A realidade de meninas mães no país e as indígenas guardiãs de plantas
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 O presidente dos EUA, Donald Trump, classificou o Brasil como “um parceiro comercial horrível” como forma de justificar a tarifa de 50% que impôs a produtos brasileiros. Segundo ele, o país cobra impostos muito superiores aos aplicados pelos EUA e, antes de seu tarifaço, Washington praticamente não impunha taxas ao Brasil. O Metrópoles informa ainda que, durante entrevista coletiva na Casa Branca, Trump voltou a defender Jair Bolsonaro (PL). O republicano chamou de “homem honesto” o ex-presidente, que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. Segundo a Procuradoria-Geral da República, Bolsonaro liderou uma organização criminosa armada voltada a desacreditar o sistema eleitoral, incitar ataques a instituições democráticas e articular medidas de exceção.
🔸 “O Brasil não vai andar de joelhos para o governo americano”, rebateu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Ele [Trump] resolveu contar algumas mentiras sobre o Brasil, e nós estamos desmentindo. Ele disse que tinha prejuízo no comércio com o Brasil, ele só tem lucro”, completou. O Terra mostra que, de fato, a balança comercial é positiva para o país de Trump: só no primeiro semestre de 2025, os EUA tiveram superávit de US$ 1,7 bilhão no comércio com o Brasil, valor 500% superior ao registrado no mesmo período, em 2024.
🔸 A mais nova ofensiva dos EUA contra o Brasil reacendeu mentiras sobre o Mais Médicos. Com a revogação dos vistos de brasileiros ligados ao programa, voltaram a circular nas redes sociais alegações falsas que acompanham a iniciativa desde sua origem, em 2013. O Aos Fatos explica o que é verdade e o que é desinformação. É falso, por exemplo, que médicos cubanos não tinham diploma ou não podiam trazer familiares – a lei que criou o programa exige comprovação de formação e permite a vinda de dependentes com direito a trabalho no Brasil. Também é falso que exista uma preferência aos cubanos: desde sua criação, o programa dá prioridade aos brasileiros nos editais e, só depois, estrangeiros sem revalidação, como os cubanos, podem concorrer.
🔸 Outro tema da semana, a “adultização” virou pauta na Câmara – mas com um limite claro indicado pelo Centrão: parlamentares não estão dispostos a ampliar o debate para discutir a regulamentação das redes sociais. A “adultização” chegou à Casa Legislativa depois de um vídeo do influenciador Felca denunciar a exploração de crianças e adolescentes na internet. Mais de 30 projetos de lei sobre o assunto foram apresentados em apenas um dia. A CartaCapital apurou que a estratégia do Centrão é contornar a pauta à proteção infantil, endurecer penas para aliciadores, mas sem avançar sobre outras modalidades de crimes virtuais ou retomar a agenda mais ampla de regulação das big techs. Por ora, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou uma proposta que aumenta penas para aliciamento de menores pela internet, e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), prometeu prioridade a textos como o PL 2.628/2022, que prevê mecanismos de controle parental, filtros de conteúdo e proteção de dados.
🔸 Esse projeto, aliás, passou pelas mãos de um lobista da Meta no Brasil. Ele incluiu no texto duas emendas que afrouxam o projeto de lei para proteger crianças e adolescentes na internet. O Intercept Brasil conta que Marconi Borges Machado, executivo que ocupa desde 2017 o cargo de gerente de políticas públicas na Meta, criou diretamente as emendas: uma tentou livrar as grandes plataformas da obrigação de disponibilizar relatórios sobre moderação de conteúdo; a outra sugeriu excluir a possibilidade de aplicar multas e sanções criminais às plataformas. Embora tenham sido rejeitadas pelo relator, o texto final acabou livrando as empresas da “exigência de consolidação estatística e envio semestral de relatórios de moderação e denúncias”. O PL, aprovado no Senado em 2024, chegou à Câmara sob forte lobby de empresas como Meta e Google e da extrema direita, que atuaram para retirar o “dever de cuidado” das plataformas, transferindo a responsabilidade para usuários e famílias.
📮 Outras histórias
O lutador de jiu-jitsu Valtonei Pitti, 48 anos, é mais conhecido como Pitti Gladiador. Diagnosticado com glaucoma na infância, perdeu completamente a visão aos 20 anos. “Eu era músico, e isso foi um baque muito grande, muito triste. Como resultado, larguei a música e fiquei sedentário em casa. Mas a médica me disse que tinha duas notícias para me dar: a primeira é que eu não iria mais voltar a enxergar devido à situação do glaucoma. Mas a segunda notícia era que eu não estava morto!”, conta o morador do Acupe de Brotas, em Salvador. A Entre Becos narra a história do lutador, que porta mais de 300 medalhas conquistadas em competições nacionais e internacionais ao longo de 20 anos de carreira. Hoje, ele lidera o projeto social Gladiadores do Futuro e ensina jiu-jitsu para mais de 30 alunos em comunidades periféricas de Salvador.
📌 Investigação
Cerca de 205 mil meninas de 10 a 14 anos se tornaram mães no Brasil entre 2014 e 2023, muitas delas vítimas de violência sexual. Apesar do direito ao aborto legal em casos de estupro, a distância até os serviços de saúde é um obstáculo significativo. Por meio do projeto Meninas Mães, a revista AzMina revela as barreiras de acesso ao aborto legal que fazem com que meninas de até 14 anos percam suas infâncias parindo outras crianças. Em regiões como a Amazônia Legal, o acesso pode ultrapassar 2.500 km, exigindo deslocamentos complexos e com alto custo financeiro. Em Assis Brasil (AC), uma das cidades com maior taxa de fecundidade infantil, a falta de políticas públicas eficazes impacta diretamente a juventude, especialmente as meninas. “Não sabemos o que acontece com elas depois do parto. Quem fica com essa criança? Quem cuida das meninas? Qual a taxa de mortalidade destes bebês no primeiro ano? É maior ou menor do que as de mães de outras idades?”, questiona Lígia Cardieri, socióloga especialista em saúde coletiva e epidemiologia, integrante da Rede Feminista de Saúde.
🍂 Meio ambiente
A energia solar cresceu 43 vezes em oito anos e chega a ocupar 35,3 mil hectares no país, área superior a 43 mil campos de futebol. Segundo o MapBiomas, metade dessa área foi ocupada nos últimos dois anos. Pela primeira vez, a edição anual de mapas de cobertura e uso da terra incluiu a catalogação de usinas fotovoltaicas de médio e grande porte. A Repórter Brasil mostra que quase 62% da área ocupada por usinas fotovoltaicas está na Caatinga e 32% no Cerrado. “Até 1985, ao longo de quase cinco séculos de expansão agrícola, o Brasil converteu 60% de toda a área hoje ocupada por agropecuária, mineração, cidades e infraestrutura. Os 40% restantes dessa conversão ocorreram em apenas quatro décadas”, alerta Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. O avanço da energia solar, embora importante para a transição energética, também levanta preocupações sobre o uso de territórios naturais sensíveis e expõe tensões entre desenvolvimento renovável e conservação ambiental.
📙 Cultura
Fãs de Raul Seixas acusam o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, de boicotar o maior evento do país dedicado ao artista, realizado ano após ano desde o velório do cantor, em 1989. Programado para 21 de agosto, o encontro começa com uma procissão em frente ao Theatro Municipal e vai até a Praça da Sé, onde há sempre um palco com bandas e artistas em tributo a Raul. Em 2007, o vereador Carlos Giannazi (PSOL-SP) criou uma lei municipal que institui o dia “Para Sempre Raulzito” exatamente em 21 de agosto. Segundo o Farofafá, neste ano, a emenda para a comemoração (de R$150 mil) está retida pela prefeitura desde junho, sem justificativa oficial. Gabriela Mousse, organizadora do palco, afirma que se trata de “briga política”. “Mas nós não temos partido, não somos partidários de ninguém”, completa. A situação é vista como parte de um movimento mais amplo de retaliação política que afeta outros eventos culturais na cidade, como a Flipei, festa literária das editoras independentes.
🎧 Podcast
Embora os principais retrocessos tenham sido barrados do PL da Devastação, a nova legislação ainda permite a criação de Licenças Ambientais Especiais, suscetíveis a pressões políticas. A sanção presidencial restringiu 63 dos quase 400 trechos do projeto de lei. Agora, esses vetos voltam para votação no Congresso, e deputados ruralistas já ameaçam retomar os pontos mais devastadores. O “Bom Dia, Fim do Mundo”, produção da Agência Pública, analisa esse processo e aborda também a disputa por terras raras, minerais estratégicos que podem ser utilizados pelo Brasil para negociar com os EUA frente ao tarifaço de Trump. Entre 2015 e 2023, a demanda por terras raras dobrou – e a previsão é que volte a dobrar nos próximos cinco anos.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Saberes medicinais e tradições estão sob ameaça com as mudanças climáticas e o avanço do desmatamento na Caatinga. A Gênero e Número visitou comunidades de três territórios indígenas em Pernambuco, onde pajés, raizeiras e guardiãs de sementes enfrentam a escassez de plantas usadas em rituais de cura e preparos tradicionais. Assim, práticas seculares fundamentais aos povos indígenas estão em risco. Na comunidade Kambiwá, o solo ao redor da única raizeira local não recebe chuva há longos períodos, e alcançar a mata virgem, de onde se colhem as ervas sagradas, virou uma caminhada difícil e desgastante. Em Inajá, os moradores reclamam que os períodos de estiagem e o avanço do desmatamento já tornaram raras muitas plantas essenciais. “Muita gente entra na mata, sem autorização, e derruba a imburana e a jurema para fazer imagens de santos. A gente até já denunciou na Funai”, conta Anayliô Tuxá, a primeira pajé mulher da aldeia Tuxá, responsável por auxiliar na espiritualidade e nos cuidados com a saúde dos membros da etnia.