O marco temporal de volta ao Senado e o racismo algorítmico
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 São negros, jovens e pobres os presos e condenados por tráfico de drogas em São Paulo. Embora sejam minoria no estado, pretos e pardos representam 56% das pessoas detidas por tráfico em abordagens da polícia. No momento da prisão, 58% tinham entre 18 e 22 anos e a maioria possuía renda inferior a um salário mínimo. A Ponte detalha os dados da pesquisa “Liberdade Negra Sob Suspeita: Pacto da Guerra às Drogas no Estado de São Paulo”, realizada em parceria pela Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas e a Rede Reforma. Para a coordenadora da organização, Gabriella Arima, o perfil dos presos nos enquadros demonstra o racismo enraizado na atuação policial. “Esses patrulhamentos têm como objetivo prender pessoas negras em territórios periféricos e já criminalizados”, afirma.
🔸 Depois do enquadro, dentro das prisões paulistas, a violência segue: nos dias mais quentes do ano, em meio à recente onda de calor no país, faltou água para presos em pelo menos 51 unidades prisionais de 30 municípios do estado. A denúncia partiu da organização Mães do Cárecere a partir de relatos de familiares de pessoas encarceradas. A Agência Pública teve acesso a uma carta coletiva dos detentos enviada à ONG. Eles denunciam que a água chegou a ser liberada por apenas uma hora por dia numa das unidades – e quase sempre quente e suja. A Defensoria Pública, que já havia registrado problemas semelhantes em agosto, confirma. De tão quente, em muitos casos, a água precisa ser armazenada pelos detentos em garrafas pet para ser usada depois de esfriar.
🔸 No Congresso, a semana foi marcada pela aprovação da PEC que limita os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF). A Proposta de Emenda à Constituição foi aprovada na quarta-feira no Senado, inclusive com apoio do líder do governo na Casa, o senador Jaques Wagner (PT-BA). Embora date de 2021, o texto ganhou força agora por meio de parlamentares bolsonaristas descontentes com decisões da Corte. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, criticou a aprovação da proposta, como mostra o Jota. Segundo ele, é inevitável que o STF desagrade segmentos da política e da sociedade, mas o Tribunal não “disputa um torneio de simpatia”.
🔸 Falando em Congresso: o texto do marco temporal, que recebeu veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), volta à discussão entre parlamentares. O debate que estava previsto para ontem acabou adiado por divergência entre os líderes. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se articula para derrubar os vetos e voltar ao texto original aprovado pelo Senado, cujos retrocessos não se restringem à demarcação dos territórios indígenas e liberam também o cultivo de transgênicos e a atividade pastoril executada por terceiros nessas áreas. A InfoAmazonia lembra ainda que a proposta prevê a construção de rodovias e hidrelétricas, sem realização de consulta, nas terras ancestrais.
📮 Outras histórias
Um dos símbolos mais importantes da comunidade negra em Curitiba foi salvo por uma “vaquinha” organizada pelo movimento negro. O prédio histórico da Sociedade Treze de Maio iria a leilão por causa de uma dívida e seria vendido já na próxima segunda-feira. Com as doações, um acordo foi feito, e o leilão, cancelado. O Plural retoma as origens daquele espaço, fundado por um grupo de negros livres um mês depois da assinatura da Lei Áurea, em 1888. O foco inicial era alfabetizar as pessoas escravizadas recém-libertas. Com o tempo, tornou-se o principal ponto de articulação do movimento negro na capital paranaense.
📌 Investigação
Enquanto o governo promove grandes empreendimentos de energia renovável, constantemente ligados a violações de direitos humanos, cooperativas locais buscam autossuficiência e compartilhamento de energia. O Joio e O Trigo visitou a Usina Solar Bem Viver I, em Matureia, no sertão da Paraíba, inaugurada em janeiro pela Cooperativa de Energia Solar Bem Viver, coletivo formado por 22 associados, entre acadêmicos, professores, engenheiros e pessoas de movimentos sociais. Conhecido como “corredor dos ventos”, o local é sobretudo cobiçado por corporações, desde gigantes do setor a pequenas e médias empresas em ascensão.
🍂 Meio ambiente
No fim de outubro, quase duas toneladas de peixes morreram no rio Santo Antônio, um dos três que compõem a Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, que vai dos municípios de Tamandaré (PE) a Maceió (AL), a maior área marinha protegida do país. O Projeto Colabora mostra que a mortandade das espécies foi causada por agrotóxicos, conforme o laudo da Universidade Federal de Alagoas. As análises feitas na água ainda encontraram metais pesados como mercúrio, ferro, fósforo e manganês, todos em níveis superiores aos recomendados pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
O ano de 2010 pode ter sido um marco para a ocorrência de eventos climáticos extremos no Acre. Até 2004, os registros indicavam, em média, um caso extremo por ano nas cidades do estado. Foi depois de 2010 que dois ou mais eventos passaram a ser registrados com frequência no mesmo ano em um mesmo município. É o que aponta estudo publicado na revista “Perspectives in Ecology and Conservation” por pesquisadores da Universidade Federal do Acre, da Universidade Estadual do Ceará, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e do centro de pesquisas Woodwell Climate, como detalha a Agência Bori. Ao todo, foram 254 eventos climáticos extremos como secas, inundações e incêndios florestais entre 1987 e 2023.
📙 Cultura
“Tanto minhas telas quanto meus murais partem do mesmo princípio, da relação que a pessoa vai ter com a imagem.” Gugie Cavalcanti é artista visual e moradora de Florianópolis (SC), onde seus grafites e murais estão espalhados. Ela é a primeira entrevistada da série “Aquilombar: Enegrecendo a Cultura Catarinense”, especial do Portal Catarinas, que traz entrevistas com mulheres negras que produzem cultura e resistem por meio da arte no estado mais branco do país. “A descolonização na arte é uma discussão válida, e é importante até eu mesma falar sobre isso, mas vejo como algo para a branquitude”, afirma Gugie.
Moradora de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, Rosilene da Costa Dorea, a Rose Dorea, é articuladora cultural da Cooperifa desde 2001, ano em que o movimento cultural e literário começou. O Desenrola e Não Me Enrola narra a trajetória da produtora cultural de 50 anos, quase metade deles dedicados ao projeto. Para Rose, um dos maiores impactos da Cooperifa foi mostrar que poesia, cultura, arte e educação também são para a periferia. “Começamos a ver a nossa quebrada falando de nós para nós”, diz.
🎧 Podcast
A inteligência artificial e suas aplicações estão longe de ser neutras. A máquina, na verdade, aprende a partir de dados fornecidos por humanos e é capaz de reproduzir vieses discriminatórios. É o que se usa chamar de racismo algorítmico. O episódio “Pele Negra, Máquinas Brancas”, do “Ciência Suja”, produção da Rádio Guarda-Chuva, destrincha como os sistemas de computação, como o reconhecimento facial, podem interferir na vida das pessoas por meio de um viés racista, e como pesquisadores estão tentando mudar esse cenário.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Entre pessoas negras, a alimentação é um modo de fortalecer laços afetivos presente desde o regime escravocrata até hoje. Os terreiros de religiões de matriz africana são um dos exemplos dessa relação. “Cozinhar para orixás e comungar com eles era uma forma de nossos antepassados se servirem do banquete dos deuses em meio ao sofrimento. Há muito amor envolvido em cada prato típico dedicado aos orixás do panteão africano, que alimentam o corpo e o espírito”, afirma a iyálorixá Fabiana de Almeida. A Alma Preta destaca como a alimentação é um fator comum de demonstração de amor entre muitas famílias negras.