O lobby no PL da adultização e a falta de visto humanitário para congoleses
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 O Senado deve votar nesta semana o PL 2628/2022, que aborda a proteção de crianças e adolescentes, sobretudo em ambiente digital. O texto volta à Casa após as mudanças aprovadas na Câmara dos Deputados, como o estabelecimento de procedimentos e exigências aos fornecedores dos aplicativos de internet. O Mobile Time informa que ainda não há relator definido para a proposta no Senado, mas o nome mais falado nos bastidores é o de Flavio Arns (PSB-PR). A Casa também criou na semana passada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Adultização para investigar crimes cometidos contra crianças e adolescentes.
🔸 A propósito: a aprovação do projeto na Câmara foi marcada por um “dia de lobby”. Às 17h do dia 20, a pauta oficial ainda não havia sido publicada. O deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), relator da proposta, passou o dia em reuniões: se encontrou com as bancadas evangélica e católica e com partidos como o Partido Liberal (PL) e o Progressistas (PP). A Agência Pública detalha os bastidores da aprovação e como o PL capitaneou a resistência ao projeto com argumentos que convergiam com os do Conselho Digital, uma associação de lobby das empresas de tecnologia que tem como membros Google, Meta, TikTok, Kwai e Discord. O PL e as big techs atuaram para que o texto aprovado delimitasse quem poderia notificar as plataformas: antes o projeto previa que qualquer pessoa poderia reportar o conteúdo danoso contra menores de idade, mas o texto final delimitou que apenas a vítima, seus representantes, o Ministério Público ou organizações de defesa dos direitos de crianças e adolescentes podem comunicar às plataformas.
🔸 “Não dá pra ganhar bilhões num ano e dizer que não é sua responsabilidade moderar certos tipos de conteúdo dentro do seu próprio ambiente digital, o qual você mesmo controla todos os aspectos. Também não dá pra se esconder atrás do escudo da liberdade de expressão, que é uma das coisas mais importantes numa democracia, mas não está acima de combater abuso sexual infantil”, escreve o jornalista Sérgio Spagnuolo. Em análise no Núcleo, ele explica a relação entre o lucro das big techs e a necessidade de segurança digital. “Quem tem mesmo os recursos (dinheiro, acesso a dados, controle de plataforma, equipe) para fazer esse tipo de supervisão digital são as plataformas. O Estado brasileiro (felizmente) não tem acesso aos sistemas do Google, da Meta e do TikTok – nem educadores, nem a imprensa, nem ninguém mais.”
🔸 As big techs, aliás, estão no centro da aliança entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os Estados Unidos para atacar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, segundo as mensagens reveladas pela Polícia Federal. O Aos Fatos mostra os benefícios mútuos dos ataques a partir das conversas de Bolsonaro com Martin de Luca, advogado do Rumble e da Trump Media, buscando deslegitimar as decisões judiciais do magistrado que envolvem a investigação contra o ex-presidente e também a regulação das plataformas.
📮 Outras histórias
“O pandeiro me fez e faz muito bem. Não tomo remédios, sou naturalista, e o pandeiro é como um remédio para mim. Saio daqui leve, sem pensar em nada, apenas na música, que amo. E me distraio completamente. As outras meninas que também estão aqui, me ajudaram muito”, afirma Célia Regina de Lemos Vilela, de 74 anos, que participa do Grupo Pipoca com Coco. A Entre Becos conta que a iniciativa reúne semanalmente, no Engenho Velho de Brotas, bairro da periferia de Salvador, mais de 30 mulheres da terceira idade para aprender a tocar instrumentos, fortalecer a autoestima e se empoderar, além de criar momentos de socialização e convivência. “É um momento de descoberta, de desenvolver novas habilidades e as nossas potencialidades, principalmente nessa fase da vida, quando muitas acreditam que já não há mais o que fazer. Entretanto, ainda é possível se desafiar, aprender, tocar e perceber que há condições de realizar muito mais coisas”, diz Ava Avacy Maria dos Santos, de 67 anos. Ela nunca havia tocado nenhum instrumento e hoje domina o pandeiro com uma variedade de músicas e de ritmos, como o samba e o ijexá.
📌 Investigação
O Brasil nega visto humanitário à República Democrática do Congo (RDC) apesar de o país enfrentar uma guerra que dura três décadas, com mais de 7 milhões de deslocados internos – vítimas da violência extrema. Na embaixada brasileira em Kinshasa, congoleses só têm acesso a vistos de turismo e trabalho. Embora a lei migratória do Brasil preveja a concessão de visto de acolhida humanitária para cenários de conflito, a política ainda não inclui a RDC. A Alma Preta mergulha nos motivos para a ausência dessa medida, o racismo em atendimentos da Polícia Federal e a “falta de pressão da sociedade”, nas palavras da diplomata Irene Gala, reconhecida pela defesa das relações do Brasil com países africanos. “Nós sabemos dos milhões de mortos no Congo numa guerra que se prolonga há anos. Mas a maneira como o sistema internacional normalizou [a guerra na RD Congo] faz com que não haja comoção. Essa guerra não ganhou as ‘headlines’ [manchetes, em inglês] no Brasil, nem no mundo.”
🍂 Meio ambiente
A suspensão preventiva do acordo que proibia a compra de soja cultivada em áreas desmatadas da Amazônia após 2008, conhecida como Moratória da Soja, foi determinada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) após pressão da bancada ruralista. Segundo a Repórter Brasil, ambientalistas criticam a medida como “um tiro no pé”: “Os ataques à Moratória da Soja não são técnicos. Eles são políticos e favorecem justamente quem mais lucra com a destruição da Amazônia”, afirma Cristiane Mazzetti, coordenadora de florestas do Greenpeace Brasil. Estudo do Grupo de Trabalho da Soja aponta que o acordo reduziu em 69% o desmatamento nos municípios monitorados até 2022, mesmo que a área de cultivo de soja na Amazônia tenha crescido 344%. O Ministério do Meio Ambiente expressou preocupação com a decisão, que pode impactar os objetivos da COP30 e da meta brasileira de desmatamento zero até 2030.
📙 Cultura
Entrelaçando autoficção e realismo mágico, a escritora Natália Marques retrata o impacto do câncer em sua família por meio da obra “Sete Centímetros”, finalista do Prêmio Carolina Maria de Jesus. Inspirada pela descoberta da doença no fígado de sua mãe, a autora divide o livro em duas partes: “A morte”, momento do diagnóstico da doença, e “A vida”, reconstrução emocional da protagonista. Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, Natália conta que escreveu “em luto” e que o livro surgiu como forma de responder às perguntas sobre elaboração desse sentimento: “Por dois anos, convivi com o câncer no fígado de minha mãe e com as diversas dúvidas que ele me trouxe, dia após dia. Em luto, resolvi responder algumas dessas perguntas, em forma de arte e ficção.” A autora trabalhou o texto por cinco anos, que contou com mais de oito versões até o resultado final.
🎧 Podcast
Uma viagem no tempo e no espaço à procura da ancestralidade, do encontro do Brasil com a África e das histórias que se repetem. No “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, os escritores Bianca Santana e Ernesto Mané discutem seus lançamentos literários que exploram a busca por identidade, ancestralidade e pertencimento. O romance “Apolinária” foi inspirado na história da avó de Santana, que migrou do interior da Bahia para São Paulo na década de 1950. Já no livro híbrido “Antes do Início”, Mané relata sua viagem à Guiné-Bissau para conhecer a família paterna, reconectando-se com suas raízes africanas. O diálogo transita entre o presente e outras gerações: “Além da Apolinária em primeira pessoa, tem a voz da Bianca, neta dela, que vai contando a história da avó com um olhar mais crítico, mas também de forma muito saudosa e respeitosa. É um diálogo entre gerações”, afirma Santana.
✊🏾 Direitos humanos
Práticas como tortura, abandono institucional, uso de contenção física e química sem respaldo clínico e isolamento punitivo ainda persistem em manicômios judiciários brasileiros, segundo relatório do Conselho Federal de Psicologia (CFP) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Colabora revela que a inspeção percorreu 42 instituições no país e apontou falhas estruturais, superlotação e negligência alimentar, em desacordo com a Lei da Reforma Psiquiátrica. A presidente do CFP, Alessandra Almeida, aponta que o relatório “é um documento histórico e urgente. Uma denúncia pública e técnica que escancara o que o Brasil insiste em esconder atrás dos muros e das grades dos estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico”. Apesar do cenário crítico, o estudo também registrou avanços com a desinstitucionalização, já em curso em 11 estados, que investem em Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e outras unidades da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).