O marco temporal empatado no STF e os conflitos no Xingu
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🔸 O ministro André Mendonça declarou ser a favor da tese do marco temporal. O magistrado indicado por Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo Tribunal Federal (STF) não chegou a proferir o voto final, mas, segundo O Eco, suas falas ao longo da sessão de ontem deixaram nítido seu posicionamento. Ele afirmou, por exemplo, que “as terras brasileiras foram passadas dos povos originários à coroa portuguesa pelo direito de conquista”. Com o voto de Mendonça, o placar que definirá o destino dos povos indígenas do Brasil ficará empatado: dois votos contrários (Alexandre de Moraes e Edson Fachin) e dois favoráveis (Kassio Nunes Marques e André Mendonça). Lideranças acompanharam o julgamento e reagiram ao discurso do magistrado. “Matar e roubar para conquistar: em seu voto no julgamento do Marco Temporal no STF, o ministro André Mendonça acaba de inventar o ‘direito à conquista’ dos colonizadores que assassinaram e tomaram as terras dos povos indígenas”, afirmou a deputada Célia Xakriabá.
🔸 Entre apoiadores do marco temporal, a desinformação é ferramenta recorrente. Meses atrás, já circulava nas redes sociais um vídeo em que uma mulher era notificada sobre a perda da própria casa em decorrência da demarcação de uma terra indígena. O conteúdo foi produzido e distribuído pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, como informa a revista piauí, em especial sobre o marco temporal. A tese segundo a qual os indígenas só teriam direito às terras que ocupavam no dia 5 de outubro de 1988 também tramita como projeto de lei no Senado. A jornalista Meghie Rodrigues explica que “o argumento – inteiramente falacioso – de que a demarcação de terras indígenas poderia ameaçar propriedades em áreas urbanas consolidadas há décadas ou séculos é uma das principais estratégias dos ruralistas para conquistar adeptos para a tese do marco temporal”.
🔸 Michelle e Jair Bolsonaro serão ouvidos hoje pela Polícia Federal, ao mesmo tempo em que prestarão depoimentos três assessores de confiança, um general e dois advogados do ex-presidente. As oitivas são parte da investigação sobre a suposta venda ilegal de joias recebidas pelo ex-chefe do Executivo federal. O Metrópoles lembra que, em outros momentos diante da polícia, Bolsonaro optou por falar e expôs sua versão. A estratégia deve ser mantida na oitiva de hoje, mas há uma peculiaridade: a PF marcou todos os depoimentos para o mesmo horário, a fim de evitar que os investigados combinassem as respostas.
🔸 O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não declarou quatro fazendas à Justiça, uma obrigação prevista em lei para os candidatos desde 1987. O Congresso em Foco obteve documentos segundo os quais o deputado pagou, entre 2004 e 2006, quase R$ 5 milhões (ou cerca de R$ 16 milhões, em valor atual) por quatro fazendas em Pernambuco, mas não as declarou à Justiça eleitoral. O advogado e ex-juiz eleitoral Márlon Reis explica que a não declaração de bens por qualquer candidato poderia ensejar a abertura de processo por falsidade ideológica eleitoral. Na prática, porém, não é o que acontece. “Não há multa prevista para quem deixa de declarar à Justiça eleitoral. Mas a não declaração desses bens à Receita pode ensejar problemas tributários para o candidato”, afirma Reis.
📮 Outras histórias
Promessa feita no início do ano, a Casa da Mulher Carioca na Rocinha ainda não saiu do papel. O anúncio partiu da secretária de Mulheres da Prefeitura do Rio de Janeiro, Joyce Trindade, numa reunião com mulheres da favela da zona sul da capital fluminense, quando a comunidade chegou a registrar quatro feminicídios em apenas 12 dias. Segundo o Fala Roça, a realidade das mulheres no morro segue permeada por violência e desafios. Hoje, elas contam com a Sala Violeta da 11ª delegacia da Polícia Civil, instalada na Rocinha. O espaço faz parte de um projeto para atender mulheres que sofrem violência doméstica. Lá, os atendimentos são feitos por uma policial mulher, e os filhos das vítimas têm uma área de acolhimento.
📌 Investigação
Em meio à violência na região do Xingu, “consórcio da morte” é o nome dado por movimentos campesinos ao grupo de fazendeiros mandante do assassinato da irmã Dorothy, em 2005, e que também estaria por trás dos conflitos atuais em Anapu, no Pará. A Agência Pública revela que, apesar de a população reconhecer e saber listar pessoas do grupo, a Justiça não consegue nomeá-los. Segundo a reportagem, “é comum que os servidores se afastem ou sejam afastados dos cargos, inclusive por corrupção”. A investigação aponta que ocorreram pelo menos oito despejos ilegais de famílias sem-terra e que o policiamento rural não é eficaz. Dados do Mapa dos Conflitos da Pública mostram que os municípios xinguanos lideram o número de conflitos no campo nos últimos 12 anos. Um desses exemplos é a cidade de Altamira que, além de ser impactada pela violência, teve a renda dos ribeirinhos do rio Xingu em queda devido à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
🍂 Meio ambiente
BNDES, BID e IFC farão editais para concessão para reflorestamento de áreas degradadas da União na Amazônia. Renato Rosenberg, diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro, diz que o governo irá licitar 100 mil hectares, o que equivale a aproximadamente 100 mil campos de futebol. O Reset explica como as empresas de reflorestamento irão auxiliar no setor privado a partir das concessões de áreas públicas para restauração e como os investidores são atraídos pela potencial valorização dos créditos de remoção de carbono. Rosenberg descreve o plano do governo federal e como será a cooperação técnica entre o Serviço Florestal e o ICMBio para atuar em terras que estejam livres de conflitos.
A luta do Equador para preservar a reserva de petróleo do Yasuní, maior área protegida do país. Mais de 5 milhões de equatorianos votaram neste mês para deixar o petróleo sob a terra, mas a proposta de renúncia à exploração foi defendida pela primeira vez em 2006. O Amazônia Latitude conta que, ao longo dos anos, o pedido para deixar o petróleo inexplorado no local foi tomando uma perspectiva mercantilista, já que o governo equatoriano começou a propor mercados de carbono para deixar as jazidas intocadas. Depois de anos de luta e mobilização dos movimentos ambientais, a votação priorizou “a lógica da natureza que prevalece sobre a lógica dos extrativismos” com cerca de 59% dos votos.
📙 Cultura
O protagonismo negro tem aumentado no meio acadêmico a partir de pesquisadores que reconstroem a história anti-oficial. O aumento de estudantes negros vem incorporando a vivência afro-brasileira nos currículos, pesquisas e trabalhos de extensão. O Nonada debate o salto dessas narrativas nas universidades. Segundo as graduandas de midialogia Luiza de Moura e Milena Santa Cruz, um dos obstáculos ao pesquisar temas centrados na população negra ainda é a falta de referências e bibliografias. Já o historiador e mestrando Diego Rogério pesquisou justamente o apagamento de João Cândido, importante personagem durante a Revolta da Chibata. “Para entender o processo de apagamento da história afro-brasileira, é preciso considerar que a marginalização da população negra consiste em tirar dela a autoestima e a capacidade de se enxergar em outra condição que não seja inferiorizada pelo branco”, afirma ele.
Uma reportagem em quadrinhos foi indicada ao HQ Mix, prêmio mais importante do setor no Brasil. Dando vida e cores a uma reportagem sobre luto, as ilustrações de Gabriela Güllich concorrem à categoria de melhor Web Quadrinho. A Revista O Grito! lembra que a publicação em quadrinhos partiu de uma investigação sensível sobre como nos relacionamos com a finitude. A narrativa expõe a necessidade humana de eternizar itens palpáveis como lápides, estátuas e enfeites para preencher a saudade. A indicação à 35ª edição do HQ Mix ainda está na fase de votação de profissionais da área. A entrega do prêmio será em 6 de dezembro, em São Paulo.
🎧 Podcast
A nanotecnologia é apontada como alternativa para impulsionar uma revolução agrotecnológica no Brasil. Diego Stone, um dos fundadores da Krilltech, conta como a arbolina, biorregulador à base de nanopartícula, tem impulsionado a inovação na agricultura. Em entrevista ao “Economia do Futuro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, ele destrincha as características do biorregulador para as plantas. Apesar de poder ser usado com fertilizante, não há a necessidade de aliar a arbolina a esse tipo de produto. O programa discute como as nanomoléculas podem contribuir para a estimulação de um mercado agroecológico a partir de um produto orgânico que pode transformar a cadeia de produção de forma sustentável.
🧑🏽⚕️ Saúde
A alimentação saudável no foco de projetos periféricos. Na zona sul de São Paulo, o Organicamente Rango é uma das iniciativas que busca proporcionar uma alimentação de qualidade para as pessoas das quebradas. A Emerge Mag explica como o projeto provê pratos com alimentos orgânicos e saudáveis para moradores das periferias, além de também contar sobre a atuação da Associação de Agricultores da Zona Leste, que oferece apoio e assistência técnica a hortas urbanas e aos agricultores da região. A reportagem debate sobre os desafios do combate à desigualdade alimentar em meio ao avanço dos ultraprocessados no mercado alimentício. Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de São Paulo (USP), da Fiocruz e da Universidad de Santiago de Chile, quase 60 mil pessoas morrem anualmente em decorrência da alimentação por ultraprocessados.