A maior operação contra trabalho escravo no país e os livros no TikTok
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🔸 “Abro a porta e tenho certeza, só há lama e caos. A geladeira está espatifada no chão coberta de barro, os legos do nenê e a motoca, imundos, as roupas da minha esposa formam um grande nó de lodo. Tudo está perdido.” Depois da enchente histórica que elevou o rio Taquari, no Rio Grande do Sul, em quase 30 metros, o repórter Cristiano Duarte narra no Sul21 sua volta para casa. Em conversas com vizinhos, ele conta que vários recorreram ao telhado como último refúgio e descreve “cenas difíceis de imaginar antes da tragédia”: “Um supermercado às margens do rio, invadido pelas águas, acabou invadido também por moradores que aproveitaram a falta de luz e os vidros arrebentados pela enchente para levar itens para casa. Mais de 400 kg de carne foram surrupiados do estabelecimento”. Até ontem, a Defesa Civil contabilizava 46 mortos em decorrência das chuvas no estado, que atingiram sobretudo a região do Vale do Taquari.
🔸 Para ajudar as cidades gaúchas, o governo federal anunciou R$ 741 milhões, além de liberar saques do FGTS, no valor de até R$ 6.220, para as pessoas atingidas diretamente pelas chuvas. A CartaCapital explica a distribuição dos recursos entre os ministérios. A pasta das Cidades, por exemplo, terá R$ 195 milhões para a construção de moradias, já a Saúde terá R$ 80 milhões para reerguer unidades destruídas.
🔸 Já considerada a maior operação contra o trabalho escravo no país, uma força-tarefa com 222 ações em 131 municípios resgatou 532 pessoas de condições análogas às de escravo. Destas, seis são crianças e adolescentes, e dez, trabalhadoras domésticas. A Repórter Brasil detalha a Operação Resgate 3, que ocorreu ao longo de agosto e é tida como a maior não pelo número de resgatados, mas pelo esforço concentrado e simultâneo de diferentes órgãos, como o Ministério do Trabalho e a Polícia Federal. O maior número de resgates se deu no cultivo de café, mas a escravidão também está nos centros urbanos. Uma mulher de 90 anos foi encontrada numa residência no Grajaú, zona norte do Rio de Janeiro, onde trabalhava havia 50 anos e dormia num sofá. Foi a pessoa mais idosa resgatada desde 1995, quando o Brasil implementou o sistema de combate à escravidão contemporânea.
🔸 De seus 54 anos, Nilza Soares passou 35 trabalhando sem salário, férias ou qualquer tipo de direito, na casa de uma família em Ponta Grossa, no Paraná. Nascida no interior do estado, em Roncador, ela foi levada para a cidade antes de completar 18 anos. Nunca aprendeu a ler ou escrever, nem sabe reconhecer dinheiro, como descreve o portal Boca no Trombone. Com o apoio de vizinhos, Nilza chegou até uma advogada que denunciou o caso. A família, por sua vez, conta que, desde que ela foi retirada da cidade natal, tenta descobrir seu paradeiro.
🔸 A delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), foi homologada no fim de semana pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O magistrado lhe concedeu liberdade provisória – com regras a serem cumpridas. O Jota lista as medidas cautelares, que incluem, por exemplo, a proibição do uso de redes sociais e de se comunicar com os demais investigados. Cid está implicado sobretudo no caso das joias recebidas pelo governo Bolsonaro da Arábia Saudita, mas também pode colaborar com a investigação sobre a origem do documento que ficou conhecido como “a minuta do golpe”.
📮 Outras histórias
Em meio à escalada de violência na Mata Sul de Pernambuco, uma liderança rural foi ameaçada de morte um dia depois de relatar pessoalmente ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e à governadora Raquel Lyra o cenário de conflitos agrários na região. Identificado como Antônio C., ele denunciou a violência sofrida pelas cerca de 150 famílias que moram no Engenho Barro Branco, em Jaqueira. São agricultores que sofrem ameaças por capangas armados, além de investidas de drones com agrotóxicos. A Marco Zero conta que havia uma expectativa de que o governo de Lyra retomasse a Comissão Estadual de Acompanhamento dos Conflitos Agrários de Pernambuco (Ceaca-PE), criada em 2022 para implementar medidas de prevenção, mediação e resolução dos confrontos. Mas, até então, a comissão segue paralisada.
📌 Investigação
Canais no Youtube com mais de um milhão de inscritos têm lucrado com a venda de espaços de publicidade para terceiros, com vídeos que incluem avaliações falsas de suplementos para curar doenças como diabetes e glaucoma – sem comprovação científica. A Lupa identificou quatro dessas contas na plataforma. Um exemplo é o Ponto do Karaokê, canal que se apresentava como o primeiro de karaokê do Brasil a ultrapassar a casa de um milhão de seguidores. No último mês, o canal publicou 607 vídeos, dos quais apenas cinco eram de música. Já os outros 602, sobre produtos que supostamente trazem benefícios para a saúde.
🍂 Meio ambiente
“Precisamos ter a honestidade de dizer que existe uma contradição. Mas é uma contradição que não é só do Brasil, é do mundo.” Assim Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, minimiza o conflito com a pasta de Minas e Energia e outros setores que vêm defendendo a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Ela também desvia quando o assunto é sua possível “fritura” no governo: “Eu fico tranquila, estou fazendo o meu trabalho. O desmatamento está caindo”. Em entrevista à Pública, a ministra detalha “ações afirmativas” para que a queda se mantenha e cita, por exemplo, um novo programa voltado para o combate ao desmate e aos incêndios florestais no âmbito municipal. Com investimento de R$ 600 milhões, o foco são os 69 municípios que lideram a destruição, especialmente no Mato Grosso, Pará e Amazonas. A ideia é que a redução vista nos primeiros oito meses do ano (de 48% com relação a 2022) seja sustentada a longo prazo.
Moradores de Cachoeira do Arari (PA) denunciam danos causados pelo uso de agrotóxicos em plantações de arroz, que avançaram na região na última década e já abrangem cerca de 30% do município. Segundo a Alma Preta, há relatos de doenças respiratórias, inflamações e irritações na pele, além de danos aos animais e à pequena agricultura desenvolvida nos quintais devido à pulverização aérea dos produtos. A empresa responsável pelos arrozais também criou um sistema de desvio das águas do rio Arari – principal fonte de abastecimento e sustento para as comunidades –, afetando a pesca e a reprodução de peixes.
📙 Cultura
Com mais 15 bilhões de visualizações no Brasil, a hashtag #Booktok no TikTok tem movimentado o mercado editorial e literário no país e coroa uma nova geração de leitores e escritores. À Emerge Mag a autora Arquelana, de 21 anos, conta como lançou seu primeiro livro após viralizar na plataforma. “Tem livros, autores, gêneros que eu jamais ouviria falar se não fosse pelo TikTok. Para mim ele é, hoje, a maior forma de divulgação de livros. Você não fideliza, mas as pessoas veem. O primeiro contato, o primeiro ‘tchan’ para comprarem o seu livro, o TikTok faz isso de uma maneira absurda”, diz.
“É a primeira vez que a Casa de Cultura está recebendo drags queens, então isso já é muito potente.” A afirmação é de Avante, apresentadora do Favela Drag, concurso de drag queens da periferia de São Paulo. A Periferia em Movimento descreve como o reality show, gravado na Casa de Cultura Vila Guilherme, zona norte da capital paulista, contribui para gerar oportunidades a artistas periféricos e trazer referências artísticas do universo drag queen para o público. “A partir de eventos assim, trazendo visibilidade na internet, a gente consegue se sentir mais segura de se montar, de conseguir sair na rua, de exercer nossa sexualidade, nossa arte, ver nossa arte na rua, na nossa quebrada”, relata Ailik Uranus.
🎧 Podcast
O empreendedor Léo Medeiros, de 39 anos, só se identificou como um homem trans aos 34. No processo, contou com o apoio da filha, Camila, que se revelou uma mulher trans aos 10 anos de idade. No “Paternidades Plurais”, quarta temporada do podcast “Narrando Utopias”, produção do Portal Catarinas, Léo narra sua trajetória de descobertas a partir da paternidade, ao aprender e reaprender a cuidar da filha nas transições de ambos: “Comecei a estudar masculinidades, paternidades e conheci uma galera enorme que fala sobre esses assuntos. Vi que eu também poderia falar sobre isso e ressignificar o que é ser homem”.
✊🏽 Direitos humanos
Mesmo com os avanços nas leis, o trabalho doméstico infantil persiste no país por meio, por exemplo, da ideia de “filhas de criação”, num processo em que meninas do interior e das periferias são “adotadas” por famílias de centros urbanos com a proposta de mais educação e chances de mobilidade social. A revista AzMina reúne três histórias de mulheres exploradas na infância no Pará. “Eu tinha que ficar no quarto escuro, eu não via nada. Eu ficava com pânico”, conta Josiane (nome fictício). Em um ciclo de exploração que durou 12 anos, ela não podia sequer acender a luz se um membro da família não estivesse presente e até seu nome foi modificado.