A MP dos ministérios e o salário das mulheres negras
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🔸 A Câmara aprovou, na noite de ontem, a medida provisória da reestruturação dos ministérios. Boa parte da MP, a primeira editada pelo governo Lula, foi mantida, mas as alterações feitas pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), relator da medida, esvaziam as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. O Headline detalha o texto aprovado, que segue hoje mesmo para o Senado. Na prática, o número de ministérios foi preservado – são 31, além de seis órgãos com status equivalente, totalizando 37 ministros. Quanto às derrotas ambientais, elas aparecem na mudança de atribuições das pastas: a demarcação de terras indígenas passa ao Ministério da Justiça, e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, migra para o da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
🔸 Em vídeo: várias queixas de Arthur Lira (PP-AL) quanto à articulação do governo no Legislativo. “O problema não é da Câmara, não é do Congresso, o problema é do governo na falta ou ausência de articulação”, afirmou. Segundo o Congresso em Foco, o presidente da Câmara calcula que o apoio orgânico do governo na Câmara dos Deputados está limitado a 130 votos, menos da metade do necessário para aprovar um projeto de lei ou uma medida provisória.
🔸 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma reunião de emergência com o núcleo de articulação do governo e ligou diretamente para Lira para tratar da MP. O sufoco, combinado com a aprovação do projeto de lei do marco temporal, expõe as dificuldades de negociação com a Câmara. “Lula montou sua coalizão e ministérios como se o quadro fosse igual ao que ele deixou em 2010. Ele negociou com parlamentares que já conhecia. Essa mudança de correlação de forças mudou, e implicou no poder dentro do Legislativo”, avalia Sérgio Abranches. Em entrevista ao Nexo, o cientista político que definiu o conceito “presidencialismo de coalizão” afirma que “o governo não tem nenhuma estratégia política” e é “politicamente fraco, sobretudo na Câmara”. “Esse é um jogo muito mais difícil daquele jogado por Lula no passado. O Brasil ficou mais complexo e com mais problemas”, completa Abranches.
🔸 A CPI do MST é palco de bate-boca e tumultos. Ontem, a sessão foi encerrada depois de o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), mandar o deputado Paulão (PT-AL) se calar. Este havia questionado o financiamento da campanha de Caiado. “Cala a sua boca, que eu estou falando”, respondeu o governador. O deputado Coronel Zucco (Republicanos-RS), então, encerrou a audiência. Em outro momento, conta a CartaCapital, o bolsonarista Abílio Brunini (PL-MT) se posicionou em frente às deputadas Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), a fim de impedir que elas vissem a sessão e olhassem para Zucco e Caiado.
🔸 No Rio de Janeiro, mais operações policiais nas favelas. O Complexo da Maré, na zona norte da capital, teve o cotidiano alterado ontem com a 13ª ação da Polícia Militar neste ano. Os tiros começaram às 6h, quando blindados e agentes armados já circulavam nas ruas do Parque União, Rubens Vaz e Nova Holanda. Além de dados patrimoniais, casas invadidas e até um cano estourado que deixou parte da comunidade sem água, o Maré de Notícias lembra que mais de 12 mil crianças perderam mais um dia de aula por causa da operação. Não só a Maré, mas também o Morro dos Macacos, o Complexo do Caju, Manguinhos e Cidade de Deus, enfrentaram o mesmo problema ao longo do dia. O Voz das Comunidades acompanhou as operações nas favelas e fez a cobertura completa no Twitter.
📮 Outras histórias
Um jovem gaúcho foi resgatado de trabalho análogo a escravidão em Dubai. Em julho do ano passado, Moisés Santana, de 20 anos, partiu para o país depois de ser convidado por um homem a jogar futebol por lá. “Ele entrou em contato comigo, me falou que tinha uma oferta para ir para Dubai, que a chance era única, que eu teria casa, carro, uma vida de sheik. Que se eu desse certo, ia ajudar meus familiares e ajudar ele com um carro, como sinônimo de vitória”, conta ao Sul21. A promessa não se cumpriu. Moisés acabou trabalhando na casa de um empresário brasileiro, das 7h às 23h, sem receber salário. Em março passado, um parente do jovem entrou em contato com a Comissão de Direitos Humanos do parlamento gaúcho e fez a denúncia. Ele fugiu para um albergue e conseguiu voltar ao Brasil depois de pagar uma multa migratória de R$ 10 mil, cobrada por estar ilegalmente no outro país. O valor foi angariado num financiamento coletivo do mandato da deputada estadual Laura Sito (PT), presidente da comissão.
📌 Investigação
A indústria do fumo coloca cada vez mais suas garras no Paraná, onde a produção cresceu 11% da safra de 2021/2022 para a de 2022/2023. Prefeitos e deputados estaduais defendem os interesses das corporações – que não são poucas: só no Centro-Sul do Paraná estão presentes oito fumageiras. Segundo o Sindicato Rural de Irati, município da região, cerca de 29 mil famílias plantam e entregam tabaco para as transnacionais ali instaladas. O Joio e O Trigo revela que o monopólio da fumicultura influencia até mesmo as políticas de educação. No município de São Mateus do Sul, uma escola rural, fundada em 2006 para estimular a independência de famílias da economia do fumo, passa por uma mudança radical. O curso de agroecologia está em processo de extinção para dar espaço à formação de técnico agrícola, com grade voltada às culturas de exportação e ao monocultivo.
🍂 Meio ambiente
Em vídeo: a ativista indígena Shirley Djukurnã Krenak lembra que a sobrevivência do meio ambiente depende dos povos originários e da restauração dos territórios. A etnia Krenak vive em Minas Gerais, estado onde o principal bioma, a Mata Atlântica, já está quase completamente destruído. “Eu venho de uma região que foi totalmente estuprada e violentada pelo crime da mineração da companhia Vale do Rio Doce. Aliás, de um rio que não é mais doce, porque, em 2015, nós sofremos com um crime que matou mais de 700 quilômetros de rio de água doce”, afirma em entrevista para A Economia B. Shirley participou recentemente de evento em Amsterdam, onde lideranças globais discutiram economia regenerativa.
Há mais de dez dias, uma comunidade está mobilizada para salvar um boto-cor-de-rosa em Novo Airão, no interior do Amazonas. O animal, apelidado de Curumim, apareceu no dia 18 de maio, no Parque Nacional (Parna) de Anavilhanas, com o olho ferido por um arpão, mas fugiu antes que pudesse ser capturado e resgatado para realização de uma mini cirurgia de remoção do objeto. A família de Marisa Granjeiro, atualmente técnica ambiental credenciada pelo ICMBio no Parna, atua na proteção dos botos da região há mais de 20 anos. Foi ela e a irmã Monik Granjeiro Almeida que iniciaram o alerta sobre o estado de Curumim, que só foi encontrado no dia 20, na comunidade ribeirinha de Santo Antônio, a cerca de 40 quilômetros de Parna. Segundo O Eco, Marisa esteve hospedada na casa de ribeirinhos, que também pescaram para alimentar o boto, já que ele não conseguia caçar. Ontem, o ICMBio informou que o arpão saiu naturalmente e não foi necessária a cirurgia, mas Curumim permanecerá em observação pelos próximos dias.
📙 Cultura
“Às vezes, alguém fala uma frase e imediatamente nasce um poema, que fica queimando na minha cabeça até eu escrevê-lo.” A escritora Geni Guimarães é do município de Barra Bonita, no interior de São Paulo, com pouco mais de 36 mil habitantes. A tranquilidade da rotina de fim de tarde inspira parte de sua obra, que transita entre poesia, prosa e infanto-juvenis. A Quatro Cinco Um narra a trajetória de Geni. Nascida em 1997, a autora venceu o Prêmio Jabuti de Literatura Juvenil em 1990, com o livro “A Cor da Ternura”, em que descreve sua própria infância. Mulher, negra, pobre e penúltima de nove filhos, Geni foi a única da família a frequentar a escola, à qual chegava depois de caminhar por uma hora e meia. Ela afirma que o premiado livro será relançado e que trabalha também em outras duas produções inéditas.
Por meio da xilogravura, a artista visual Victorya Antonoff, de 28 anos, retrata os moradores do Grajaú, na zona sul de São Paulo, onde vive. A técnica, que usa a madeira como matriz e torna a reprodução da imagem gravada sobre o papel, é a mesma da literatura de cordel, popular no Nordeste. Além dos vizinhos, Victorya também faz ilustrações de filmes e celebridades. À Agência Mural a xilógrafa conta que consegue sua renda a partir da arte, mas que seu sonho é trabalhar também ministrando oficinas nos Centros Culturais, Fábricas de Cultura e no Sesc, porque acredita que as periferias possuem poucos acessos para a xilogravura.
🎧 Podcast
O samba, o funk, o blues, o rock, o rap e vários outros ritmos só são valorizados se forem embranquecidos ou passarem a circular em espaços elitizados. É assim que a indústria musical vê, na maior parte do tempo, produções pretas e periféricas, apontam o cantor e compositor Obigo e a administradora pública e pesquisadora de cultura e música na quebrada Thaynah Gutierrez no podcast “Cena Rápida”, produção do Desenrola e Não Me Enrola. “A arte preta é por si só revolucionária e política”, diz Obigo. E Gutierrez explica como o apagamento e o embranquecimento dessa arte são, sobretudo, parte de um projeto político.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
A renda média de mulheres negras não chega a 60% da renda de homens brancos em todos os níveis de escolaridade. É esse cenário que o projeto de lei que prevê igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função, aprovado na Câmara, precisa adentrar para começar a corrigir distorções salariais no mercado formal. A Gênero e Número reúne os dados sobre a profunda desigualdade racial e de gênero que marca o trabalho no país. Um exemplo claro é que 21% dos trabalhadores com ensino superior são mulheres negras, que recebem, em média, 47% do rendimento dos homens brancos com a mesma escolaridade. A discrepância se repete também no setor público, onde elas recebem 42% da renda de homens brancos.