O lobby da carne e a percepção de PMs sobre o racismo
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 O governo sofreu mais uma derrota no Congresso ontem: a oposição articulou madrugada adentro a substituição do presidente e do relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do escândalo de descontos ilegais no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A CartaCapital explica: os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), haviam definido os nomes de Omar Aziz (PSD-AM) e o deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO) para os cargos. Parlamentares governistas foram à cabine de votação crentes de que a eleição estava definida, mas não: Aziz saiu derrotado, e a CPMI tem agora o senador Carlos Viana (Podemos-MG) na presidência. Ele, por sua vez, assumiu e indicou o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) como o relator, um “golpe” para Motta. Assim, a oposição passou a ter o controle do colegiado que investigará o esquema de fraudes na Previdência Social.
🔸 Falando em derrota… O Senado fez avançar a pauta do voto impresso. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa aprovou, por 20 votos a 6, o novo Código Eleitoral, que segue agora em regime de urgência para o Plenário. O Congresso em Foco detalha a proposta que traz não só a obrigatoriedade do voto impresso, mas também mudanças no financiamento das campanhas para permitir que candidatos usem recursos próprios até o limite total de gastos. O novo Código Eleitoral manteve a cota mínima de 30% de candidaturas femininas e acrescentou a reserva de 20% das cadeiras legislativas para mulheres. O projeto ainda reduz as penas para fake news, limitando-as a até um ano de detenção e multa.
🔸 Bancos que aplicarem sanções no Brasil, como a Lei Magnitsky, poderão ser punidos pela legislação brasileira. A afirmação é do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele próprio é alvo da sanção imposta pelos Estados Unidos. O Jota destaca que, ao mesmo tempo, o magistrado reconhece o impasse em que os bancos se encontram. “O uso indevido da aplicação legal coloca as instituições financeiras em uma posição difícil – não apenas os bancos brasileiros, mas também seus parceiros americanos”, afirmou Moraes. Suas falas vêm na esteira da decisão do ministro Flávio Dino, do STF, de suspender efeitos de atos estrangeiros no Brasil. Os EUA reagiram à medida em nota na qual afirmam: “Nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las”.
🔸 Enquanto não vai à votação, o PL da adultização é alvo de campanha contrária de bolsonaristas nas redes. O Projeto de Lei 2.628/2022, que busca proteger crianças e adolescentes no ambiente digital, foi apelidado por eles de “PL da mordaça”. A Agência Pública mostra como influenciadores e parlamentares da oposição vêm usando as plataformas para atacar a proposta. A ofensiva começou com a influenciadora Bárbara Destefani, que classificou o texto como “PL da censura 2.0”. Em poucas horas, a hashtag foi multiplicada por perfis suspeitos de automatização e ganhou força com apoio do Partido Liberal e de deputados como Gustavo Gayer, que disse: “Mais uma vez a esquerda usa um problema grave para enfiar a censura no Brasil”. O projeto de lei também passou a ser descrito oficialmente pelo partido como “decreto de morte à liberdade de expressão”.
📮 Outras histórias
Em 39 anos, o Amazonas perdeu uma área alagada maior do que o município de São Paulo. Segundo o MapBiomas, entre 1985 e 2024, a perda no estado foi de 286 mil hectares de áreas alagadas. Em 2024, a superfície de água no estado foi de 4,81 milhões de hectares, 6% abaixo da média histórica. O Amazonas Atual lembra que, embora parte dessas áreas se regenere com as cheias, secas extremas e prolongadas, intensificadas por ações humanas, dificultam a recuperação. O desmatamento, a degradação florestal, as emissões de gases de efeito estufa e a construção de barragens alteram o regime dos rios, reduzem a infiltração de água no solo e aceleram o escoamento, provocando secagem mais rápida na estiagem. Apesar da pressão, o Amazonas ainda preserva 95% de sua vegetação nativa e fica atrás apenas do Amapá.
📌 Investigação
Apesar do imposto zero à carne aprovado na reforma tributária, o alimento não necessariamente será barateado, sobretudo porque não há mecanismos que obriguem o repasse da isenção. O “Lobby da Carne”, série investigativa d’O Joio e O Trigo, em parceria com a Fiquem Sabendo, revela como o lobby dos frigoríficos e associações do setor atuou em Brasília para garantir a isenção da carne apenas para benefício próprio. De 2023 a março de 2025, a indústria registrou 1.032 compromissos com autoridades do Executivo federal. As associações, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes e a Associação Brasileira de Proteína Animal, foram as que mais tiveram agendas, com 803 reuniões.
🍂 Meio ambiente
Cientistas lançaram ontem um documento com 18 propostas para a proteção da Foz do Amazonas, em convivência com a exploração de petróleo e gás na região. Durante um ano, 19 especialistas do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP) e do Museu Paraense Emílio Goeldi se reuniram no Grupo de Trabalho da Foz do Amazonas, com consulta a especialistas, lideranças tradicionais, gestores públicos e representantes da sociedade civil. Eles propõem a criação de um mosaico de áreas protegidas, entre unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável – que não impediram as atividades petrolíferas. Em entrevista a’O Eco, o pesquisador e professor da USP, Alexander Turra, um dos organizadores do GT, explica que a proposta tem o papel de “antídoto” à possível exploração na Foz do Amazonas. “Se essa for uma opção do governo brasileiro, que aconteça bebendo no aprendizado que a Ciência tem e que a gente consiga se preparar para que isso efetivamente traga desenvolvimento para a região, e não degradação. Então, a gente está trabalhando nesse cenário de exploração e se antecipando a ele.”
📙 Cultura
Tramita na Câmara de Vereadores de Salvador uma proposta para instalar uma estátua de Antônio Luís Alves de Souza, o Neguinho do Samba, no Pelourinho. Ele foi o criador do samba-reggae e fundador do Olodum, um dos grupos percussivos mais famosos do mundo, e da Didá Escola de Música, espaço de formação musical e cidadã para meninas e mulheres negras. Segundo o Bahia Notícias, além da estátua, há um projeto para tornar o samba-reggae, considerado uma das células-mãe do axé, Patrimônio Imaterial da Cidade de Salvador. “Isso é um brinde para a cultura percussiva da Bahia. Porque isso não só perpassa pelo Olodum, teve origem com o Neguinho do Samba, Mestre Jackson. Mas são os blocos que dão continuidade, os artistas que dão continuidade, os compositores. O samba-reggae hoje é um instrumento que sustenta uma cadeia produtiva muito gigante”, afirma o cantor, compositor, músico e capoeirista Tonho Matéria, ex-membro do Olodum e da banda Ara Ketu.
🎧 Podcast
Embora participem das produções audiovisuais mais famosas do mundo, os dubladores vivem como desconhecidos, sem tapetes vermelhos, fama e fortuna. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha no ofício de dublador, entre seus desafios, como a necessidade de sincronizar vozes e bocas em diferentes idiomas e a tradução adaptada para a cultura local. Até mesmo a rotina do trabalho é distinta: enquanto atores têm meses de preparação para um filme, o dublador normalmente descobre o que vai gravar apenas quando sua escala de trabalho é divulgada.
✊🏾 Direitos humanos
“Há entre os agentes uma naturalização da desigualdade social e jurídica, onde os negros – ou seja, pretos e pardos - constituem a maioria dos segmentos mais empobrecidos. Conforme o senso comum entre policiais, mortes e prisões de negros efetuadas pela polícia resultariam da desigualdade social que associa a criminalidade à pobreza”, afirma Lenin dos Santos Pires, pesquisador do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos, da Universidade Federal Fluminense, no Conversation Brasil. Ele estuda há dois anos como os policiais militares do Rio de Janeiro observam questões sobre racismo e os abusos da violência. “Os agentes da polícia não percebem os efeitos de suas ações como resultado de políticas racialmente concebidas pelo Estado. Os relatos dos participantes dessa minha pesquisa mostram que para eles a realidade de violência racial é meramente um resultado direto da desigualdade entre as classes sociais.”