O levante popular nas ruas de Belém e a proteção da infância ribeirinha
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🔸 No discurso de abertura da COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou os investimentos em guerras, superiores ao que são direcionados para a crise climática. “Se os homens que fazem guerra estivessem aqui iriam perceber que é muito mais barato colocar US$ 1 bilhão para acabar com o problema climático do que colocar US$ 2 trilhões para fazer guerra como fizeram no ano passado”, afirmou. O Eco detalha o discurso de Lula, que defendeu o foco na adaptação climática, o combate à desinformação e a criação de um conselho global do clima na Organização das Nações Unidas (ONU). Uma vitória para a COP30, a agenda de negociações foi aprovada logo na abertura. Já o balanço das NDCs (sigla em inglês das Contribuições Nacionalmente Determinadas) ficou fora do programa formal e seguirá em consultas.
🔸 A COP de Belém pode mencionar pela primeira vez os direitos de afrodescendentes em documentos oficiais do clima. Rascunhos já citam “pessoas de ascendência africana” na transição justa e incluem “mulheres e meninas de ascendência africana” no programa de gênero e clima. A Sumaúma explica que o movimento negro brasileiro, que aumentou sua pressão sobre os negociadores desde a COP28, quer incluir os afrodescendentes como um grupo prioritário no principal documento sobre a adaptação a um mundo mais quente. Por causa da desigualdade com raízes históricas, essa população está entre as que mais sofrem os impactos da mudança climática. No Brasil, 18% das favelas, predominantemente negras, estão em regiões de risco climático, em comparação à média de 3% quando é levado em conta todo o espaço das cidades.
🔸 Apesar da presença recorde de cerca de 2,5 mil indígenas na COP30, só 14% conseguiram credenciamento para a Zona Azul, espaço de decisão na conferência. Sem a credencial, os indígenas não têm direito a discurso, voto ou participação em reuniões fechadas. A InfoAmazonia detalha as demandas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que cobra maior representatividade e quer incluir a demarcação de terras nas NDCs do Brasil como política climática. “Nossa mensagem central é mostrar que a demarcação e a proteção territorial são políticas de enfrentamento à emergência climática. Isso precisa não só ser reconhecido, mas posto em prática pelos grandes líderes globais, principalmente no nosso caso, o Brasil”, diz Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
🔸 A propósito: a Funai está trabalhando por mais demarcações de terra e tem expectativa que a COP traga anúncios positivos. É o que afirma Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), 29 terras indígenas já reúnem todas as condições para serem homologadas e aguardam apenas a assinatura presidencial. A Repórter Brasil lembra que, desde 2023, foram homologadas 16 terras indígenas, mas o ritmo é considerado insuficiente por lideranças indígenas. “A COP é o momento de mostrar que existem boas práticas que precisam ser financiadas, como o manejo sustentável, e que os povos indígenas merecem o compromisso efetivo das partes que estão aqui”, afirma a presidente da Funai.
🔸 Movimentos sociais preparam um levante popular nas ruas de Belém durante a COP30, que segue até o próximo dia 21. Trata-se da Cúpula dos Povos por Justiça Climática, um movimento global e autônomo à COP30 que reúne coalizões, coletivos, redes, movimentos sociais e populares, e organizações da sociedade civil. Em Belém, a mobilização é formada por indígenas, quilombolas, ciganos, comunidades tradicionais e movimentos do campo e da cidade. O Colabora conta que eles criaram a “Street Zone” em contraponto à Blue Zone e à Green Zone, áreas oficiais do evento. Um dos objetivos é entregar uma declaração final ao presidente da conferência, André Corrêa do Lago. “A Cúpula dos Povos pretende se consolidar como contraponto às falsas soluções e ao silenciamento das vozes populares diante da extrema direita e da captura corporativa dos espaços de negociação multilateral”, diz a cientista política Maureen Santos.
🔸 O agronegócio articulou uma “campanha de guerra” para moldar a opinião pública no ano da COP30. Entre março e outubro passado, foram quase 20 eventos, lobby intensificado por JBS e Marfrig e alianças com mídia e redes, para ampliar a influência do setor e apresentá-lo como parte da solução para a crise climática. O Intercept Brasil teve acesso ao novo relatório “A Agenda da Carne – Excepcionalismo Agrícola e Greenwashing no Brasil”, da Fundação Changing Markets, que investiga práticas corporativas irresponsáveis. O documento aponta quatro objetivos do agro na COP30: projetar o setor como “sustentável”, sabotar ações efetivas, buscar financiamento público e influenciar o debate climático. O agro ainda pressiona por metodologias que minimizem o metano, apesar de a agricultura responder por cerca de 75% das emissões do gás no país.
📮 Outras histórias
Há um abismo entre os índices oficiais e a vida real nas periferias de São Paulo. Se o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento aponta atendimento urbano de água em 100% e coleta de esgoto em 99,38%, bairros de Parelheiros, como o Jardim Manacá da Serra, no extremo sul da capital paulista, seguem sem rede formal e recorrem a poços, caminhões-pipa e ligações improvisadas. A Periferia em Movimento mostra o que enfrentam os moradores para contornar a falta de água. “Aqueles que têm água, dividem. Têm também os que vão buscar água em outro bairro, levam roupas para lavar na casa de amigos, de parentes. É inacreditável que a gente [passe por isso] morando ao lado de duas represas”, diz a líder comunitária Alciete Araújo Silva, conhecida como Tata Silva.
📌 Investigação
Sob a fachada de estudo da natureza, o Projeto Ecológico de Belém (BEP, na sigla em inglês) pode ter escondido uma operação militar dos Estados Unidos na Amazônia durante a ditadura. O BEP era um programa totalmente desconhecido pela historiografia brasileira e as primeiras descobertas são da pesquisadora Laura de Oliveira Sangiovanni. Entre os achados, está a informação de que milhares de aves amazônicas teriam sido testadas com vírus que seriam usados como armas biológicas. A Agência Pública revela como o laboratório norte-americano teria operado na região: os pássaros eram capturados, inoculados com vírus, monitorados, mortos (possivelmente a tiros – os orçamentos incluíam verbas para armas e munição), taxidermizados e enviados para Washington, onde há centenas de aves amazônicas empalhadas no Museu Nacional de História Natural Smithsonian Chris Milensky.
🍂 Meio ambiente
O Brasil tem condição de zerar suas emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2040, uma década antes da meta oficial. É o que mostra o estudo “Brazil Net-Zero”, coordenado pelo Instituto Amazônia 4.0, que reúne pesquisadores de diferentes instituições, como as universidades de São Paulo (USP), de Brasília (UnB) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Entre eles, o cientista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas na emergência climática. Segundo a Agência Bori, a pesquisa propõe dois caminhos para acelerar a neutralidade de carbono: AFOLU-2040 (baseado em agricultura, florestas e uso da terra) e Energy-2040 (centrado na transição energética). O primeiro tem como prioridade zerar o desmatamento até 2030 e ampliar reflorestamento e restauração, estimulando a agricultura regenerativa e manejo integrado do solo. Já o segundo se baseia em uma transformação profunda da matriz energética, com forte redução do uso de petróleo, eletrificação e descarbonização do transporte e da indústria.
📙 Cultura
Na terra de Graciliano Ramos e Lêdo Ivo, as editoras independentes são o coração da difusão e democratização da leitura e garantem que Alagoas carregue uma tradição literária ainda pulsante. Elas priorizam o acesso tanto de autores quanto de leitores, sobretudo de narrativas de grupos historicamente marginalizados. “As editoras independentes são as principais responsáveis pela divulgação de novos autores, pela abertura e pelo acesso, que se ampliaram bastante nos últimos anos”, afirma a escritora alagoana Ana Maria Vasconcelos. A Revista Alagoana mergulha no universo das editoras, livrarias e projetos literários no estado. “Damos prioridade à contratação de profissionais locais sempre que possível, especialmente diagramadores e capistas, sendo que cerca de 90% das artes dos livros são feitas por artistas de Alagoas”, relata Jean Albuquerque, cofundador da Loitxa Lab, editora independente que atua para publicar artistas negros de Maceió.
🎧 Podcast
“Quando o discurso de ódio é autorizado pela instância máxima do país, não tem como controlar onde ele vai aparecer”, diz o jornalista Jamil Chade, com ampla trajetória como correspondente internacional. Durante a eleição de Donald Trump no ano passado, sua família vivia em Nova York, e a experiência de seu filho, à época com 11 anos, foi o ponto de partida de seu novo livro “Tomara que Você Seja Deportado”. A obra aborda xenofobia, imigração e ascensão da extrema-direita globalmente, e o título vem da frase que o filho do jornalista ouviu de um colega de escola. As Cunhãs conversam com Chade sobre suas vivências no exterior, as relações internacionais e os impactos de fenômenos geopolíticos no cotidiano. Ele reforça também o uso da desinformação como uma arma de poder.
✊🏾 Direitos humanos
“Precisei de acompanhamento psicológico para viver na cidade. Isso porque o choque cultural é muito grande: toda a natureza ao meu redor se transformou em concreto”, afirma Luciene Gemaque, uma das fundadoras das Guardiãs do Cacau, grupo de oito mulheres da comunidade ribeirinha de Acará-açu, no Pará. Por meio do cacau, em um sistema agroflorestal, elas buscam fortalecer a economia local, manter a floresta em pé e garantir as infâncias no território. “Não gostaria que as crianças tivessem que sair daqui para vislumbrar um futuro.” O Lunetas narra a atuação das Guardiãs do Cacau em prol do afeto e da alimentação das crianças da comunidade. Para produzir o chocolate, o revezamento em turnos permite que todas trabalhem sem abdicar do convívio comunitário ou da maternidade. “Não se pode exigir que as mulheres trabalhem oito horas por dia, como na cidade. A maioria tem filhos”, ressalta Luciene. Além de uma fonte de diversificação de renda, ela afirma que a capacitação promovida é uma esperança de permanência na comunidade e de preservação dos modos de vida ribeirinhos.




