O julgamento do Marco Civil da Internet e o desmatamento na BR-319
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 No julgamento do Marco Civil da Internet, o ministro André Mendonça indicou ontem que deve votar por manter o artigo 19, ou seja, vai defender que tudo permaneça como está: as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas se descumprirem decisão judicial para remoção de conteúdo. Segundo o Metrópoles, o magistrado informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que precisaria de dois dias para ler seu extenso voto. Este será, aliás, o primeiro voto divergente dos ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux, que consideram o artigo 19 inconstitucional. O julgamento ficou parado por seis meses após pedido de vista de Mendonça. Enquanto o Planalto pressiona por uma decisão rápida, a semana tem sido marcada pela intensa atuação de lobistas das big techs em Brasília.
🔸 “Por si só, mentir é errado, mas não é crime”, disse André Mendonça. No voto, o ministro afirmou ainda que existe uma dificuldade em estabelecer o que seja a própria verdade. Por isso, seria inadequado solucionar problemas complexos apenas por meio de uma norma jurídica. O Jota detalha o voto de Mendonça e destaca que ele defendeu a liberdade de expressão como direito preferencial e alertou contra exageros regulatórios: “A depender do remédio e da dose, a tentativa de conter o sintoma pode agravar a doença”.
🔸 Um grupo de trabalho do governo federal recomendou que data centers no Brasil operem exclusivamente com energia não fóssil e adotem métodos de resfriamento mais eficientes. Criada para elaborar uma Política Nacional de Data Centers (PNAC), a equipe interministerial quer que essas estruturas usem sistemas de resfriamento mais eficientes, a fim de reduzir o impacto ambiental. O Núcleo explica que o plano prevê até R$ 2 trilhões em investimentos na próxima década, com incentivos fiscais para atrair empresas de inteligência artificial. Apesar da promessa de desenvolvimento, o relatório do grupo de trabalho admite que os centros consomem muita água e energia e geram poucos empregos. Além disso, ao menos cinco projetos já estão em áreas com histórico de crise hídrica.
🔸 Responsável por transformar a Serra da Capivara, no Piauí, em um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo, Niède Guidon conduziu estudos que mudaram a compreensão sobre a ocupação das Américas, com evidências de presença humana há mais de 50 mil anos, muito antes do que se acreditava até então. Nas palavras do presidente do Iphan, Leandro Grass: “A história do patrimônio cultural brasileiro se divide entre antes e depois de Niède Guidon, uma referência da cultura e da ciência em nosso país, que abriu caminhos para milhares de pessoas que se sentiram chamadas a preservar nossa memória”. O Eco revê a trajetória da arqueóloga que lutou pela criação do Parque Nacional da Serra da Capivara (1979) e da Fumdham (1986), que garantiram a preservação e o desenvolvimento local. Niède Guidon morreu ontem, aos 92 anos, vítima de um infarto em sua casa, em São Raimundo Nonato, no Piauí.
🔸 Para lembrar: “Em arqueologia você não pode descobrir uma coisa e achar que aquilo é a verdade definitiva. Não. Tudo está escondido e é por isso que eu gosto da arqueologia. Nunca se sabe o que vai acontecer amanhã”. Em 2020, a arqueóloga narrou a própria trajetória em entrevista ao Colabora. Niède contou como foi perseguida depois do golpe de 1964 e exilada na França, onde consolidou sua carreira. Retornou ao Brasil com apoio de uma missão arqueológica francesa e, desde os anos 1970, liderou escavações por aqui. Apesar do reconhecimento internacional, enfrentava abandono do poder público, perdas de patrocínio e dificuldades de manutenção. Mesmo com limitações de saúde, seguia ativa e determinada: “Ainda tem muita coisa para descobrir aqui”.
📮 Outras histórias
A Câmara de Vereadores Vitória da Conquista (BA) aprovou o uso da Bíblia como material de apoio nas escolas municipais. Dos 18 vereadores presentes, apenas um foi contrário ao projeto. O Conquista Repórter conta que, desde que entrou em pauta no Legislativo municipal, o projeto é alvo de críticas de movimentos sociais e entidades ligadas à educação. Mais de dez organizações assinaram um documento pedindo o arquivamento da proposta na Câmara e explicando que o uso da Bíblia pode gerar constrangimento e desrespeito à diversidade religiosa. “A escola deve ser um ambiente de ensino e aprendizagem que respeite as crenças e a fé de cada indivíduo singular”, diz a carta. Durante a votação do texto, o autor da proposta, o vereador Edivaldo Ferreira Júnior (PSDB), afirmou que “o estado é laico, mas não é ateu”.
📌 Investigação
Especializado em “ativos imobiliários estressados”, o grupo Enforce, empresa do Banco BTG Pactual, compra imóveis grilados sobrepostos a comunidades tradicionais na Bahia. Embora o conceito de “imóvel estressado” seja usado para fazer referência às propriedades inadimplentes ou com outros problemas financeiros, o termo tem sido usado também para propriedades envolvidas em conflitos fundiários. O Joio e O Trigo revela que três fazendas adquiridas pelo Enforce estão nessa situação e tiveram suas matrículas bloqueadas pela Justiça. No entanto, a principal estratégia dessa financeirização envolve o “desestresse” do ativo – em que as empresas conseguem “limpar” a terra para que a propriedade retorne ao mercado com uma grande valorização.
🍂 Meio ambiente
Imagens de Satélite e dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) estava certa em suas afirmações no Senado sobre o desmatamento ilegal na extensão da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A reconstrução da rodovia é considerada uma das principais ameaças à floresta. Com o PL 2.159/2021, conhecido como “PL da devastação”, que tramita no Congresso, a obra poderá ser liberada sem passar por licenciamento ambiental. Segundo a InfoAmazonia, a estrada atravessa uma área de floresta preservada entre os rios Purus e Madeira, onde estão 69 terras indígenas e 41 unidades de conservação. Entre 2019 e 2022, o desmatamento explodiu na BR-319, com um aumento de 144%, saltando de 19 mil para 46 mil hectares. Em 2023, com o retorno de Marina Silva à pasta, o desmate no entorno da rodovia diminuiu para 13 mil hectares em 2024.
📙 Cultura
Embora esteja entranhado no português brasileiro, por pouco o tupi não acabou, vítima do descaso do Estado com as línguas indígenas. Sua sobrevivência se deu pelo trabalho de pesquisadores que, junto aos povos originários, buscaram conhecê-las e documentá-las. É o caso do professor e linguista Nilson Gabas Júnior, diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi. Há quase 20 anos, o pesquisador iniciou seu projeto com visitas ao povo Arara, em Ji-Paraná, em Rondônia. Em artigo n’O Varadouro, o jornalista Montezuma Cruz resgata o processo de salvaguarda de línguas indígenas. “O Brasil tem dificuldades em lidar com línguas em extinção. Percebi essa situação no apelo que me fazia o padre Cassimiro Beksta, em Manaus, quando viajei para a divisa do Amazonas com o Acre e Rondônia, em 1981, a fim de visitar indígenas Kaxarari. ‘Você vai conhecer um tesouro da linguística’. Foi ele, o autor da única cartilha a respeito do modo de falar dessa gente.”
🎧 Podcast
Desde 1960, a engenheira agrônoma, pesquisadora e professora Ana Primavesi já tinha respostas e conhecimentos para enfrentar a atual crise climática. Pioneira em agroecologia no país, ela foi fundamental para os estudos revolucionários sobre agricultura orgânica, enquanto a monocultura e o uso de agrotóxicos e de transgênicos se expandiam. O “Narrando Utopias”, produção do Portal Catarinas, resgata a história de Primavesi, uma baronesa austríaca que sobreviveu ao campo de concentração na Segunda Guerra Mundial e se radicou no Brasil, onde trabalhou na recuperação de solos degradados e disseminou ensinamentos sobre a relação entre uso do solo, saúde humana e desregulação do clima.
👩🏽🏫 Educação
“A carreira docente passou por uma espécie de degradação. O professor saiu do papel de intelectual para um aplicador de currículo”, afirma Ricardo de Jesus Lopes, professor de Filosofia e coordenador pedagógico. Um levantamento do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior de 2022 aponta que, em 2040, o déficit de professores da educação básica pode chegar a 235 mil profissionais. O “apagão de docentes” é atribuído ao desinteresse dos jovens em seguir na carreira, ao envelhecimento do corpo docente e ao abandono da profissão devido às condições de trabalho. A Agência Mural mostra como professores das periferias de São Paulo têm desistido de exercer a profissão em escolas estaduais. Os erros nos materiais didáticos e sua “plataformização” estão entre as principais queixas. “Não tem uma preocupação com conteúdo, com intelectualização do jovem, com pensamento crítico, é uma coisa muito tecnicista”, afirma o professor de História Vinicius Henrique Tavares.