A luta pelo canabidiol na Justiça e as brincadeiras ancestrais do país
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 O ministro Alexandre de Moraes barrou a viagem de Jair Bolsonaro (PL) para a posse de Donald Trump, nos Estados Unidos. Segundo o magistrado, é preciso evitar o risco de fuga do ex-presidente. Não é a primeira vez que esse argumento é usado: em outubro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia rejeitado a devolução do passaporte de Bolsonaro sob a mesma alegação. Mas agora o recado é mais direto, segundo a CartaCapital. Isso porque o procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve apresentar em breve sua denúncia contra o ex-presidente no inquérito sobre a trama golpista de 2022. Em novembro do ano passado, a Polícia Federal o enquadrou nos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
🔸 Mais da metade das crianças e adolescentes no Brasil vivem na pobreza. É o que mostra relatório da Unicef divulgado ontem. O número absoluto recuou de 34,3 milhões em 2017 para 28,8 milhões em 2023, o equivalente a 55,9% da população com idade entre 0 e 17 anos. O Notícia Preta detalha o levantamento, que considera não só a renda familiar, mas também outras seis dimensões de privação: educação, acesso à informação, água potável, saneamento básico, moradia e proteção contra o trabalho infantil. Todas essas áreas tiveram avanços de 2017 para 2023. A mudança mais expressiva foi no acesso à à informação, que passou de 17,5% para 2,5% no período.
🔸 Outro relatório lançado ontem mostra os avanços e recuos nos direitos humanos no Brasil. A organização Human Rights Watch mostra que houve impactos positivos para populações indígenas e quilombolas a partir das políticas para reduzir o desmatamento da Amazônia, mas também alerta para os riscos do plano de exploração de petróleo na Margem Equatorial, possibilidade ainda em análise pelo governo. O Nexo destrincha o documento que classifica o marco temporal como “uma tentativa dos ruralistas de negar o direito dos povos indígenas”. “A demarcação das terras indígenas é fundamental para garantir os direitos territoriais e conter o desmatamento”, diz o relatório.
🔸 “Intelectuais e movimentos socioambientais de diferentes partes do mundo têm alertado sobre o fato de que, para deter o colapso da vida, é urgente pôr em xeque o capitalismo e sua lógica do crescimento infinito”, escreve Claudia Antunes, em artigo na Sumaúma. A jornalista esmiúça as três correntes que lideram esse debate – a do “decrescimento”, a do “pós-extrativismo” e a do “ecossocialismo” – e mostra que, embora heterogêneas, “todas defendem a tese de que o crescimento da produção e do consumo, tal como medido pelo PIB, não pode ser o critério de bem-estar numa sociedade que seja sustentável”.
🔸 Estima-se que cerca de 430 mil brasileiros usem cannabis medicinal, mas o governo federal ainda não criou uma política nacional para sua distribuição. Em São Paulo, entre 2021 e 2024, 279 famílias processaram o governo estadual para obter o canabidiol – e apenas 44 tiveram sucesso. A Agência Pública revela que a Justiça nega a maioria dos pedidos por maconha medicinal gratuita no país. Menos de 20% das ações têm desfecho favorável aos pacientes, e a maioria dos processos são movidos por pessoas de baixa renda. Enquanto o mercado da cannabis medicinal cresce, propostas como a PEC 45 almejam endurecer a criminalização do porte, dificultando o cultivo legal para uso terapêutico.
📮 Outras histórias
Em imagens: a Marujada de Bragança foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil em 2024. Trata-se de uma celebração cultural e religiosa que ocorre desde 1798 na cidade de Bragança, no nordeste do Pará. Fruto da fusão entre tradições portuguesas e africanas, a festividade homenageia São Benedito todo ano, entre 18 a 26 de dezembro. A Amazônia Latitude mostra as ruas tomadas por marujos e marujas que, no dia 25, vestem-se de branco e azul em celebração ao nascimento de Jesus. A festa inclui novenas, ladainhas, missas e procissões terrestres e fluviais. O ponto alto é o Círio do Glorioso, uma procissão de quase 7 km que leva a imagem de São Benedito pelas ruas de Bragança até a orla da cidade. O cortejo reuniu cerca de 400 mil pessoas em 2024.
📌 Investigação
Grandes empresas da indústria de alimentos viveram seus anos de ouro durante a pandemia. Levantamento d’O Joio e O Trigo mostra que o ritmo de expansão das 50 maiores corporações foi mais forte em 2020 e 2021, em comparação com 2019 e 2023, ano anterior e ano seguinte à pandemia, respectivamente. O crescimento foi impulsionado por fatores como desvalorização cambial, aumento de preços, concentração de mercado, financiamento privado, isenções fiscais e mudanças nos hábitos de consumo. A expansão de um grupo de empresas acima do crescimento econômico representa um aumento da concentração de mercado, ampliando e concentrando o poder político de poucos empresários.
🍂 Meio ambiente
Mais de 80% das espécies de anfíbios do Pantanal terão redução na distribuição geográfica por conta das mudanças climáticas até 2100. A perda de espécies deve ocorrer em 99% da Bacia do Alto Paraguai. As estimativas foram publicadas na revista científica Journal of Applied Ecology por pesquisadores das universidades federais da Paraíba (UFPB), de Mato Grosso (UFMT) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo a Agência Bori, as áreas protegidas cobrem apenas 6% da região e abrigam menos de 5% da distribuição geográfica dos anfíbios pantaneiros, o que aumenta a preocupação sobre a proteção desses animais.
📙 Cultura
Após ser nomeado de “rei do pop” pela Forbes, o cantor portorriquenho Bad Bunny, que tem suas raízes musicais nos ritmos latinos reggaeton e dembow, contraria a ideia de pertencer ao pop com seu novo álbum “DeBÍ TiRAR MáS FOToS”. A obra mergulha em ritmos típicos de Porto Rico, como a salsa, a plena e a bomba, “mas sempre contornados de uma produção modernosa, cheia de synths, auto-tune e elementos eletrônicos”, como escreve o jornalista Antônio Lira, em resenha na Revista O Grito!. O álbum de Bad Bunny também traz à tona questões políticas da ilha caribenha, como a gentrificação e expulsão dos nativos em prol de estrangeiros.
🎧 Podcast
“Ele [Manuel Querino] é o primeiro intelectual brasileiro a tratar positivamente a pessoa negra na história do Brasil. Olha, não foi um mero acessório, como a historiografia dizia até então, como a intelectualidade dizia até então, e que até muito recentemente a gente podia ver assim”, afirma o jornalista Tiago Rogero, criador do “Projeto Querino”, podcast que recentemente se transformou em livro. No “Fio da Meada”, produção da Rádio Novelo, o jornalista fala sobre a história do Brasil a partir da perspectiva afrocentrada e discute como o país ainda tem dificuldades para lidar com o passado escravocrata, ainda presente na sociedade brasileira.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Parte da memória afetiva das crianças brasileiras, cabo-de-guerra, peteca e esconde-esconde são brincadeiras que têm origem ou são bastante difundidas em comunidades quilombolas, povos indígenas, grupos pesqueiros e terreiros de religiões de matriz africana. O Lunetas reúne sete brincadeiras tradicionais para resgatar a ancestralidade. “As brincadeiras ancestrais são um veículo de conectar a memórias que estão interrompidas, seja pelo processo de escravização, seja pelo processo de sofrimento ou genocídio causado aos povos indígenas”, afirma João Paulo Diogo, membro da Assessoria Cirandas e idealizador da iniciativa Cirandas do Brincar, que realizou um mapeamento das brincadeiras ancestrais nos diversos territórios da Bahia.