Os memes nas redes sociais do governo e o impacto das usinas solares
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🔸 Vira-lata caramelo, vídeos de gatos e memes estão na estratégia das redes sociais do governo para alcançar engajamento, depois de dois anos de presença digital protocolar e apática. O ponto de virada da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) foi a crise do PIX no início do ano, quando uma portaria da Receita Federal ampliando a fiscalização sobre transações financeiras se tornou alvo de desinformação. A medida foi revogada em duas semanas e, em seguida, o publicitário Sidônio Palmeira assumiu o comando da Secom. O Núcleo destrincha a estratégia e ouve especialistas sobre a virada nas redes do governo federal, que passaram a adotar formatos mais ágeis e linguagem direta para desmentir notícias falsas e conquistar espaço num ambiente de narrativas impulsionadas pela extrema direita. Para o professor Marcos José Zablonsky, das áreas de opinião pública e comunicação, o sucesso da mudança se baseia em três aspectos: autenticidade, timing e relevância. Natália Mendonça, professora de Marketing Político da ESPM, destaca que os perfis oficiais têm uma função pública, e não comercial. “O que importa não é apenas gerar curtidas, mas garantir que a informação seja compreendida e absorvida.”
🔸 A menos de um ano da eleição presidencial de 2026, o Congresso quer limitar o poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no combate à desinformação. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, parlamentares buscam avançar com o Projeto de Lei Complementar 13/2024, de autoria dos deputados federais Marcel van Hattem (Novo-RS) e Gilson Marques (Novo-SC). A Lupa explica que eles querem retirar do TSE a competência de editar resoluções eleitorais, inclusive contra a desinformação. Apesar de alegar que o tribunal tem “cometido excessos que usurpam as competências legiferantes do Congresso Nacional”, o texto é vago e não define quem ficaria responsável por gerir as normas eleitorais. A análise da proposta foi interrompida na semana passada por um pedido de vista de parlamentares do PT, PSOL e PDT. O TSE defende agir diante de novas tecnologias: em 2024, proibiu deepfakes, exigiu rótulo de IA e apresentou 679 decisões sobre desinformação. Em tempo: a principal razão para a atuação do tribunal é a ausência de legislação específica aprovada pelo Congresso.
🔸 Sob forte vulnerabilidade econômica, 60% das empreendedoras negras na região metropolitana de São Paulo vivem com até um salário mínimo obtido do próprio negócio e apenas 5% ultrapassam quatro salários mínimos. É o que revela levantamento do Instituto Locomotiva, que contabilizou 473,4 mil empreendedoras negras na região. A Alma Preta detalha a pesquisa e destaca o contraste racial e de gênero: entre mulheres brancas, 33% estão na base da pirâmide de renda (com até um salário mínimo) e 16% acima de quatro salários; entre homens brancos, apenas 22% recebem até um salário mínimo. A estrutura dos empreendimentos também é frágil: oito em cada dez empreendedoras negras trabalham sozinhas, 13% contam com ajuda e só 9% têm empregados formais. “Estamos diante de uma realidade que escancara como raça e gênero continuam determinando as oportunidades no Brasil”, afirma Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
🔸 A propósito: “Mulheres negras, que historicamente sustentam este país com seu trabalho, foram sistematicamente excluídas das discussões sobre política econômica”, afirma a jornalista Andressa Franco, em artigo na Revista Afirmativa, que, em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), lança o “Guia Desigualdade no Bolso – Justiça Fiscal para Mulheres Brasileiras”. O material mostra como a tributação sobre consumo pesa proporcionalmente mais sobre quem tem menos, especialmente mulheres negras, maioria do país e grandes consumidoras de itens altamente tributados, mas pouco alcançadas por serviços públicos. O guia traz entrevistas com personagens de nomes fictícios: Margarida, costureira de 67 anos, Sônia, trabalhadora doméstica de 45 anos, Fátima, de 57 anos, pedagoga e professora de reforço escolar, e Luana, jovem de 27 anos formada em gestão cultural, que trabalha como vendedora no comércio.
📮 Outras histórias
Prática comum em muitas favelas brasileiras, a venda porta a porta fez a vida de Maria do Socorro, 50 anos, na Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro. Ao longo de 15 anos, ela percorreu as ruas da comunidade vendendo roupas e perfumes. Chegou a fazer R$ 10 mil por semana e acumulou mais de 3 mil clientes. Com o que ganhou, comprou casa e moto. Hoje, hoje ela tem um bar, mas ainda pensa em voltar ao comércio porta a porta. “Eu gosto do público, gosto de andar. A Rocinha é um lugar maravilhoso para ganhar dinheiro. Quem quer trabalhar, trabalha”, afirma. A partir da história da comerciante, o Fala Roça mostra a importância desse mercado nas favelas. Segundo a economista Mara Rubia Domingues, o porta a porta, sobretudo com parcelamento, é comum nas comunidades por facilitar o acesso ao consumo de quem não tem cartão, internet ou comércio formal por perto, e por se apoiar em relações de confiança.
📌 Investigação
Crise de moradia, energia elétrica e acesso ao abastecimento de água: a COP30 escancara os problemas em Belém (PA). Para a população local, o preço dos aluguéis é um desafio diário diante de um processo histórico de falta de regulação e de dados oficiais sobre o mercado imobiliário, com um planejamento urbano permissivo. A Carta Amazônia esmiúça a realidade de acesso a direitos básicos na capital paraense, da moradia ao abastecimento de água e saneamento: 91% da população paraense não tem acesso à coleta de esgoto. Os investimentos da Conferência do Clima voltados para saneamento básico, no entanto, estão prioritariamente focados em melhorar a infraestrutura de bairros já consolidados e valorizados, como o Umarizal, em detrimento das áreas periféricas.
🍂 Meio ambiente
Em meio à transição energética, a expansão das usinas solares no Nordeste tem provocado desmatamento, pressão sobre os recursos hídricos e violações de direitos de comunidades tradicionais e agricultores familiares. Segundo dados da plataforma MapBiomas, quase metade da área já ocupada por usinas fotovoltaicas substituiu vegetação savânica, com impacto direto na Caatinga. Além da perda de biodiversidade, comunidades denunciam contratos abusivos de arrendamento de terras, fechamento de passagens e uso intensivo de água em regiões marcadas pela escassez. A Eco Nordeste reúne as principais informações do relatório “Salvaguardas Socioambientais para Energia Solar Fotovoltaica Centralizada”, do Nordeste Potência. O documento reúne mais de 40 diretrizes para que a transição energética ocorra de forma justa e concilie a necessidade de ampliar as fontes renováveis com a preservação ambiental e o respeito aos direitos humanos.
📙 Cultura
O documentário “Rejeito”, de Pedro de Filippis, mergulha na rotina da população que ainda vive ameaçada pelas barragens em Minas Gerais. Gravado entre 2019 e 2023, o filme será lançado nos cinemas no dia 30, uma semana antes do marco de dez anos do colapso da barragem de Fundão, da mineradora Samarco – controlada pela Vale e BHP –, em Mariana. “O filme vai além da denúncia sobre Mariana e Brumadinho. Ele mostra que esse modelo de exploração continua ativo nos dias atuais, removendo pessoas, apagando histórias e destruindo modos de vida”, afirma o diretor. “A maior parte do filme passa-se no agora, no que está a acontecer com as barragens que não romperam, mas que ameaçam milhões de pessoas ainda.” Segundo o Colabora, a obra recebeu os prêmios de Melhor Filme no Festival Internacional de Cine Medioambiental das Canarias (Espanha) e no Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela (Portugal), foi premiado no Festival Sarancine e na Mostra Ecofalante, além da Menção Especial do Júri no Indie Memphis (EUA). Como parte do Festival do Rio deste ano, o filme será exibido também nesta sexta-feira.
🎧 Podcast
Mais de dez anos depois de seu início, a Operação Lava Jato segue intrigando pesquisadores de diferentes áreas e jornalistas. Há alguns anos existem suspeitas sobre a sua relação com o FBI e o Departamento de Justiça Americano (DOJ, na sigla em inglês). Em 2020, detalhes dessa aliança foram revelados pela Agência Pública, em parceria com o Intercept Brasil, com base nos diálogos vazados do Telegram dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF), no que ficou conhecido como “Vaza Jato”. A série “Confidencial: As Digitais do FBI na Lava Jato”, produção da Agência Pública, esmiúça a investigação e revira documentos para entender até onde vai a influência dos Estados Unidos na Lava Jato.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“O meu sonho é criar a minha própria convenção para trancistas, com workshops e palestras. Que a gente possa transmitir a nossa experiência para essa nova geração que está vindo com força. Isso é legado”, diz Doroteia de Souza, a Dorothy Braids, 49 anos. Ela começou a trançar aos 6 anos quando fazia os cabelos das irmãs. Aos 12, ia ao centro de São Paulo trabalhar para ajudar a complementar a renda de casa. “Eu subia em um caixote para alcançar a cabeça dos clientes. O que aprendi sozinha, como autodidata, fui aperfeiçoando ao longo dos anos com muitas mestras.” Sua trança mais icônica foi a feita no rapper Sabotage. Para Dorothy, a inclusão da profissão de trancista na Classificação Brasileira de Ocupações deve vir como forma de reparação. A Agência Mural explica que a formalização, que aconteceu em julho, permite que elas se registrem como Microempreendedoras Individuais (MEI), contribuam para a Previdência Social e tenham direitos trabalhistas.