A indicação de uma mulher negra para o STF e as denúncias de violência no parto em SP
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🔸 Cem entidades assinam um documento enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reivindicando a indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF). Duas vagas vão abrir na Corte neste ano: em maio, Ricardo Lewandowski se aposenta e, em outubro, Rosa Weber deixará o posto. O STF nunca teve uma mulher negra entre os magistrados e destaca que só teve uma mulher a partir de 2000, quando Ellen Gracie tomou posse. No documento enviado a Lula, movimentos de juristas defendem que o sistema de Justiça brasileiro deve ter “o máximo de espelhamento das diversidades humanas do povo”. A CartaCapital aponta possíveis nomes de mulheres negras para a Corte e pondera que o presidente já disse que “todo mundo compreenderia” se o indicado fosse Cristiano Zanin, advogado que o defendeu na Operação Lava Jato.
🔸 Enquanto isso, no Congresso: bolsonaristas tentam abrir uma Frente Parlamentar Contra o Aborto, que seria presidida pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e Chris Tonietto (PL-RJ). Na primeira tentativa, nesta semana, foram barrados. Não conseguiram as 198 assinaturas, como demanda o regimento da Câmara. O Portal Catarinas informa que a frente proposta pretende “fiscalizar e acompanhar os programas e as políticas públicas governamentais destinadas à proteção e garantia dos direitos à vida da gestante e do nascituro e que atuem contra a prática criminosa do aborto”. Para a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), depois da derrota de Bolsonaro nas urnas, a oposição segue “tentando aglutinar uma base fanática e misógina através dos seus parlamentares e de outras figuras públicas”.
🔸 Falando em misoginia… Entre as redes sociais, é o WhatsApp que concentra os ataques misóginos a mulheres na política. Mais de 250 grupos no aplicativo foram monitorados. O Aos Fatos apurou que correntes que citam de forma depreciativa 20 mulheres em evidência na política foram compartilhadas mais de 1.300 vezes entre janeiro de 2022 e março deste ano. De Anielle Franco a Bia Kicis, os ataques são direcionados a mulheres de diferentes campos, mas a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a primeira-dama Janja da Silva e a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) são os principais alvos dos misóginos. Os adjetivos “louca” e “burra” são os mais frequentes.
🔸 “A desinformação de gênero usa convenientemente o sexismo e a misoginia preexistentes na sociedade como uma tática para minar a integridade eleitoral, a própria democracia e a confiança nas instituições. (...) Vemos as mídias sociais como um acelerador dessas narrativas sexistas.” As afirmações são de Kristina Wilfore, professora adjunta da George Washington University, dos Estados Unidos, que ajudou a fundar a organização #ShePersisted, referência mundial no tema. Em entrevista à Agência Lupa, ela explica como a desinformação é uma “tática-chave para criar conspirações e mentiras e minar lideranças femininas” e alerta que “não há nada de significativo que as plataformas façam para restringir a forma como as pessoas estão promovendo este tipo de conteúdo por meio de algoritmos”.
🔸 Não só joias chegaram do Oriente Médio com a comitiva de Jair Bolsonaro. Um fuzil e uma pistola vieram com o ex-presidente num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em outra viagem à região, em outubro de 2019. No Metrópoles, o colunista Guilherme Amado revela ainda que o fuzil tem gravado o nome de Bolsonaro e que as armas seriam presentes de um príncipe de uma família real dos Emirados Árabes. Na viagem em questão, membros da comitiva receberam relógios de luxo, cujo preço passa de R$ 50 mil. O Tribunal de Contas da União (TCU) já determinou que os relógios sejam devolvidos e considerou que os presentes violam as regras da Corte. Sobre as armas, elas também têm valor estimado de mais de R$ 50 mil no mercado brasileiro.
🔸 Até agora, não houve votação nominal na Câmara em que governo e oposição pudessem se enfrentar no Plenário. Mas essa demora é algo que já se viu no primeiro mandato de Lula, em 2003, quando as votações foram retomadas somente após a segunda quinzena de março. O Jota avalia que “Lula foi ‘cauteloso’ em seu primeiro mandato e tem ainda mais motivos agora, diante do Congresso que saiu das urnas: mais conservador e predominantemente de centro-direita”. Ainda nas palavras do analista Daniel Marcelino, “Lula sabe melhor do que ninguém que os eleitores prestam mais atenção ao que o presidente diz e faz apenas nos primeiros dois ou três meses do mandato”. Melhor para ele que as votações não tenham começado ainda, já que isso lhe garante mais holofotes.
📮 Outras histórias
Negro, nigeriano, Franklin A., de 27 anos, está entre os resgatados do trabalho escravo na safra da uva, em Bento Gonçalves (RS). Ele chegou ao Brasil em 2021 e, no ano seguinte, começou a trabalhar na empresa Oliveira & Santana, que prestava serviços para as vinícolas do Sul. “Contrato de R$ 2.500, pagando a passagem. Fomos cinco ao todo, três venezuelanos”, conta ele ao Headline. Quando chegou lá, a colheita da uva não havia começado, e ele foi levado para trabalhar num aviário, na atividade de “apanha frango”, que serve, por exemplo, ao grupo BRF. Franklin passou a sofrer de dores na coluna e pediu para ser realocado para a safra da uva. Em vídeo, ele detalha o que sofreu, e o fiscal Rafael Zan discorre sobre a operação que resgatou mais de 200 trabalhadores em Bento Gonçalves.
📌 Investigação
Momento de grande vulnerabilidade, o parto foi traumático para muitas mulheres no Hospital Amparo Maternal, em São Paulo (SP). O Nós, Mulheres da Periferia revela relatos de doulas sobre frequentes situações de violência e constrangimentos contra elas e as pacientes. Maria (nome fictício) recorda de um trabalho de parto do qual participou em que o processo estava evoluindo e a criança já estava nascendo, mas “entrou um médico indicando episiotomia e querendo se sobrepor à mulher em trabalho de parto, que estava se recusando a fazer o procedimento”. “Ele falou: ‘mas é uma indicação médica, você sabe que o bebê pode morrer. Seu bebê vai nascer sem ar e vai ser responsabilidade sua’”, afirma a doula. O método não é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por não ter evidências científicas e é considerado uma forma de violência obstétrica.
🍂 Meio ambiente
A hidrelétrica de Xingó, no Rio São Francisco, está com descargas mínimas, impactando a população e o meio ambiente na região baixa do rio. Os valores de vazão são, como em 2015, de mil metros cúbicos por segundo. A diferença, porém, é que não há crise hídrica que justifique a medida, já que os reservatórios de Três Marias e Sobradinho estão com volume de água quase em 90%, como informa o InfoSãoFrancisco. As consequências são a navegação interrompida e os leitos do rio expostos, permitindo o avanço de vegetação invasora.
Para mulheres de comunidades tradicionais, a luta pela terra e contra as mudanças climáticas é também uma batalha pela própria existência. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, Maria Nice Machado Costa, conhecida como Dona Nice, discorre sobre a importância das mulheres nas práticas de manejo ambiental e na defesa de territórios. Negra, quilombola e quebradeira de coco babaçu, Dona Nice reivindica o lugar dessas lideranças: “Infelizmente, as mulheres, especialmente as não brancas, ficam de fora do debate para influenciar os processos de tomada de decisão sobre os recursos naturais e não são vistas adequadamente na luta pela terra. No entanto, são as mulheres camponesas, indígenas, quilombolas, coletoras de babaçu, catadoras de borracha, coletoras de marisco e extrativistas que atuam na linha da frente, fechando as fileiras da defesa dos direitos das comunidades”.
📙 Cultura
“Eu puxei a costura da minha mãe. Já o samba, eu puxei do meu pai. Nossa família amava, todo mundo comendo e sambando.” Benedita Antonia de Oliveira, ou Dona Dita, de 73 anos, é uma das figuras mais importantes de um Carnaval que não existe mais. Era 1978 quando entrou para a Acadêmicos do Rochdale, agremiação do bairro onde mora em Osasco (SP), para criar os figurinos da bateria. A Agência Mural conta que os desfiles acabaram no município em 2004. Seis anos depois, em 2010, até houve uma tentativa de retomar a festa, mas aquele foi o último desfile da escola e o último respiro da folia em Osasco. Dona Dita, por outro lado, segue reconhecida. Recentemente ganhou uma homenagem com a pintura de um mural em prédio no bairro Baronesa, perto de onde vive.
Livro infantil do rapper Emicida, “Amoras” foi alvo de racismo religioso em uma escola em Salvador (BA). A mãe de um aluno riscou um exemplar da obra, indicada para um projeto literário do colégio, com mensagens preconceituosas sobre as passagens que trazem informações sobre religiões de matriz africana, chamando-as de “ideologias anticristãs e blasfêmias contra o Deus vivo”. O artista se manifestou no Instagram, em vídeo, e afirmou que “é de entristecer viver entre radicais que vandalizam livros infantis”. O Portal Lunetas lembra que, ao narrar a história de uma menina negra que está aprendendo a se orgulhar de suas origens, “Amoras” apresenta ícones como Martin Luther King e Malcolm X e menciona orixás da cosmologia iorubá.
🎧 Podcast
Não é apenas o ato de minerar, mas o modelo de mineração como um todo que deixa pobreza socioambiental nos locais onde ocorre para enriquecimento de um sujeito externo. É algo que se repete desde a colonização, com a ideia de deixar os problemas para as periferias e o lucro para os centros do sistema. A explicação é apresentada por Charles Trocate, filósofo, educador, escritor e coordenador do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), no podcast “LatitudeCast”, produção da Amazônia Latitude. Ele conta que a iniciativa surgiu em 2012, quando os militantes da Via Campesina se organizaram na luta contra a mineradora Vale do Rio Doce e a maior mina de ferro a céu aberto do mundo, na Serra Arqueada, no Pará.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
O Brasil é o país que mais mata a população trans pelo 14º ano consecutivo – em 2022, foram 131 mortes. Em outros países da América Latina, o cenário de violência contra mulheres trans se repete. Para homenageá-las, a revista AzMina apresenta as histórias da brasileira Neon Cunha, da equatoriana Estrella Estévez, da hondurenha Allison Hernández e da colombiana Laura Weinstein. As quatro marcaram a história de seus países na luta por direitos. Estévez, por exemplo, foi a primeira de Honduras a conseguir mudar, no documento de identidade, o campo de gênero de masculino para feminino. Para narrar suas trajetórias, a revista se uniu a outros três veículos independentes e feministas – “Edición Cientonce”, do Equador, “Volcánicas”, da Colômbia, e “Reportar Sin Miedo”, de Honduras.