Os ministérios de Lula e o perfil dos catadores de recicláveis no Brasil
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
Caros leitores e leitoras,
a informação de qualidade – checada, consistente, precisa – é central para a formação de uma população consciente dos valores democráticos. Neste ano, com as eleições gerais, essa potência foi elevada. A Brasis nasceu em setembro, pouco antes da votação em primeiro turno, já com o desafio de informar o leitor em meio a um ambiente de fake news e ameaças à democracia. Foi o jornalismo sério e plural produzido pelas associadas à Ajor que nos permitiu elaborar edições repletas de informações averiguadas, investigações e análises aprofundadas, perspectivas e olhares nem sempre explorados pela mídia tradicional. Obrigada a você, leitor e leitora, que esteve com a gente nesse percurso.
Fazemos agora uma pausa e voltamos a circular no dia 3 de janeiro de 2023, ainda com a missão de apresentar boas histórias, diversidade e, sempre, informação de qualidade.
Boas festas e até já!
🔸 Dez petistas, seis mulheres, quatro negros e um indígena. Assim o Congresso em Foco resume o perfil dos 21 ministros anunciados pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até agora. Ontem, em entrevista coletiva à imprensa, o petista anunciou 16 futuros ministros (cinco já haviam sido divulgados no dia 8 de dezembro). Faltam ainda outros 16 nomes. “É mais difícil montar um governo do que ganhar as eleições”, brincou, ao comentar as escolhas. Lula vem sendo cobrado por diversidade, mas o anúncio de ontem não resolveu a questão. A reportagem mostra, em gráficos, que, no recorte de gênero, por exemplo, o desenho é ruim: são 15 homens e apenas seis mulheres até o momento.
🔸 E quem são elas, as seis ministras de Lula? À frente da Saúde, estará Nísia Trindade, socióloga e servidora da Fundação Oswaldo Cruz desde 1987, presidente da instituição desde 2017. A pasta da Ciência e Tecnologia será ocupada por Luciana Santos, deputada federal entre 2010 e 2018, engenheira e primeira mulher a exercer o cargo de vice-governadora de Pernambuco. O Metrópoles apresenta uma a uma as futuras ministras.
🔸 Entre elas, está Anielle Franco. Negra, nascida no Complexo da Maré, que abrange 16 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro, a educadora será ministra da Igualdade Racial. Ela é irmã de Marielle Franco, vereadora brutalmente assassinada no Rio de Janeiro em março de 2018. O Notícia Preta destaca sua afirmação de que a pasta não será isolada: “Vamos trabalhar com todos os ministérios para recuperar o retrocesso que foi feito nos últimos anos no Brasil e para avançar de uma forma urgente, necessária e inédita na garantia de direitos e dignidades para o nosso povo”. Outra forte referência do movimento negro escolhido para um ministério foi Silvio Almeida. Advogado, ex-professor das universidades de Columbia e Duke, nos Estados Unidos, ele estará à frente dos Direitos Humanos no novo governo.
🔸 E Simone Tebet? A ausência de seu nome entre os ministros anunciados ontem gerou intensa repercussão em Brasília. A CartaCapital apurou que o nome dela deve vir na próxima lista e que o martelo deve ser batido ainda hoje. A senadora do MDB que apoiou Lula no segundo turno deve ocupar o Meio Ambiente ou o Planejamento, como teria dito Lula a emedebistas. Na hipótese de Tebet chefiar o Meio Ambiente, aliados de Lula defendem que Marina Silva (Rede-SP) vá para o cargo de Autoridade Climática, com status de ministério. Segundo a reportagem, o desafio, porém, será convencê-la disso.
🔸 O Ministério da Justiça, sob comando de Flávio Dino (PSB), terá uma ativista negra para coordenar o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado em 2007 e hoje inativo. Tamires Sampaio, de 30 anos, é moradora de Guaianases, bairro da periferia leste da cidade de São Paulo, é coordenadora da Frente Nacional Antirracista e tem agora a missão de liderar o trabalho para reduzir os índices de criminalidade nas regiões metropolitanas mais violentas do Brasil. Em entrevista à Ponte, ela afirma que o principal desafio do posto, após quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL), é construir uma noção da segurança pública não baseada em repressão e violência, mas “a partir da garantia de direitos da população, do acesso à saúde, educação cultura, moradia, geração de emprego, discussão de renda”.
📮 Outras histórias
“Meu sonho sempre foi cantar, mas Deus achou melhor trocar este sonho. Em 1998, um amigo me chamou para apitar uma pelada. Eu fui e me apaixonei pelo futebol.” A paixão de Glaucio Aleixo, hoje aos 45 anos, desaguou no projeto social Rogi Mirim, que existe há 25 anos no Complexo da Maré, sem patrocínio ou apoios financeiros. O Maré de Notícias descreve os esforços dele para manter os treinos de segunda à sexta, durante o dia, no Campo da Toca, na Vila dos Pinheiros, com crianças e jovens. Glaucio é entregador de refeições por aplicativo. Foi a forma que encontrou para conciliar o próprio sustento com a manutenção do projeto que trabalha a inclusão social por meio do esporte.
O perfil dos catadores de recicláveis no Brasil: mais de 76% são negros, e a maioria é de mulheres em quase todo o país, exceto na região Nordeste, onde elas correspondem a 48% dos catadores. A maioria não concluiu o ensino médio. O Nexo organiza em gráficos os dados de um levantamento sobre o perfil dos catadores e das cooperativas de reciclagem no país feito em 2020. Mais de 650 organizações cadastradas pela Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) responderam à pesquisa.
📌 Investigação
Dificilmente uma pessoa saberá se está vestindo uma roupa feita com mão de obra do trabalho escravo. Isso porque 38 das 60 grandes marcas da moda analisadas pelo Índice de Transparência da Moda Brasil 2022 não informam a origem da matéria-prima, quem produziu as peças e outros dados de rastreabilidade. A Repórter Brasil lembra que algumas delas já possuem histórico de ter trabalhadores em condições análogas à escravidão. É o caso da Animale: em 2017, dez bolivianos foram encontrados em três oficinas em São Paulo em condições precárias, com turnos de mais de 12 horas e ganhando, em média, R$ 5 para costurar peças da marca e de outra linha do Grupo Soma.
🍂 Meio ambiente
Em busca de participação na agenda ambiental do governo Lula, banqueiros e gestores de instituições estrangeiras defendem que o presidente eleito trabalhe em um tipo de emissão de dívida “verde”. A ação, porém, pode demorar, porque o Tesouro ainda está elaborando um framework (estruturas de códigos que permitem o desenvolvimento de sistemas e aplicações), necessário para esse tipo de operação por traçar parâmetros ambientais e sociais a serem seguidos. O Reset explica como funciona a proposta de títulos “sustainability-linked bond” (SLBs).
Berço das águas brasileiras, o Cerrado vive a expansão das fronteiras da soja. Como resultado, está o aumento do desmatamento e da grilagem de terras. Tais problemas, no entanto, são apenas parte do processo: por trás dos títulos de propriedades, vem a especulação imobiliária e a alta do preço da terra agrícola, que passa a funcionar como ativo financeiro. O modus operandi da região do Matopiba – nome dado à área que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – é explicado no livro “Direitos Humanos no Brasil 2022”, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, cujo capítulo foi publicado pelo Le Monde Diplomatique Brasil.
📙 Cultura
Estudantes que estagiam em museus e galerias de arte da Prefeitura do Recife, em Pernambuco, veem o sonho de trabalhar no setor cultural se tornar um pesadelo com as condições precárias de trabalho. São salários defasados, que às vezes atrasam, jornadas maiores do que prevê o estágio e falta de material e de supervisão para as atividades. “É algo que mexe muito com o meu emocional, mexe muito com a minha criatividade. Mexe com tudo. Porque não dá para pagar alimentação, ou transporte, ou pagar as contas. É sufocante demais”, relata estagiária de Artes Visuais ao Marco Zero.
Cruzando pesquisas nos dicionários de línguas de povos da África Meridional que foram trazidos ao Brasil, é possível compreender que o termo “banzo” está relacionado à “aldeia” ou “moradia” e ligado ao sentimento de tristeza em relação à terra natal e de sofrimento pela privação de liberdade imposta pela escravidão. Em artigo no Desenrola E Não Me Enrola, a pesquisadora Agnes Roldan se debruça nas ressignificações desse sentimento e seu resgate ancestral por meio da interpretação de artistas e dialoga com a exposição “O Banzo, O Amor e a Cozinha de Casa", de Sidney Amaral, que esteve no Museu Afro Brasil em 2015.
🎧 Podcast
O peru levou anos como o protagonista da ceia de Natal. No Brasil, ele era famoso como “peru da Sadia”, um sucesso de vendas da marca que levou a concorrência a “criar” uma nova ave – o chester. Concorrente da Sadia entre as décadas de 70 e 80, a Perdigão o concebeu para disputar a principal refeição da data comemorativa. No episódio “Avis rara”, do podcast “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, o jornalista Vitor Hugo Brandalise narra a história do chester, com a qual ele tem uma relação, digamos, muito próxima. Sua família está no centro da criação da ave que pousou de modo misterioso na mesa dos brasileiros.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Para quilombolas do Paraná, o desafio já começa ao nascer. Com isolamento, partos improvisados e conflitos territoriais, mulheres das comunidades já cobram medidas para acompanhamento e cuidado na gestação e na infância das crianças há décadas. No Quilombo Rio Verde, não nasce alguém faz pelo menos dez anos, com o desaparecimento do ofício de doulas e parteiras na região. O Portal Lunetas conta as dificuldades que gestantes têm para ter acesso ao serviço de saúde no interior paranaense.