e 2025 – otimista, moderado e pessimista –, a partir de um modelo de probabilidade que considerou o recente processo histórico do desmatamento. As projeções levam em conta áreas críticas como as que possuem taxas de degradação acima de 50%, além de outras variáveis, como a topografia, a proximidade de rios e florestas, a proximidade de centros urbanos, entre outras. Em reportagem especial, o InfoAmazonia esmiúça os dados da RAISG e analisa os cenários propostos.
O Brasil ainda sofre para garantir segurança hídrica à população. De acordo com o Atlas da Água, produzido pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, 1.975 municípios têm abastecimento de água classificado como segurança hídrica média e outros 785 apresentam segurança hídrica baixa ou mínima. Ao todo, são 2.260 cidades que podem passar por racionamento em períodos de seca, informa a Agência Envolverde. Para o presidente da Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente (Apecs), o Novo Marco Legal do Saneamento, lei que estabelece como meta chegar a 25% de índices de perdas de água até 2033 (o número hoje é de cerca de 40%), traz importantes instrumentos para reduzir os riscos de crise hídrica.
📙 Cultura
Um dos poucos cinemas de rua do país, o São Luiz, em Recife (PE), está há quase um ano fechado. Após a pandemia, chegou a ser reaberto em fevereiro de 2022, mas foi novamente desativado no final de maio para uma obra de modernização. Esta, por sua vez, deveria ter acabado em setembro do ano passado, mês de seu aniversário de 70 anos. A revista O Grito! conta que os frequentadores do cinema se questionam sobre o que, de fato, acontece com o aparelho cultural. O responsável pela programação, Luiz Joaquim, assim como outros funcionários de longa data do São Luiz, foram demitidos pelo governo de Raquel Lyra sem nenhum diálogo. “Eu soube da minha exoneração pelas redes sociais. Alguém leu a notícia e me escreveu perguntando se eu estava nesse grupo de exonerados da Fundarpe. E eu disse que não sabia e que ia ligar para o RH, aí eu fiz isso e me confirmaram”, afirma Luiz Joaquim.
“Eu tô dentro do meu axé, e daqui eu não vou sair.” Iya Helena, de 74 anos, é mãe de santo do Terreiro de Candomblé Nação Ketu Ilê Forikan Axé Oxolufãn, no Grajaú, na zona sul de São Paulo. Ela lembra das constantes ameaças que sofria pelos vizinhos, que não aceitavam a presença do candomblé na região e afirmaram que quebrariam tudo. Segundo a Periferia em Movimento, o cenário atual é de esperança para as mulheres líderes de terreiros que celebraram ontem o primeiro Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, data instituída em janeiro pelo presidente Lula como ato simbólico contra o racismo religioso. “Nós estávamos a vida toda escondidos, então achei muito bom mesmo. A gente estava precisando disso. Foi um avanço na nossa vida”, diz Iya Leni de Oxumarê, 61 anos, do Ilê Asé Omi Demi, em Guaianases, na zona leste da capital paulista.
🎧 Podcast
Poeta, atriz e um dos grandes nomes do slam nacional, Luiza Romão venceu o último Prêmio Jabuti na categoria Poesia, com a obra “Também Guardamos Pedras Aqui”. No podcast “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, a autora explica como a “Ilíada”, epopeia clássica da Grécia Antiga, inspirou os poemas de seu livro premiado. O projeto baseado em Homero nasceu a partir do horror sentido por Romão quando leu os poemas gregos, em que é narrado o massacre de um povo e resume: “A literatura Ocidental começou com uma guerra”. A poeta usa uma visão crítica da narrativa para trazer o tema da violência para dentro de seu livro.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“Todos os lugares em que o corpo de uma travesti adentra, desde o lugar da dignidade, esse espaço é inquirido a se movimentar.” A afirmação é da pedagoga, ativista e pesquisadora Maria Clara Araújo, autora do livro “Pedagogia das Travestilidades”. Mestranda em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Araújo foi a primeira da sua família a ingressar no ensino superior, e ainda uma das poucas travestis negras no Brasil nesse espaço. “Quando a gente adentra o feminismo, o feminismo é inquirido a se movimentar; quando a gente adentra a academia, a academia é inquirida a se movimentar”, completa em entrevista à Gênero e Número.
A propósito: mulheres trans e travestis são contempladas pelo feminismo? A criadora de conteúdo Isabel Brandão foi convidada pela revista AzMina para responder questionamentos sobre mulheres trans, estereótipos de gênero e cirurgias de redesignação sexual. No vídeo, Isabel lembra que não apenas mulheres trans foram excluídas das primeiras ondas do feminismo, como também mulheres negras, indígenas e de outras orientações sexuais e identidades de gênero.