A chegada de Lula à COP27 e o racismo ambiental no Brasil
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🔸 “O Brasil está de volta ao mundo, saindo do casulo a que foi submetido nos últimos quatro anos. (...) Era um governo que não fazia qualquer esforço para conversar com o mundo.” O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez hoje pela manhã sua primeira fala na na COP27, a conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele também afirmou que pedirá ao secretário-geral da ONU, António Guterres, para realizar no Brasil a COP30, em 2025, como informa o Metrópoles. Nos três dias que passará na conferência, Lula deve se reunir com representantes de pelo menos uma dezena de países. A CartaCapital destaca que a ida do petista ao Egito simboliza o início da diplomacia do novo governo. O presidente Jair Bolsonaro (PL), afinal, arranhou as relações do Brasil com países como França e China, como explica a reportagem.
🔸 A forma como Lula chegou ao Egito para a COP se tornou alvo de críticas. Acompanhado de sua companheira, a socióloga Rosângela da Silva, e do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, o presidente eleito voou em um jatinho do empresário José Seripieri Junior, amigo há mais de uma década do petista. O Congresso em Foco conta quem é ele e o que motiva as críticas.
🔸 O Brasil também leva para a COP27 a pauta do racismo ambiental. Durante o governo Bolsonaro, negros e indígenas foram os mais afetados por deslizamentos de terra, enchentes e derrames de óleo no mar. Reportagem da Gênero e Número analisa tragédias climáticas desde janeiro de 2019, quando houve o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), até maio de 2022, mês em que se registraram chuvas na Grande Recife (PE). Na conferência do clima, Marina Silva, Célia Xakriabá e de membros da Coalizão Negra por Direitos chamam a atenção para a cor e raça da maioria das vítimas.
🔸 Enquanto isso, o PL, partido de Bolsonaro, ainda se debate com o resultado das urnas. O Antagonista teve acesso a um relatório que o partido levará ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos próximos dias, pedindo a anulação das eleições de 2022. Segundo o texto, a legenda afirma não ser “possível validar os resultados gerados em todas as urnas eletrônicas de modelos 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015”. Vale lembrar que, na semana passada, o Ministério da Defesa enviou ao TSE um relatório de fiscalização da votação na urna eletrônica – sem apontar fraudes no processo eleitoral, como explicou o Jota.
🔸 Seguem os atos bolsonaristas que questionam o resultado das urnas. Ontem, foram registradas manifestações em pelo menos oito capitais, além do Distrito Federal. Desde o início dos atos antidemocráticos – e mesmo antes, durante o governo Bolsonaro –, “ocorre a psiquiatrização da extrema direita”, como escreve Rachel Gouveia em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil. Pesquisadora da saúde mental e professora da UFRJ, ela afirma: “A psiquiatria no Brasil sempre foi acionada como saber e poder para operar na efetivação de um projeto de nação. Inclusive, o manicômio serviu para aprisionar e torturar presos políticos. Nomear a extrema direita de ‘louca’ apenas perpetua toda a lógica da destruição promovida pelo aparato manicomial e operada por um pensamento conservador”.
📮 Outras histórias
“Hoje tem uma quantidade desnecessária de lixo por causa de como cada um quer viver e muitas vezes o que esses países mais ricos querem é colocar nas costas dos países mais pobres essa culpa”, afirma Thuane Nascimento, uma das representantes da juventude periférica brasileira na COP27. O Maré de Notícias ressalta a importância de sua participação no debate sobre mudanças climáticas, uma vez que as periferias são mais afetadas com a tendência de aumento de inundações e deslizamentos de terra.
Em Correntina, na região oeste da Bahia, a 918 quilômetros da capital, os fecheiros – povo tradicional que vive da criação de gado e agroextrativismo – têm sido ameaçados por pistoleiros ligados aos fazendeiros envolvidos nas disputas por terras na região, onde há vegetação nativa do Cerrado e veredas preservadas pelas comunidades locais. O Meus Sertões relata que a violência no oeste baiano tem se agravado desde setembro. O episódio mais recente aconteceu no mês passado, quando dois idosos foram aterrorizados por homens armados que afirmaram que os matariam.
📌 Investigação
Com a COP27, a desinformação sobre a emergência climática volta aos grupos negacionistas. O Aos Fatos apurou que as técnicas têm ficado mais convincentes: não só negam as mudanças climáticas, quanto usam a ideia de “greenwashing” de modo distorcido para reafirmar mentiras. São mensagens que afirmam que a ação humana não tem impacto na crise, que o agronegócio brasileiro é sustentável ou que negam as queimadas na Amazônia. A reportagem ainda indica que, com a presença de Lula (PT) no evento, a tendência é que as notícias falsas ou distorcidas aumentem nas redes brasileiras.
🍂 Meio ambiente
Logo após o segundo turno das eleições, as queimadas dispararam em diversos estados da Amazônia. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que o pior caso é o de Rondônia, onde foram registrados 1.526 focos de queimadas entre 1º e 10 de novembro – cerca de 10 vezes mais do que a média registrada no mesmo período de 2012 a 2021. O Correio Sabiá reúne dados de outros estados. No Mato Grosso, por exemplo, foram 858 focos, mais de 3 vezes acima da média.
A costa brasileira tem o terceiro maior sistema de recifes de corais do mundo. Segundo artigo assinado por 23 pesquisadores do Brasil, Itália e Alemanha, publicado na revista “Scientific Reports”, a costa Norte, Nordeste e Sudeste do país é um único e extenso ecossistema recifal, com cerca de 4 mil quilômetros de extensão, onde as espécies se movem e estão conectadas. Como explica a Agência Eco Nordeste, o sistema começa na Guiana Francesa, passa pela costa norte da Amazônia, pelo Nordeste e termina no Sudeste.
📙 Cultura
Escritor e comediante, Geovany Hércules foi indicado ao Prêmio Jabuti de Literatura na categoria juvenil com seu primeiro romance. “SP Graja Trip” conta o dia a dia de jovens do Grajaú, na zona sul de São Paulo, onde o autor viveu dos 13 aos 25 anos. A Agência Mural conversa com Hércules, que, além de questões raciais, tenta abordar na obra a cultura local, questões de gênero e impactos ambientais na comunidade. “Acredito muito que a literatura está atrelada à vida. Quando comecei a escrever, eu gostava muito de escritores que de alguma forma expressavam a vida deles e onde moravam.”
Mais potências da literatura periférica: o escritor Geovani Martins está na programação principal da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Seu livro de estreia “O Sol na Cabeça” é um marco literário a partir da construção vibrante do universo da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Em seu segundo livro, “Via Ápia”, a comunidade ainda é a protagonista, agora narrada com a tensão da instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Em entrevista à revista Quatro Cinco Um, ele explica que, “para o morador da favela, a imagem do policial está ligada à morte, à prisão, à invasão”: “Toda vez que eu ia comprar pão, tinha de passar em frente a uma UPP. Não foi feito nenhum trabalho de mudança da figura do policial e tampouco uma preparação para eles conviverem com a gente”.
🎧 Podcast
“Por causa desse país racista onde a gente vive, o conteúdo que vem sendo produzido há décadas por intelectuais negros infelizmente não é tão divulgado quando deveria.” A afirmação norteia o podcast Projeto Querino, produção da Rádio Novelo e da revista piauí, que busca um olhar afrocentrado para a História do Brasil. No episódio extra “Água e Fogo”, Tiago Rogero conversa com a jornalista estadunidense Nikole Hannah-Jones, que liderou o “The 1619 project”, um podcast do jornal “The New York Times”, inspiração para o Projeto Querino. Rogero e Hannah-Jones debatem a insistência conservadora para manter a hierarquia racial.
🧑🏽🏫 Educação
Um plano para a Educação nos cem primeiros dias do governo: Lula pediu à equipe de transição que apresente um projeto de curto prazo para a área. Em entrevista ao Meio, a senadora eleita Teresa Leitão (PT-PE), que integra o grupo dedicado ao setor, afirmou que a recomposição dos repasses para a merenda escolar será prioridade: “Houve uma perda enorme nesse valor. Houve uma tentativa de reajuste por parte do Congresso, e Bolsonaro não reajustou”. Outro ponto central, mas a ser tratado a médio prazo, é a proliferação das escolas cívico-militares.
Reivindicando um intercâmbio entre os saberes ancestrais e a cultura urbana, a aldeia Huni Kuin, no Acre, está construindo a escola Keneya. A ideia é preparar as crianças para as relações com não indígenas mantendo os ideais de suas comunidades, como a defesa do território. O Portal Lunetas ouve representantes do povo Huni Kuin sobre os desafios de conseguir levar o projeto da escola intercultural adiante.