A lei que endurece penas de crimes sexuais e a desertificação na Caatinga
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🔸 A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) decidiu ontem soltar o deputado estadual Rodrigo Bacellar (União Brasil), presidente da Casa. Ele havia sido preso pela Polícia Federal na semana passada, sob suspeita de ter vazado informações sigilosas da operação da PF que levou à prisão do ex-deputado Thiego Raimundo dos Santos Silva, o TH Joias, em setembro. A prisão de Bacellar foi revogada com um placar de 42 votos favoráveis, 21 contrários e duas abstenções. O Jota explica que a decisão se apoia no artigo 102 da Constituição fluminense, que prevê revisão em 24 horas de prisões de deputados, e também em entendimento do Supremo Tribunal Federal. Em 2019, a Corte estendeu às assembleias estaduais imunidades previstas na Constituição Federal, incluindo o poder de sustar prisões e ações penais contra parlamentares. A Alerj já havia tomado decisões semelhantes em 2017, ao revogar as prisões de Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi.
🔸 O presidente Lula (PT) sancionou a lei que endurece penas e amplia a proteção a vítimas de crimes sexuais no Brasil. Entre as mudanças, o estupro de vulnerável passa a ter penas entre dez e 40 anos de reclusão. Foi criado ainda o crime de descumprimento de medidas protetivas, punido com dois a cinco anos de prisão. A CartaCapital detalha a lei, que prevê coleta obrigatória de DNA de investigados e condenados por crimes sexuais, além de medidas de urgência como o afastamento do agressor, o monitoramento eletrônico e as restrições de contato.
🔸 A propósito: 68% das vítimas de feminicídio no país são mulheres negras, segundo a pesquisa “Quem são as mulheres que o Brasil não protege?”. Entre 2015, ano de criação da Lei do Feminicídio, e 2024, os registros cresceram 176%, chegando a 1.455 mortes no ano passado. O Notícia Preta destaca que as mortes de mulheres brancas por motivo de gênero tiveram leve declínio, enquanto as de mulheres pretas e pardas aumentaram, evidenciando o recorte racial da violência. Os dados indicam ainda possível subnotificação pela falta de investigação em toda morte violenta envolvendo mulheres – de 3.500 a 4.000 mortes violentas de mulheres por ano, cerca de 2.500 são classificadas como feminicídio.
🔸 O Kwai recomenda cenas de violência contra a mulher, em descumprimento às próprias regras. Em uma hora de navegação com uma conta recém-criada, o Aos Fatos recebeu da plataforma recomendações de 42 vídeos com conteúdos violentos após buscas por termos como “mulher apanha” e “homem bate”. Desse total, 33 continham agressões e feminicídios, somando mais de 23 milhões de visualizações. Especialista em misoginia na internet, Mariana Valente afirma que a lógica da atenção e a falta de moderação alimentam a naturalização da violência: “As plataformas digitais contribuem com esse processo quando não moderam conteúdo ou empurram esse tipo de conteúdo para os usuários”. Em tempo: só em 2025, 3,7 milhões de mulheres sofreram violência doméstica no país; em 2024, foram registrados 1.492 feminicídios, a maioria dentro de casa e cometidos por companheiros ou ex-companheiros.
🔸 Em tempo: no domingo, o movimento Levante Mulheres Vivas organizou atos em ao menos 90 cidades de 20 estados e no Distrito Federal, em reação ao aumento de feminicídios no país. O Colabora conta que o maior protesto ocorreu na Avenida Paulista, em São Paulo, com mais de 10 mil pessoas, marcado pela lembrança de casos recentes: o assassinato da farmacêutica Daniele Guedes Antunes, de 38 anos, em Santo André, e a morte de Milena de Silva Lima, de 27 anos, em Diadema, ambas atacadas por ex-companheiros. Os atos levaram às ruas críticas à omissão do Estado, pedidos de penas mais duras e políticas efetivas de proteção, com forte destaque para o impacto sobre mulheres negras.
📮 Outras histórias
Em meio à escalada da violência de gênero no país, Santos (SP) transformou o programa de defesa pessoal feminina Eu Me Defendo em política pública permanente. A nova lei torna obrigatória a oferta de aulas práticas gratuitas de autodefesa para mulheres, em uma cidade onde elas são maioria: 54,68% da população, segundo o IBGE. O Juicy Santos explica que, com a nova política pública, os treinamentos de defesa pessoal se integram à rotina dos serviços municipais de forma contínua. As aulas são associadas a ações de assistência social, acolhimento e encaminhamentos. A lei também prevê parcerias com ONGs e grupos especializados e determina que a prefeitura monitore e avalie o programa a cada seis meses.
📌 Investigação
Com discurso parecido ao da Escola Sem Partido, a organização De Olho no Material Escolar tenta mudar a maneira como o agronegócio é retratado nas escolas públicas: contesta fatos e pesquisas consolidados e dados oficiais sobre mudanças climáticas, desmatamento e uso de agrotóxicos. Apesar de ter sido criada em São Paulo, a iniciativa se espalha pelo Rio Grande do Sul, onde tem promovido palestras e busca apoio do governo estadual para implementar o programa Mestres do Agro, que consiste em uma formação para professores da rede pública. O Matinal mergulha na atuação da organização no estado. Lá, 18 cidades já estão envolvidas nas atividades, com a participação de mais de 3 mil alunos e professores.
🍂 Meio ambiente
Dezoito por cento do território brasileiro está suscetível à desertificação. Segundo diretrizes das Nações Unidas, o enfrentamento deve ir além da recuperação ambiental e promover mudanças estruturais nos territórios, com participação social, valorização dos saberes locais e fortalecimento da resiliência comunitária. Segundo a Eco Nordeste, a Caatinga é um dos biomas mais ameaçados, com um estado de degradação crítica e severa, como consequência do processo histórico-colonial de ocupação do território. “O modelo econômico atual, baseado em commodities e grandes empreendimentos, tem agravado a crise. Usinas eólicas e solares mal planejadas, agronegócio, monoculturas irrigadas e mineração intensiva ocupam o território sem respeitar limites ambientais nem as comunidades locais”, afirma Aldrin Marin, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido e um dos autores do Boletim Desertificação.
📙 Cultura
As ações policiais contra bailes funk não reduzem crimes, apenas reforçam a criminalização da cultura negra periférica. Um relatório produzido por pesquisadores, pela Defensoria Pública e por familiares das vítimas do Massacre de Paraisópolis mostrou que bairros ricos, onde não há bailes funk, têm o mesmo número de ocorrências de crimes patrimoniais e contra a vida que Paraisópolis. Em artigo na Ponte, a jornalista Jessica Santos destaca que o funk segue o mesmo caminho de outros gêneros negros e periféricos, como samba e rap: o da perseguição. “O funk em si, a música, não é caso de polícia. Os bailes funk são eventos em que uma juventude marginalizada pelo centro encontra nas músicas ecos de sua realidade. É uma cultura periférica que carece de incentivo, política pública, espaços seguros e apoio.”
🎧 Podcast
“Eu morava na zona rural, muito longe. Ler foi uma descoberta de outros mundos, outras narrativas – de que o mundo não era fechado ali na minha fazenda, que não era minha”, afirma a poeta, pesquisadora e tradutora Nina Rizzi, autora da recém-lançada coletânea “Diáspora Não É Lar”. Na primeira parte da obra, ela dedica cada seção a uma uma língua ou dialeto, como o “pretuguês” e outros registros mais orais. Na segunda parte, resgata sua experiência de tradutora em poemas escritos a partir de “traduções críticas”. No “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, Rizzi fala sobre como a leitura transformou sua vida e como enxerga o trabalho de tradução. “Me interessam essas línguas que talvez sejam como a minha língua também. Uma língua mais quebrada, uma língua mais torta, que é cearense, que é paulista, muito marcada por acentos. Uma língua marcada pela história.”
🙋🏾♀️ Raça e gênero
A violência política de gênero em ambiente digital tem respostas analógicas e pontuais que não abrangem o fenômeno por completo. Para identificar o padrão de ataques, o estudo inédito “Violência de Gênero Facilitada pela Tecnologia contra Mulheres na Política no Brasil” analisou mais de 6 mil mensagens de grupos políticos, conspiracionistas e neonazistas no Telegram, entrevistou 28 mulheres políticas de diferentes espectros ideológicos e revisou documentos oficiais dos partidos políticos no país. A Agência Lupa detalha a pesquisa, que identificou seis tipos de violências contra as mulheres em mídias sociais: ataques baseados na identidade, em estereótipos de gênero, ataques à aparência e/ou personalidade, baseados em juízo moral, ataques à competência/capacidade de governar e ao alinhamento ideológico. O estudo mostrou que as violências não acontecem apenas no período eleitoral – este apenas as intensifica.




