A militarização do governo de SP e a última reportagem de Dom Phillips
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
Bom dia, pessoal!
Hoje é o primeiro dia do Festival 3i 2025, um dos maiores eventos de jornalismo da América Latina. Produzido pela Ajor, o evento reúne jornalistas, pesquisadores, professores, estudantes e muitas associadas que vocês costumam ler aqui na Brasis. O festival segue até domingo, e a gente faz uma pausa para se concentrar nesse encontro. Voltamos a circular normalmente na terça-feira.
Bom fim de semana e até já!
🔸 O ministro André Mendonça votou pela manutenção do artigo 19 do Marco Civil da Internet, defendendo que plataformas digitais só podem ser responsabilizadas civilmente se descumprirem ordem judicial para remover conteúdo. Ele diverge de Dias Toffoli e Luiz Fux, que defenderam a responsabilização das plataformas já a partir da notificação extrajudicial. O Jota explica que, por mais que o voto tenha algumas similaridades com a posição do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, Mendonça trouxe novos elementos ao colocar a liberdade de expressão e o livre mercado como pontos cruciais. Um ponto inédito trazido por Mendonça diz respeito à suspensão de perfis nas redes sociais: para ele, “a supressão de perfis caracteriza hipótese de censura prévia”. Ele propõe que a responsabilização recaia sobre o autor do conteúdo, e não sobre a plataforma, desde que esta identifique corretamente o usuário.
🔸 O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) nomeou ao menos 14 militares que atuaram na gestão Bolsonaro para cargos estratégicos no governo paulista. A Agência Pública revela que parte deles é formada por colegas de turma da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), e alguns já ocuparam postos de destaque em áreas sensíveis do governo federal. O perfil do grupo é mais discreto que o que se viu no governo Bolsonaro, mas especialistas afirmam que a militarização segue firme, ainda que sob aparência “light”. “Tarcísio quer parecer um militar mais civilizado, mas ele é responsável pela militarização da política em São Paulo. Não só porque tem uma política de cumplicidade com a violência da Polícia Militar, mas também porque chama militares para o governo”, afirma João Roberto Martins Filho, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos.
🔸 A propósito: em abril, a letalidade policial em São Paulo aumentou 62% em relação ao mesmo mês de 2024, mesmo sem operações letais em andamento. O caso do senegalês Ngange Mbaye, morto por um policial militar ao tentar impedir a apreensão de suas mercadorias na 25 de Março, ilustra o cenário. O policial que atirou segue afastado, e os inquéritos permanecem inconclusos. A Ponte detalha os números de 2025: em abril, todos os mortos eram homens, incluindo um adolescente de 14 anos. Nos primeiros quatro meses do ano, foram 233 mortos, queda de 11% sobre 2024, mas 66% acima dos números de 2022, antes do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). A pesquisadora Malu Pinheiro, do Instituto Sou da Paz, critica o abandono de políticas como o programa Olho Vivo, que mostrava resultados concretos na redução da letalidade policial. “Uma polícia mais letal é uma polícia descontrolada”, diz.
🔸 O Ministério Público Federal pediu a anulação do contrato de venda de créditos de carbono firmado pelo governo do Pará com uma coalizão internacional. Segundo o MPF, o acordo viola a legislação nacional por configurar venda antecipada de créditos, sem consulta prévia, livre e informada a povos e comunidades tradicionais. A revista Cenarium conta que há preocupação de que o governo estadual esteja acelerando a aprovação do sistema de carbono antes da COP30, o que tem gerado pressão indevida sobre comunidades indígenas e tradicionais. A ação se baseia em um roteiro do MPF que alerta para riscos de fraudes, grilagem de carbono e falta de transparência, exigindo atuação preventiva em defesa dos direitos socioambientais dessas populações.
📮 Outras histórias
“A superação é muito mais do que romantizar minha história. Eu sei que sou uma só. Mas quero encontrar outras pessoas que me ouçam e que eu possa ouvi-los também”, diz Alessandra Reis, 39 anos, artista e educadora que há 17 anos atua na Cohab Taipas, periferia da zona norte de São Paulo. A Agência Mural mostra as muitas habilidades de Alessandra, que, além de professora de dança e estudante de educação física, trabalha como massoterapeuta e se vale de saberes ancestrais aprendidos com a avó e a bisavó para produzir óleos medicinais. Sobre as aulas de maracatu para crianças e adolescentes, ela afirma: “Sei o que estou plantando. Quero que a galera do bairro aqui de Taipas conheça o carnaval e o maracatu por inteiro: teoria, ritmo, dança, cortejo, customização.”
📌 Investigação
Embora o scanner corporal permita a visualização de objetos escondidos, presídios brasileiros ainda praticam revistas consideradas vexatórias. Atualmente, há apenas 765 scanners corporais distribuídos em todas as 1.386 unidades do país, e somente nove estados e o Distrito Federal proíbem as revistas íntimas. Segundo a Gênero e Número, essa prática atinge sobretudo mulheres (92%) e pessoas negras (70%). Na Penitenciária Professor José de Ribamar Leite, no Piauí, quando o equipamento de escaneamento vai para a manutenção, a pessoa visitante é obrigada a se desnudar. Apesar de ilegal, Tânia Maria (nome fictício) relatou precisar mostrar partes íntimas para entrar na unidade: “A gente não tira a roupa toda, tira a calça e a calcinha até o joelho”.
🍂 Meio ambiente
Ontem foi celebrado o Dia Mundial do Meio Ambiente, a data marca também os três anos do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari, no Amazonas. Em artigo na Repórter Brasil, Daniel Camargos, jornalista e colega de trabalho de Dom, resgata sua última reportagem – cadernos, áudios, entrevistas, roteiros e esboços. Os materiais compunham um livro inacabado e agora publicado “Como Salvar a Amazônia – Uma Busca Mortal por Respostas”. A obra foi concluída por jornalistas como Eliane Brum e Jon Lee Anderson. “Dom traça o retrato de uma engrenagem. A grilagem opera com o aval de cartórios e o incentivo de políticos, sobretudo daqueles que integram a bancada ruralista. Os frigoríficos seguem comprando de áreas embargadas pelos órgãos ambientais e triangulando bois por fazendas de fachada. Os invasores armados avançam sobre territórios indígenas. Os dados se repetem, mas os nomes, nem sempre. O foco está menos em vilões individuais e mais em processos padronizados.”
📙 Cultura
“Não posso separar a literatura do exílio. Não porque nasci nessa condição, porque ser exilado, para mim, é uma das situações mais importantes para o artista”, diz o poeta sírio-palestino Ghayath Almadhoun, publicado pela primeira vez no Brasil recentemente, com o livro “Você Deu em Pagamento O Meu País”. A obra reúne 31 poemas sobre guerra, exílio e pertencimento. O escritor nasceu no campo de refugiados de Yarmuk, em Damasco, em 1979, porque sua família paterna foi expulsa de Ashkelon em 1948, por Israel. À Quatro Cinco Um Almadhoun fala sobre sua condição de exilado – fisica e existencialmente – e sobre o colonialismo. “Pois se é deveras uma catástrofe imperdoável o que aconteceu com os judeus nas mãos do Partido Nazista e seus colaboradores europeus, o que tantos palestinos perguntam é: por que tivemos que pagar por essa dívida nós, os palestinos, com nossa terra? Por que não se fundou o Estado de Israel com um pedaço da Alemanha? É claro que muitas questões geopolíticas estão envolvidas. Mas a pergunta é legítima.”
🎧 Podcast
“Comecei muito surpresa de que os jesuítas cruzaram com vários indígenas centenários, com os quais conversaram e extraíram depoimentos”, afirma a historiadora Mary Del Priore. Especialista em história social do Brasil, ela lançou recentemente o livro “Uma História da Velhice no Brasil”, que aborda a percepção do que se entende por envelhecimento em paralelo com os próprios processos históricos do país. No “Diálogos com a Inteligência”, produção do Canal Meio, Del Priore fala sobre a obra, desde a longevidade de povos indígenas e escravizados no período colonial até o conceito de aposentadoria no século 20, além da mudança de perspectiva em relação à velhice na medicina, na sociedade e na literatura.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Para democratizar a leitura e o acesso à cultura, projetos independentes atuam nas periferias e no interior do país. É o caso do Bi Bi Móvel, uma biblioteca itinerante coordenada pela Amora Produções Culturais e financiado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura. O Nonada conta que o projeto circula pela periferia de Campinas (SP) e nasceu para aproximar escolas e comunidades do ambiente literário a partir da entrega de livros – selecionados a partir da lista do clube dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da ONU – nos locais visitados e também com contação de histórias, oficinas ministradas para estudantes e professores. “A gente pensou em formas de promover experiências de literatura. É mais do que entregar um livro, é como eles poderiam estar de fato imersos nesse universo da literatura e sendo instigados para para ler e consumir livros”, afirma a produtora cultural Luciana Tondo, cofundadora da Amora e uma das idealizadoras da iniciativa.