O marco temporal de volta ao STF e a memória negra no Arquivo Nacional
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🔸 O Supremo Tribunal Federal retoma hoje o julgamento do marco temporal. Os magistrados votarão o destino de uma área em Santa Catarina, ocupada por indígenas dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani. A decisão, porém, terá impacto para todos os povos indígenas do país. A Corte vai avaliar se o marco temporal – tese de que os povos só poderiam pleitear a demarcação de terras nas quais estivessem vivendo em 5 de outubro de 1988 – se aplica ao caso. Até agora, dois ministros votaram contra o marco (Edson Fachin e Alexandre de Moraes) e um a favor (Kassio Nunes Marques). Indicado por Bolsonaro, André Mendonça, o ministro “terrivelmente evangélico”, pediu vista em junho e devolveu agora o caso para o julgamento. Em especial na revista piauí, Bernardo Esteves detalha o que está em jogo, retoma as origens da tese, conversa com indígenas e narra sua viagem à Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, a 260km de Florianópolis, acompanhado de Brasílio Priprá, liderança dos xoklengs que acompanha o julgamento desde o início.
🔸 A propósito do STF: homem, evangélico e fiel ao PT, Jorge Messias é o favorito de Lula para a Corte. Uma vaga se abrirá em outubro, assim que a ministra Rosa Weber se aposentar. Mesmo diante das críticas pela recente indicação de Cristiano Zanin, seu advogado pessoal, para o Supremo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deve ceder aos apelos da esquerda pela escolha de uma mulher para a nova vaga. Como escreve Felipe Recondo em artigo no Jota, se Lula “prestigiou a ideia de pluralidade no Supremo” nos primeiros mandatos, agora avalia que essa postura foi um erro. Enquanto Fernando Henrique Cardoso e, depois, Michel Temer e Jair Bolsonaro indicaram nomes de sua estrita confiança pessoal, Lula e Dilma não o fizeram. Advogado-geral da União, Messias “revelou uma fidelidade absoluta ao PT e a Dilma Rousseff, inclusive descendo a rampa do Palácio com a ex-presidente após o impeachment”. Recondo lembra que, “olhando para a frente, uma indicação de Messias também teria repercussões para os planos políticos de Lula para 2026”. Ele pode ajudar o petista a construir pontes com evangélicos.
🔸 Em menos de um mês, Zanin deu uma sequência de votos polêmicos. Foi contrário à descriminalização do porte de drogas e, entre os 11 magistrados da Corte, o único a votar contra a equiparação dos crimes de homofobia e transfobia ao de injúria racial. O Nexo lista outros votos, analisa o cenário com dois especialistas e lembra que, além de Messias, outro nome cotado para a próxima vaga no STF é também de um homem branco: o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. “Lula não está disposto a nomear quem ele não confie. Tenho a impressão que o trauma de Lula o impede de tratar esse assunto de uma forma puramente institucional. Em algum momento, o Supremo todo votou com a Lava Jato. Não vejo mais espaço para nomeação indiferente a isso, através de movimento social, de indicações”, afirma o historiador e cientista político Christian Lynch.
📮 Outras histórias
As mulheres nordestinas gastam o dobro de tempo em tarefas domésticas se comparado ao tempo despendido pelos homens nessas funções. Elas dedicam 23 horas e 5 minutos por semana aos afazeres domésticos, enquanto eles o fazem em média por 11 horas e 8 minutos. A partir da análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) 2022, a Agência Tatu revela que a maior diferença de tempo nos serviços domésticos entre mulheres e homens entre as regiões do Brasil está no Nordeste. Quanto aos estados, é em Alagoas que a mulher gasta mais tempo nessas funções: são 25 horas e 4 minutos por semana, ou seja, ela passa mais de um dia da semana nessas atividades.
📌 Investigação
Em Roraima, 34% das denúncias de violência de gênero são referentes a agressões psicológicas. No período de janeiro de 2022 a abril de 2023, foram 842 casos de violações contra as mulheres indígenas, reunindo violências psicológicas, sexuais, físicas, patrimoniais e morais. Desses registros, 288 referem-se a agressões psicológicas. A InfoAmazonia obteve acesso aos boletins de ocorrência, que mencionam ameaças, perseguições, perturbações, chantagens e constrangimentos como as principais queixas. Cento e setenta casos foram enquadrados na Lei Maria da Penha, ou seja, ocorreram dentro do ambiente doméstico. A reportagem também aborda a questão da escolaridade das vítimas e descreve as dificuldades para denunciar – há uma única delegacia especializada no estado de Roraima.
🍂 Meio ambiente
Diário do Clima, uma ferramenta que reúne atualizações sobre projetos e ações na área climática. A iniciativa, que parte de organizações de transparência e de jornalismo ambiental, coloca em prática uma tecnologia que monitora as informações publicadas nos diários oficiais através de filtros de busca. A Eco Nordeste informa que o Diário do Clima, com lançamento amanhã, é uma base de dados que compila atualizações sobre o uso e a ocupação do solo, planos de ação para mitigação e adaptação, redução de emissão de poluentes e preservação da biodiversidade. Para reunir informações, a ferramenta será conectada a uma plataforma de código aberto, o Querido Diário, que já disponibiliza dados das edições dos diários oficiais de mais de cem municípios do Brasil.
Uma cooperativa indígena exporta seis toneladas de castanha para a Europa. Quase 3 mil indígenas foram impactados pelas negociações feitas pela Kayapó de Produtos Florestais, que realiza a coleta dos produtos de forma tradicional e preserva castanhais nativos ao mesmo tempo que gera renda para 600 famílias. O Envolverde explica como se desenrolaram os trâmites para a exportação da castanha da marca da cooperativa, a Brasil PI’Y, para o Reino Unido. Além do benefício econômico para a comunidade local, a comercialização de produtos vindos de práticas sustentáveis promove a manutenção dos saberes dos povos tradicionais e valoriza os recursos da biodiversidade brasileira.
📙 Cultura
Para garantir o direito à memória e à história dos povos indígenas e africanos, o Arquivo Nacional fez um acordo com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A parceria vai garantir a distribuição de 50 bolsas de estágio para estudantes de História da UERJ, com o objetivo de organizar documentos existentes que retratam a memória negra e indígena. A Alma Preta conta que o acordo contou com a presença de integrantes do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Primeira mulher negra a coordenar o Arquivo Nacional, em 185 anos de história, Ana Flávia Magalhães Pinto destaca que é preciso reforçar as agendas que atravessam o cotidiano das instituições que lidam com a promoção do direito à memória.
Ator e produtor cultural, Paulo Mileno fez um documentário sobre a história de Jacarepaguá, bairro do Rio de Janeiro. Intitulada como “Encruzilhada entre Terreiro e Quilombo em Jacarepaguá. Ressignificação Civilizatória no Sertão Carioca”, a produção retrata a interseccionalidade entre o território, os patrimônios históricos, o quilombismo e o pensamento nagô. O Todos Negros do Mundo descreve a narrativa de Paulo Mileno como uma forma de trazer o legado de luta apagada dos livros de História, dando protagonismo ao povo escravizado e à população quilombola. Combatendo o “apagão ideológico”, o documentário ressignifica a construção da nação a partir da história não contada de Jacarepaguá.
🎧 Podcast
A representatividade da população negra (ou a falta dela) na arte e na história são os temas centrais do “Quando Você Se For, Quem Vai Lembrar do Seu Nome?”. O episódio do “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, narra em seu primeiro ato a amizade improvável entre o dramaturgo Augusto Boal e o escritor e também dramaturgo Abdias do Nascimento. Tiago Rogero conta como a relação dos dois no cenário teatral trouxe ao teatro do oprimido a perspectiva racial. No segundo ato, a apuração de Flora Thomson-DeVeaux revela como o sumiço de três estátuas expõe a falta de representatividade da história negra e indígena, que ainda é apagada.
👩🏽💻 Tecnologia
Antes referência em imediatismo, o Twitter tem se transformado nos últimos dez meses desde a compra de Elon Musk. O Núcleo destrincha as dificuldades de encontrar uma plataforma que ofereça o que o Twitter construiu em seus 16 anos antes de se tornar X, novo nome da rede social. A reportagem exemplifica as principais diferenças entre as redes do grupo Meta e de outras possíveis alternativas como o Mastodon e o Bluesky. Já a Fast Company aborda como a plataforma tem oferecido riscos atrelados à desinformação desde a aquisição do milionário. Em uma próxima atualização, o X permitirá a alteração e a remoção de títulos e descrições de links externos ao site, facilitando a disseminação de fake news.
Edição de hoje está sensacional!