A mudança na Lei Maria da Penha e as mulheres em busca de água no semiárido
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🔸 Quase 2 mil cidades do Brasil não têm rede de esgoto e pelo menos 5 milhões de brasileiros vivem sem banheiro em casa. No Dia Mundial da Água, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e comemorada ontem, a revista piauí explora os dados do saneamento básico no país e narra a história da agricultora aposentada Maria Domingas Silva, de 57 anos, cujo sonho era ter um banheiro. Moradora de Paraíso, distrito a cerca de 140 km da capital São Luís, Domingas usava até pouco tempo uma sentina, como é conhecido na baixada maranhense o pequeno espaço do lado de fora das casas feito de barro e pedaços de madeira com um buraco no chão. A reportagem lembra que as mulheres são afetadas de forma decisiva pelas más condições de moradia e saneamento. Em 2019, havia 2,5 milhões de brasileiras nessa situação, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. E o problema está muito distante de uma solução: para 2023, o governo Bolsonaro destinou à área apenas 2% do total necessário para cumprir a meta de universalização do serviço.
🔸 A Câmara aprovou uma mudança na Lei Maria da Penha. A alteração permitirá que qualquer policial conceda medidas protetivas de urgência a mulheres vítimas de violência, como o afastamento do agressor da residência ou a suspensão de seu porte de armas. Pelo texto atual da lei, essas medidas cabem a um juiz. Segundo o Congresso em Foco, a sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deve ser empecilho – o projeto foi apresentado pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, quando era senadora pelo MDB de Mato Grosso do Sul. O objetivo da mudança é justamente evitar interpretações diversas de juízes ou policiais, que, segundo Tebet, valem-se de brechas para não conceder as medidas de proteção às mulheres.
🔸 A Polícia Federal (PF) disparou ontem uma operação para desarticular um grupo ligado ao PCC que planejava homicídios e sequestros contra autoridades e servidores públicos. Um dos potenciais alvos dos crimes seria o ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR). Enquanto a PF cumpria 11 mandados de prisão e 24 de busca e apreensão, Moro tentou conectar o caso a Lula, como mostra a CartaCapital. Em entrevista nesta semana, o presidente lembrou o tempo em que esteve preso: “De vez em quando um procurador entrava lá de sábado, ou de semana, para visitar, se estava tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores e perguntavam: ‘Tá tudo bem?’. Eu falava: ‘Não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder esse Moro’.” O ministro da Justiça, Flávio Dino, classificou como “mau-caratismo” a tentativa de politizar a investigação “feita em defesa da vida e da integridade de um senador de oposição ao nosso governo”.
🔸 A taxa básica de juros continua a mesma: 13,75% ao ano, pela quinta vez seguida. O anúncio, feito ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, desagrada a Lula, que vem reclamando publicamente do percentual que, segundo ele, precisa cair para que “a economia possa voltar a ter investimentos”. O Portal Terra explica o que é e como é definida a taxa básica de juros e mostra ainda como ela impacta em poupanças e investimentos.
🔸 As formas de resistência dos servidores públicos no governo Bolsonaro. Eles foram alvo de processos administrativos sem justificativa, exonerados ou transferidos de seus postos de trabalho. Também sofreram ameaças informais e assédio. Como reação, passaram a adotar estratégias como processos judiciais coletivos. As ações do governo e as reações dos servidores foram mapeadas por pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV) e da Universidade de Brasília (UnB). A Agência Bori apresenta o trabalho e ouve uma das autoras do estudo, Gabriela Lotta. Segundo ela, “ao longo do tempo, foi se construindo um clima de medo”. Chegou a circular a informação de que os celulares dos servidores eram rastreados. “Por isso, mesmo que seja mais difícil e mais caro, os funcionários públicos passaram a formalizar e coletivizar a estratégia, o que os protegia muito mais individualmente”, explica.
📮 Outras histórias
A maioria das subprefeituras de São Paulo investiu menos do que o previsto no ano passado. O orçamento para o Itaim Paulista, na zona norte de São Paulo, por exemplo, previa cerca de R$ 20 milhões a serem destinados à urbanização do bairro. Apesar da promessa inicial, os valores previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) não foram repassados, e as verbas foram direcionadas durante o ano para outras regiões ou outras áreas. A Agência Mural apurou que 24 subprefeituras gastaram menos do que foi prometido na LOA para 2022. As administrações regionais foram criadas em 2002, na gestão da Marta Suplicy (PT), com a ideia de descentralizar a administração. Mas cada prefeito desde então lidou de uma forma diferente com o setor. A reportagem detalha o que houve em regiões onde o orçamento destoou do previsto e mostra como essas áreas têm sido deixadas em segundo plano na cidade.
Uma advogada feminista em Pelotas (RS) foi alvo de ataques por seu trabalho. O carro da família de Laura Cardoso explodiu no último domingo em frente ao prédio onde ela reside. Dois homens numa moto se aproximaram do veículo, quebraram o vidro com uma marreta, lançaram cinco litros de gasolina no interior e atearam fogo em seguida. A polícia trabalha com a hipótese de que o atentado esteja conectado à atuação profissional da advogada em casos que envolvem vítimas de violência doméstica e obstétrica, entre outros. Ela está grávida, prestes a dar à luz seu segundo filho, informa o Sul21. “Sei que eu trabalho com um tema bastante delicado, que gera indignação por vivermos em uma sociedade misógina, patriarcal e machista. Defender os direitos das mulheres, das crianças e adolescentes não é tarefa fácil, principalmente quanto tu se propõe a um pensar jurídico feminista, com perspectiva de gênero”, afirma a advogada.
📌 Investigação
As supostas propinas em ouro do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A acusação paira desde 2014 sobre o então servidor da Funai Paulo Gomes da Silva, que teria recebido dois pacotes de ouro, com 216,5 gramas, de um garimpeiro durante uma operação. Dois policiais militares, que estavam com Paulão, como era conhecido, teriam acompanhado a cena, mas não impediram a extorsão. O episódio foi revelado pelo garimpeiro à Companhia Independente de Policiamento Ambiental (Cipa), da Polícia Militar de Roraima. A Repórter Brasil revela que os dois PMs presentes, Francisco Inaldo Silva Costa e Ranildo Brandão, foram promovidos pelo governo de Roraima poucos dias após o Ministério Público Federal denunciá-los por extorsão à Justiça, em 2017. Nos anos seguintes, eles continuaram a progredir na carreira e tiveram suas aposentadorias turbinadas: R$ 14.407,40 brutos, no caso de Costa, e R$ 17.240,06, no de Brandão.
🍂 Meio ambiente
Pelo menos 373 municípios correm risco de desabastecimento e de perda da qualidade de água no Matopiba, área entre as fronteiras dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O motivo é o constante aumento do desmatamento na região provocado pelo avanço do agronegócio. A Agência Pública obteve com exclusividade um levantamento feito por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do MapBiomas a partir de dados dos níveis de desmatamento observados pelo sistema SAD Cerrado em 2022. Se o ritmo de degradação se mantiver, as projeções indicam que, até 2050, a redução no fluxo dos rios do Cerrado deve chegar a 34%, em comparação com os valores observados em 1985.
Mulheres do semiárido brasileiro chegam a caminhar oito horas por dia em busca de água. “Era para eu levar quatro tambores de 20 litros, mas eu não aguento. Levo estes aqui [dois de 20 litros e dois de 15 litros]. De noite, eu estou com os braços que não aguento”, lamenta Suzana Pereira, de 38 anos, que vive na Serra do Urubu, comunidade rural de Mata Grande, em Alagoas. O Projeto Colabora conta que ela é uma das 9 mil pessoas de seu estado sem acesso a uma cisterna de 16 mil litros. A escassez hídrica é também um fator de insegurança alimentar: na região Nordeste, a fome está presente em 41,2% dos lares onde há restrição de acesso à água, de acordo com os dados do 2º Inquérito Vigisan. Irrigar a terra para cultivar alimentos é uma das razões para que Suzana faça o esforço de carregar tantos litros de água todos os dias. A aridez comum da região, porém, não é o único problema, já que o município de Mata Grande está na escala de risco alto e moderado de desertificação, o que significa que, se a cobertura vegetal não for mantida, a área com baixa oferta hídrica pode se tornar completamente seca.
📙 Cultura
A descentralização dos recursos ainda é um desafio para a Lei Rouanet. Embora esteja nos discursos de campanha de políticos de diversas ideologias, trata-se de um objetivo que nunca foi atingido. Segundo o Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural, em 2021, 78% do valor repassado a projetos culturais foi para projetos do Sudeste. Para Cecilia Rabêlo, presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, mesmo com a possível aplicação de cotas regionais, a decisão continua nas mãos das empresas. Ao Nonada ela afirma que um caminho eficiente seria o investimento direto em projetos periféricos e de regiões fora do eixo político-econômico do país, além do mecenato garantido pela Rouanet.
A gangue das “belas, recatadas e do lar”. O longa brasileiro “Medusa”, dirigido por Anita Rocha da Silveira, narra a história de Mariana, interpretada por Mari Oliveira, que forma com suas amigas um grupo chamado de Preciosas do Altar. O objetivo é que elas não caiam em tentação e se mantenham fiéis aos princípios da igreja. Além de vigiar e controlar seus próprios corpos e vidas, à noite, elas saem às ruas para fazer justiça contra outras mulheres que não se comportam de acordo com seus preceitos. "Quando comecei a desenvolver o filme em 2015, algo que percebi é que meu interesse principal era falar do avanço do fascismo, da extrema direita e do conservadorismo, que, no Brasil, está ligado à religião”, explica a diretora. O Headline resenha o filme que chegou aos cinemas do país na semana passada e recebeu prêmios em festivais internacionais, como o de Melhor Direção no Festival de Cinema de Sitges, na Espanha, e o Prêmio Especial do Júri no IndieLisboa, em Portugal.
🎧 Podcast
O jornalista Mauri König passou dos dramas da realidade para publicar histórias de ficção pela primeira vez. O livro “Ensaio Sobre Quem Somos” reúne contos, crônicas e ensaios e é tema do novo episódio do “O Que Ler Agora?”, produção do Plural. “Embora seja tudo muito surreal, tem pitadas de coisas reais”, afirma a jornalista Aline Reis, convidada especial do programa. Apesar das narrativas engraçadas, há problemas sociais e elementos da vida cotidiana passíveis de acontecerem. König sai da visão objetiva de repórter para contar histórias por meio de personagens fictícios que têm suas subjetividades exploradas.
🧑🏽🏫 Educação
Em uma trajetória profissional marcada pelo racismo, a professora de inglês Karina Santana vem, desde 2021, rompendo a lógica de mercado ao fundar seu curso “Karina, Me Ensina”. Ela busca facilitar o acesso ao ensino do idioma para pessoas periféricas, especialmente mulheres negras, como ela, que correspondem a 80% dos seus alunos. “O inglês é elitizado no Brasil. E existe a visão de que quem o domina é superior. Nos sentimos inferiorizados porque achamos que deveríamos ter esse conhecimento, quando não é questão de querer, mas de ter condições financeiras para tal.” O Desenrola E Não Me Enrola conta que Karina começou com 15 estudantes e hoje atende mais de 500, além de usar o método de Paulo Freire para desenvolver uma aprendizagem coletiva.