Os militares no governo Lula e uma mina de urânio no Ceará
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Se temiam ser freados no governo Lula, os militares terminam o ano prestigiados. “O Brasil viveu 30 anos de regime democrático sem discutir devidamente o papel dos militares na vida pública. Com o governo Bolsonaro, o assunto entrou para a pauta do dia. A eleição de Lula abriu uma brecha para que, finalmente, voltássemos a falar de responsabilização e punição dos militares envolvidos em crimes e ameaças de golpe. (...) Lula, no entanto, fez o que faz melhor: apaziguou.” Na revista piauí, Lucas Pedretti analisa a postura contraditória do presidente desde sua promessa, no início do mandato, de não usar decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) – o que fez em seguida, ao autorizar a atuação militar em São Paulo e Rio de Janeiro. O historiador e sociólogo lembra ainda que, apesar da cobrança por responsabilização militar depois de 8 de janeiro, Lula escolheu um ministro da Defesa (José Múcio) alinhado aos militares – uma postura conciliatória, e não reformista.
🔸 O primeiro ano do governo foi marcado também pela proximidade com as grandes corporações. Ambev e Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), por exemplo, são “parceiras” do Ministério do Desenvolvimento Social no combate à fome. A JBS é tida como estratégica para o crescimento da economia. “Seria possível passar dias listando exemplos de uma visão ingênua ou alheia do governo Lula a respeito de corporações. As grandes empresas são o maior problema do século 21”, escreve João Peres, em artigo n’O Joio e o Trigo. Ele defende: “Sem enfrentar corporações, não se enfrenta nada. Nem mesmo a fome, que foi a grande promessa da campanha eleitoral e que foi reiterada por Lula como centro de seu mandato”.
🔸 Marina Silva foi uma das dez pessoas mais importantes para a ciência em 2023, segundo a Nature. A revista científica creditou à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima a queda do desmatamento na Amazônia e a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. O Eco lista os nomes que figuram ao lado da brasileira no ranking da Nature e lembra que, no mês passado, ela foi apontada pelo Financial Times como uma das 25 mulheres mais influentes de 2023.
🔸 O STF decide neste mês a regulamentação da licença-paternidade. Em novembro, oito dos nove votos dos ministros da Corte foram favoráveis a uma equiparação das licenças de homens e mulheres. O sinal é positivo, mas caberá ao Congresso decidir as regras. O Portal Lunetas narra os esforços para que a pauta finalmente avance e reúne dados sobre os impactos da equiparação – hoje, o tempo previsto para a licença dos pais é de cinco dias. Para a advogada Ana Carolina Caputo Bastos, que foi ao Supremo Tribunal Federal falar sobre o tema, equiparar as licenças é tanto uma forma de garantir saúde mental e física aos cuidadores quanto de proteger os direitos das mulheres no mercado de trabalho.
🔸 As casas da Maré já estão enfeitadas para o Natal, e o último dia de aula foi de festa em muitas escolas da favela na zona norte do Rio de Janeiro. Mas não em todas. Na última sexta, mais uma vez, a vida de milhares de moradores foi atravessada por uma operação policial. Foi a 29ª neste ano e, de novo, muitos policiais atuaram sem câmeras e não havia ambulância para socorro a possíveis vítimas. “Neste ano foram 27 dias sem aulas na Maré. Em que outra parte da cidade, estado ou país isso poderia ser naturalizado como efeito de uma política pública?”, diz editorial do Maré de Notícias. “O cansaço quase faz confundir o sentimento das pessoas que moram na Maré. Não é sobre naturalizar ou acostumar-se com situações de violência. Porém, até mesmo a barbárie no cotidiano passa a não ser surpresa.”
📮 Outras histórias
Aluno do Ballet Manguinhos há seis meses, José Victor Santos da Costa tem 10 anos e foi aprovado para a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em Joinville (SC). Ele estudou durante apenas seis meses na escola de balé da comunidade, na zona norte do Rio, e foi aprovado com bolsa de estudos na única filial do Bolshoi no mundo. “Tô um pouco triste porque não tem como ir a nossa família toda; só vai eu e meu pai. Mas eu quero muito ir e me tornar um bailarino profissional”, diz o pequeno bailarino. O Voz das Comunidades mostra como ajudar a família de José Victor, que vem organizando rifas e “vaquinha” virtual.
📌 Investigação
“Nosso medo é que Santa Quitéria seja a nova Caetité”, afirma a agricultora Liduina de Almeida Paiva. “Lá é a riqueza do urânio de um lado, e a pobreza da população do outro”, completa. Liduina vive em uma das 156 comunidades que podem ser afetadas pelo Consórcio Santa Quitéria, formado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil e pela empresa Galvani, no município de Santa Quitéria, no sertão do Ceará. A Repórter Brasil conta como os moradores da região têm lutado contra o empreendimento, que pretende explorar fosfato e urânio, e temem os efeitos da radiação e escassez de água por causa da mineração.
🍂 Meio ambiente
“Existe um perfil econômico-racial, existe um rosto para o desastre das mudanças climáticas do Brasil e do mundo, e esse perfil não tá no centro de tomada de decisão”, afirma a pesquisadora Hosana Gomes da Silva, que estuda os impactos das mudanças climáticas na população negra. Segundo o Notícia Preta, ela está entre os três representantes brasileiros no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, que acontecerá entre os dias 14 e 19 de janeiro.
A propósito: a Rede Vozes Negras pelo Clima reúne 11 mulheres ambientalistas negras de oito estados brasileiros e foi à COP28, em Dubai. Elas denunciam o racismo climático – pessoas negras e mulheres são as mais afetadas por desastres relacionados à mudança do clima. A revista AzMina detalha a atuação do grupo e suas propostas de soluções baseadas em ações antirracistas e decoloniais.
📙 Cultura
Biografia de Elza Soares para crianças, “Elza: a Voz do Milênio”, de Nina Rizzi, ilustrado por Edson Ikê, narra a história da genialidade e pioneirismo da artista, ícone na arte e na política. Na Quatro Cinco Um, a cantora Karina Buhr resenha a obra e destaca a abordagem das tantas violências racistas e de gênero sofridas por Elza. “São o que são e estão ali gravados, para que não reste dúvida, nem se esqueça. Elza carregava essas cicatrizes no seu discurso, mas a música, a força, a beleza da vida de uma artista dessa grandeza predominam e explodem por todos os lados, como deve ser”, escreve.
Em áudio: patrimônio cultural brasileiro, o samba é uma resistência ancestral de raízes africanas presente nas periferias de todo o país. O Manda Notícias recebe os sambistas Jardel Oliveira e Marcio Bhering, que carregam essa cultura pelas ruas da zona sul de São Paulo, para compartilhar o papel do samba nesse território e suas experiências na participação de diversas iniciativas na capital paulista, além de contar um pouco sobre a própria história desse movimento cultural.
🎧 Podcast
Contra o modelo capitalista, as ativistas do movimento negro promovem a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e Pelo Bem Viver, nome que é usado desde 2015. A ideia de “bem viver” traz o equilíbrio entre humanidade e natureza com base nos conhecimentos ancestrais. O “Papo Preto”, produção da Alma Preta, conversa com Juliana Gonçalves, pesquisadora e mestre em Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo, autora da tese “O Bem Viver em Narrativas de Mulheres Negras”. Juliana explica como o conceito está atrelado aos povos originários da América Latina e seu impacto também na luta de mulheres negras.
✊🏽 Direitos humanos
Afastada dos grandes centros, a população LGBTQIA+ nos presídios da Zona da Mata pernambucana é ainda mais vulnerável às violências. É o que revela relatório da organização não-governamental GTP+ Prevenção e Cidadania publicado na semana passada. Foram entrevistadas 12 pessoas autodeclaradas LGBTQIA+ nos presídio de Itaquitinga, Vitória de Santo Antão e Rorinildo da Rocha Leão – este último localizado em Palmares. A Marco Zero destaca que, apesar de a amostra ser pequena, os dados se revelaram alarmantes: 75% afirmou ter sofrido violência, sendo 55,6% dos casos de natureza física e sexual.