O julgamento do caso Evaldo e os terreiros de Itaparica sob ameaça
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🔸 Os militares envolvidos no assassinato do músico Evaldo Rosa, morto com nove tiros de fuzil em 2019, tiveram a pena reduzida para três anos de prisão, em regime aberto. Com a decisão do Superior Tribunal Militar (STM), nenhum dos oito acusados será preso. A CartaCapital lembra que o segundo-tenente Ítalo da Silva Nunes havia sido condenado a 31 anos de prisão na primeira instância, em 2021, e os demais receberam uma pena de 28 anos. Agora, o voto do ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira foi acompanhado por outros 15 magistrados. Segundo eles, os militares agiram por legítima defesa putativa, pois acreditavam estar sob fogo. Já a futura presidente da Corte Militar, a ministra Maria Elizabeth Rocha foi a voz dissonante no julgamento: ela votou por manter a condenação dos agentes do Exército. “No total, foram efetuados 257 disparos, o que afasta qualquer possível alegação de legalidade, de licitude ou proporcionalidade no uso da força pelo Estado. E ratifica a violência estatal contra um grupo determinado de pessoas já marginalizadas. Lamentavelmente, o corpo negro é um alvo”, afirmou a ministra.
🔸 Luciana dos Santos Nogueira, viúva de Evaldo Rosa, estava no carro fuzilado pelos militares em 7 de abril de 2019. O veículo foi atingido por 62 disparos. O músico morreu na hora. O catador Luciano Macedo, que parou para tentar ajudar Evaldo, também foi fuzilado e morreu 11 dias depois. “Aquele dia, eu costumo dizer que eu não vou esquecer nunca mais. Um dia que vou levar comigo até o resto da minha vida”, diz Luciana. Ela viajou do Rio de Janeiro para Brasília a fim de acompanhar o julgamento. Em entrevista à Agência Pública, ela conta que, embora tenha seus próprios traumas, é o filho, Davi Bruno, quem mais sofre: “Meu filho hoje em dia uma criança tem um sorriso sem brilho, uma criança que tem seus altos e baixos”.
🔸 Desde a posse do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), os assassinatos cometidos por agentes do Estado saltaram de 355 para 702, segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo. A maioria das vítimas são pessoas negras e periféricas. A Alma Preta conversa sobre a letalidade policial com Juliana Borges, coordenadora de advocacy da Iniciativa Negra por uma Nova Política Sobre Drogas. Ela destaca que “a desproporção racial nas vítimas reflete padrões estruturais de racismo” e lembra que as “operações policiais violentas em territórios periféricos reforçam uma lógica de guerra que trata essas áreas como zonas de combate”.
🔸 “Onde está o Ministério Público? Onde estão os órgãos civis de proteção aos direitos garantidos pela Constituição? Onde está a Justiça, que falha ao não punir esses policiais que cometem violências contra a população que paga os seus salários?”, questiona Jessica Santos, em artigo na Ponte. A jornalista afirma que a população pobre e periférica tem feito o “‘controle externo’ mais contundente das polícias ao gravar e produzir provas da violência da atuação policial cotidiana nesses territórios”. Câmeras corporais, inicialmente defendidas pelas chefias policiais, passaram a ser atacadas quando expuseram abusos. No artigo, ela também alerta para o empoderamento político de policiais no Legislativo, que atuam para promover medidas que dificultam o controle civil – caso da ouvidoria das polícias proposta pelo secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite.
📮 Outras histórias
Na Academia Rio-Grandense de Letras, o racismo marcou a noite de entrega de prêmios literários. Em seu discurso, o presidente da entidade, Airton Ortiz, exaltou a imigração alemã e italiana como razão para o pioneirismo da academia de letras do Rio Grande do Sul, em contraste com a “origem ligada à escravidão” de outros estados. O silêncio da plateia e a falta de reação incomodaram a escritora Eliane Marques, autora do livro “Louças de Família”, premiado como melhor narrativa longa. No palco, ela reagiu: pediu uma retratação pública da entidade. Em entrevista ao Sul21, ela conta que, no dia seguinte, questionou-se se deveria ter reagido: “Isso também é um efeito do racismo. A pessoa negra que reagir, depois se sente nesse lugar incômodo, nesse lugar medroso, nesse lugar que não quer nem sair de casa pelo que aconteceu. Então, isso também é muito ruim. É preciso que as pessoas brancas se levantem e falem com seus pares, porque são seus pares brancos que criaram o racismo e que estão sustentando o racismo ainda hoje”.
📌 Investigação
A ponte entre Salvador e Ilha de Itaparica, na Bahia, ainda não existe, mas já afeta terreiros de matriz africana históricos: as comunidades já são alvo de violência e especulação imobiliária devido à sondagem do empreendimento. O Intercept Brasil teve acesso ao Relatório de Avaliação de Impacto do Patrimônio Imaterial, encomendado pelo governo da Bahia. O documento mostra que mais de cem terreiros podem ser afetados, inclusive dois que são tombados como patrimônios: o Ilê Tuntun Olukotun, de 1850, e o Omo Ilê Agbôula, de 1940. Embora as comunidades de culto de matriz africana sejam consideradas povos tradicionais pelas legislações federal e estadual, elas não tiveram direito à consulta prévia, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
🍂 Meio ambiente
Em uma das regiões mais desmatadas da Amazônia, agricultores de Altamira (PA) lutam para reverter a lógica de uso de agrotóxicos e mostram como plantar vegetais orgânicos é uma forma de combater a emergência climática. A Sumaúma destaca a necessidade de transição da agricultura tradicional, focada na monocultura e no desmatamento, para modelos de produção mais sustentáveis e resilientes. “Agroecologia não é você se preocupar só com a produção. Primeiro você se preocupa com o meio”, diz o engenheiro agrônomo Joabe dos Santos, que compartilha com produtores técnicas para potencializar o uso do solo sem deixar de cuidar do ambiente.
📙 Cultura
Embora existam pesquisas que comprovem a importância das línguas africanas no português brasileiro, há falta de dados empíricos para mostrar sua influência em todos os níveis gramaticais. O Colabora detalha como o racismo linguístico atravessa as relações de poder e o apagamento das contribuições das populações africanas na linguagem. “É impossível que não tenha havido alguma influência dessas línguas africanas faladas por esses escravizados que chegaram aqui ao país desde o final do século XVI até a segunda metade do século XIX. Mas temos uma grande dificuldade para afirmar e provar que esse atravessamento existiu: a ausência de fontes”, explica Danielle Kely Gomes, professora de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
🎧 Podcast
“A segurança pública tem que considerar a agenda ambiental quando se fala de Amazônia”, afirma Aiala Colares Couto, professor de Geografia da Universidade do Estado do Pará e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Autor do livro “Geopolítica do Narcotráfico na Amazônia”, Aiala explica no “Olho d’Água”, produção da Amazônia Latitude, como o crime organizado na região também se conceta aos delitos ambientais: “Não só o narcotráfico em si, como uma atividade econômica e ilegal que se manifesta sobre a Amazônia utilizando-a como rota, mas a relação que outras atividades ilegais que têm a ver com os crimes ambientais, como o contrabando de madeira, o contrabando de manganês, com a citerita e a questão do garimpo ilegal, eles estavam associados a essa atividade”.
🏃🏿♂️ Esporte
Com presença em todos os grandes campeonatos do futebol brasileiro, as casas de apostas online expandiram também sua influência para a várzea de São Paulo. As bets já patrocinam várias ligas, e alguns jogos decisivos contaram com opção de aposta para os torcedores. A Agência Mural reflete sobre os impactos da chegada dessas empresas ao esporte amador. Apesar da promessa de investimentos financeiros que poderiam revitalizar campos e garantir uniformes, há uma preocupação sobre os recursos chegarem aos times mais periféricos, aumentando as desigualdades entre as equipes. “Os benefícios parecem estar mais direcionados para os times que já têm recursos e apoio”, afirma Amaral, presidente do Jardim São Pedro, time de Guaianases, zona leste de São Paulo.