O julgamento da ADPF das Favelas e as pinturas rupestres no Rio
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🔸 O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu ontem o julgamento da ADPF das Favelas e decidiu, por unanimidade, que não há mais um “estado de coisas inconstitucional” na segurança pública do Rio de Janeiro. Relator da ação, o ministro Edson Fachin reconheceu avanços na redução da letalidade policial e propôs foco na “recuperação de territórios” sob controle de facções, o que gerou críticas de movimentos sociais, que veem o retorno de uma lógica de ocupação militar. A Ponte explica que a Corte determinou a criação de um plano estadual para retomar essas áreas, além do envolvimento da Polícia Federal em crimes interestaduais. Apesar das críticas ao recuo do STF em medidas como a proibição de helicópteros como plataformas de tiro, foram mantidas decisões que exigem o uso de câmeras pelos policiais e os protocolos de perícia.
🔸 Agora, o estado do Rio de Janeiro tem 180 dias para instalar câmeras em fardas e viaturas da Polícia Militar e da Polícia Civil. Todas as operações devem ser registradas e armazenadas. Quanto à proximidade de escolas, as operações não terão essa restrição, mas devem evitar os horários de entrada e saída de alunos. O Voz das Comunidades detalha as principais regras determinadas pelo STF para as operações nas favelas. O plano também deve incluir ações sociais e oferta de serviços públicos nas áreas dominadas por facções e milícias, para além da presença policial.
🔸 Nas ações da Polícia Militar em São Paulo, o número de crianças e adolescentes mortos cresceu 120% entre 2022 e 2024, segundo relatório do Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2024, foram 77 vítimas entre 10 e 19 anos – um em cada três casos de morte violenta intencional teve participação policial. A Alma Preta destaca que o aumento coincide com as mudanças no uso de câmeras corporais implementadas no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos): houve um retrocesso em relação ao período entre 2019 e 2022, quando o uso constante de câmeras levou a uma queda de 62,7% nas mortes. O relatório aponta que a letalidade cresceu mais entre negros (alta de 157,2%) do que entre brancos (122,8%).
🔸 Eleutério, Constantino, Mateus e Maria estão entre os 11 nomes de pessoas escravizadas que entraram para o “Livro dos Heróis e Heroínas do Estado do Rio de Janeiro”. Eles foram responsáveis, no século 19, pelo reflorestamento da Floresta da Tijuca e das Paineiras, recuperando mananciais que abastecem a capital até hoje. A revista Afirmativa conta que o replantio da floresta é considerado um feito histórico fundamental para conter as crises hídricas que atingiam o Rio na época. O projeto da deputada Dani Monteiro (PSOL) busca reparar o apagamento histórico da contribuição negra à recuperação ambiental. Os homenageados plantaram mais de 100 mil árvores, revertendo os efeitos do desmatamento causado pela monocultura do café e da cana-de-açúcar.
📮 Outras histórias
Em vídeo: Moisés começou a benzer quem o procurava ainda criança, aos 10 anos de idade. Hoje, aos 18, ele é conhecido como senhor Moisés na região do município baiano de Anagé, onde vive e reza contra quebranto, mau olhado e outros males. O Meus Sertões conversa com o jovem rezador que conta como aprendeu as preces por meio de sonhos. Natural de Vitória da Conquista, ele cresceu em família evangélica, mas a avó era rezadeira e o inspirou. “Prefiro rezar as pessoas que me procuram aqui, mas hoje, com o avanço da tecnologia, alguns me procuram por WhatsApp, e eu rezo também. [...] A visão de quem está rezando fica conturbada, mas a reza chega”, explica o rezador.
📌 Investigação
Apesar das políticas de proteção declaradas, o algoritmo do TikTok expõe meninos a conteúdos misóginos, influenciando a formação de adolescentes a partir de estereótipos de gênero e discursos machistas. Em parceria com o Núcleo, a revista AzMina monitorou durante dois meses como a plataforma influencia o comportamento dos jovens por meio de dois perfis fictícios. Não demorou até surgirem os vídeos sobre o “valor do homem” e outras ideologias misóginas, como falas negativas sobre mulheres, defesa da submissão feminina, além de desprezo e ódio. “Com a circulação das redes eu sinto que (a misoginia) se torna pior, porque eles veem que algumas pessoas ganham likes com isso. Então, fazem em sala para serem aplaudidos pelos colegas”, afirma Keilla Vila Flor, professora de História do Ensino Fundamental e Médio.
🍂 Meio ambiente
“Na cultura industrial ocidental, nos afastamos cada vez mais do mundo natural. Povos que vivem conectados aos seus ambientes, como muitas comunidades indígenas, habitam seus territórios com um profundo respeito pelos organismos ao redor. Essas comunidades reconhecem que esses seres aprenderam a prosperar em seus ambientes e cocriam com eles”, afirma a bióloga estadunidense Janine Benyus. Em entrevista à Sumaúma, a pesquisadora fala sobre a biomimética, campo do conhecimento que se inspira na natureza para criar soluções para problemas humanos. “A essência dessa prática está em abordar o mundo natural com a pergunta certa: como a natureza faria isso? Ou, de forma mais específica: como a natureza já está alcançando o que eu quero realizar neste lugar? Essa abordagem forma a base de uma metodologia.”
📙 Cultura
Diante do avanço do conservadorismo nas periferias, o Coletivo Acuenda, da zona leste de São Paulo, usa a arte drag para criar espaços de acolhimento LGBTQIA+. Criado em 2015, o projeto realiza ações artísticas e performáticas itinerantes e mantém programação regular na sua sede, o Espaço Cultural Mansão das Queens, como o evento Cabaret D’água, com música, dança, poesia e teatro. A Emerge Mag conta que um dos objetivos do coletivo é o trabalho de base, engajando a comunidade a ter novas percepções sobre a população LGBTQIA+. “As crianças do bairro não usam mais palavras pejorativas, como ‘viadinho’ e ‘baitola’. Ao contrário, elas convidam outras crianças para participar dos eventos, o que cria uma rede de conscientização no território”, afirma Bruno Fuziwara, a Dhiana D’Água, fundador do Acuenda.
🎧 Podcast
Em meio à moda do “turismo de experiências”, pessoas viajam atrás de comidas, bebidas e paisagens. Buscam uma suposta autenticidade para fazer frente ao turismo de massas. Mas a capitalização desses destinos deixa o rastro de perda de identidade. O “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, visitou a chamada “Toscana brasileira”, o município de São Bento de Sapucaí, no interior de São Paulo, vizinha de Campos do Jordão e Santo Antônio do Pinhal. O turismo na região revela como a comida pode ser transformada em elemento de segregação e diferenciação social, ainda que se utilizem ingredientes, espaços e práticas tradicionais, caracterizando um processo de gentrificação alimentar.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Se há pintura rupestre, é porque o espaço foi importante para o grupo que o ocupou”, afirma Carlos Gabriel Paes Dias, pesquisador de Arqueologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2023, o montanhista Andrés Rodrigues Conquista encontrou uma pequena gruta no alto do Parque Nacional do Itatiaia e descobriu o que seria o sonho de muitos arqueólogos: as primeiras pinturas rupestres encontradas no estado fluminense. A piauí acompanhou um grupo de arqueólogos numa visita exploratória no local, que foi batizado de Agulhas Negras. A viagem buscou analisar as imagens desenhadas. “Essas pinturas lembram o que nós chamamos de tradição São Francisco, muito presente na Bahia e em Minas Gerais, e se caracterizam pela predominância de formas geométricas e pela sobreposição das cores vermelha e amarela”, explica Dias. A maior parte das pinturas está bem preservada. Algumas perderam a coloração, mas permanecem visíveis.