O inquérito sobre o apagão e uma etnia considerada extinta em vida
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🔸 No terceiro dia de apagão, ontem, cerca de 400 mil imóveis seguiam sem luz na capital e na região metropolitana de São Paulo. O governo federal determinou uma auditoria na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O Congresso em Foco lembra que a cúpula da agência reguladora responsável por fiscalizar todos os contratos de distribuição de energia elétrica no país é formada em sua maioria por indicados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O órgão foi alvo de críticas pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira – segundo ele, a agência não deu andamento à fiscalização do contrato da Enel, mesmo após o apagão de novembro de 2023. “É inadmissível que uma situação como essa aconteça, ainda mais duas vezes, sem que as medidas emergenciais tenham sido adotadas na velocidade necessária para, ao menos, mitigar os danos causados por esse tipo de situação”, afirmou o ministro da Corregedoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho.
🔸 A Aneel já sabia dos riscos de novos apagões em São Paulo. É o que revela um documento feito em junho deste ano pela agência, obtido por Igor Gadelha, colunista do Metrópoles. O relatório alertava que as medidas tomadas pela Enel após o apagão de 2023 eram insuficientes para evitar novas interrupções no fornecimento de luz e trazia uma lista de ações recomendadas para a concessionária. Entre as medidas, estava a necessidade de estabelecer parcerias com órgãos públicos, como a Defesa Civil, Bombeiros e Companhia de Engenharia de Tráfego, para a poda de árvores de grande porte na cidade.
🔸 De quem é a responsabilidade? A pergunta paira enquanto governo federal, governo estadual e prefeitura de São Paulo trocam acusações. O Nexo explica o papel da concessionária de energia em meio ao apagão que, desde sexta-feira, afetou mais de dois milhões de pessoas. Maior empresa de fornecimento de energia elétrica do país, a Enel chegou a apresentar, no mês passado, um plano de contingência para lidar com eventos climáticos extremos. Foi uma exigência do governo federal depois do apagão de novembro de 2023. O plano previa, por exemplo, a mobilização de 2.500 funcionários em casos extremos. Até domingo, porém, a companhia havia mobilizado menos de 2.000 trabalhadores nas ruas de São Paulo.
🔸 Quando queima uma vez, a floresta perde 44% de sua biomassa. Numa segunda queimada, a perda chega a 71%. Um estudo conduzido na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, na região de Santarém, Amazônia Oriental, mostrou como o fogo reduz a biomassa e a biodiversidade da floresta. O Eco destrincha o trabalho recém-publicado na revista científica “Environmental Research Letters” e lembra que as florestas em regeneração, após incêndios, tornam-se mais inflamáveis, criando um ciclo de degradação. “Nossas descobertas destacam a necessidade urgente de garantir um futuro resiliente para as florestas amazônicas com ações necessárias para apoiar os meios de subsistência locais, ao mesmo tempo em que reduzimos a prevalência de fontes de ignição e permitimos a recuperação da floresta”, dizem os pesquisadores.
🔸 No Mato Grosso, um incêndio ainda atinge o Parque Estadual Encontro das Águas, unidade de conservação que é um dos principais pontos de observação de onças-pintadas. O fogo começou em 20 de setembro e cerca de 33% da área total do parque já foi consumida. O Fauna News conta que, além do parque estadual, a Estação Ecológica de Taiamã também vem sendo afetada pelos incêndios – foram mais de 40 mil hectares queimados no estado em 2024.
📮 Outras histórias
Um assentamento em Eldorado do Sul (RS) conseguiu retomar a produção menos de três meses depois das enchentes que devastaram o estado. Na região metropolitana de Porto Alegre, o Integração Gaúcha, assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conseguiu o feito graças ao manejo sustentável do solo, como rotação de culturas e cobertura vegetal, que ajudaram a proteger a terra. A Agência Pública destaca que, apesar do impacto da enchente, o assentamento, que é um dos maiores produtores de arroz orgânico do estado, continuou a colaborar com doações de alimentos para abrigos. Logo na sequência do desastre climático, muitas famílias desejavam reivindicar uma nova terra. Com a retomada da produção, isso mudou: a estimativa é que menos de um terço ainda tem esse desejo.
📌 Investigação
Três lobos-guará morreram afogados em canais de irrigação da Fazenda Alto Jaborandi, propriedade destinada ao cultivo de grãos no oeste da Bahia. O dono da propriedade – o fazendeiro José Fava Neto, diretor regional da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) em Goiás – obteve empréstimos do Programa de Financiamento à Agricultura Irrigada (Proirriga) para obras de irrigação. Os financiamentos foram feitos com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e intermediados pelo banco holandês Rabobank, que se diz “o maior banco de investimentos no agronegócio e alimentação do mundo”. A Repórter Brasil revela que trechos dos canais não possuíam proteção adequada e colocam em perigo toda a fauna do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, considerado um berçário de espécies ameaçadas – entre elas, o lobo-guará.
🍂 Meio ambiente
Os recursos hídricos utilizados na Bahia para irrigação no agronegócio seriam suficientes para abastecer, diariamente, sete vezes a população de todo o estado e nove vezes a população da cidade de São Paulo. É o que mostra uma pesquisa do Instituto Mãos da Terra (Imaterra), em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA). A Eco Nordeste conta que o estudo avaliou as autorizações de supressão de vegetação nativa e outorgas de uso de recursos hídricos emitidas pelo órgão ambiental estadual entre de setembro de 2007 e setembro de 2022. Os pesquisadores olharam em especial para as bacias hidrográficas dos rios Grande, Corrente e Carinhanha, na região Oeste da Bahia. Para Margareth Maia, diretora do Imaterra e coordenadora da pesquisa, a situação da apropriação da água naquela área é alarmante. “O processo de concessão de outorgas precisa ser mais qualificado e coerente com a realidade atual das bacias hidrográficas”, afirma.
📙 Cultura
Txai Band é uma iniciativa criada em colaboração com artistas indígenas, com o intuito de combinar as músicas e as poesias tradicionais dos Huni Kuin, em um diálogo com os trabalhos ocidentais dos artistas criadores envolvidos. A revista O Grito! conta que o projeto é uma colaboração inovadora entre Paulo Novaes, LuizGa e jovens artistas do povo Huni Kuin, da aldeia Chico Curumim, no estado do Acre. Agora, chega às plataformas o segundo single, “Txai Puke Ruaken”. O arranjo foi produzido sobre uma base ao vivo de voz e violão gravada na aldeia, com uma atmosfera meditativa, como um mantra, traço muito comum no cancioneiro do povo Huni Kuin. As congas foram gravadas no ritmo do aguerê, que na tradição afro-brasileira é ligado a Oxossi, orixá das matas e florestas.
🎧 Podcast
Considerado extinto em vida, o povo Akroá Gamella foi tratado por décadas como se não existisse pelo Estado brasileiro. Assim como ocorre com muitos povos indígenas que habitam o país, a história dos Gamella é marcada pela luta por seu território – na baixada maranhense, onde sempre viveram e de onde nunca saíram. No segundo episódio da série “Mil Graus”, produção da Trovão Mídia, a liderança indígena Kum’Tum narra a história de séculos de resistência de seu povo. A história faz parte do 38º Panorama da Arte Brasileira, organizado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. O episódio também aborda o reconhecimento e a reverência a seres encantados que permeiam a cultura desse povo.
✊🏽 Direitos humanos
Mãe de duas filhas, Andrea Medrado enfrenta embates com planos de saúde e olhares de estranheza no convívio social: “A gente tem que lutar por acesso à educação, saúde, lazer, transporte, acessibilidade. Cada dia é uma luta diferente. E é como se tivesse uma carga, sabe? Não porque a minha filha é uma pessoa com deficiência, mas porque negam todos os direitos dela”, desabafa. Sua filha, Maria Flor, tem a síndrome Pitt-Hopkins, uma rara desordem genética do neurodesenvolvimento, e está no nível três de suporte do espectro autista. Embora a legislação assegure o acesso à educação e à saúde de pessoas com deficiência, a realidade de várias mães de crianças atípicas é diferente. O Correio Sabiá reúne histórias de mães que lutam pelo bem-estar de seus filhos e, para isso, recorrem à rede de apoio formada por familiares, cuidadores e amigos.