A inelegibilidade de Bolsonaro e o sucesso de podcasts de psicanálise
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🔸 O julgamento que vai decidir sobre a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) deve ocorrer em maio. No final da noite de quarta-feira, o Ministério Público Eleitoral (MPE) apresentou sua manifestação e, embora o processo esteja em sigilo a pedido da defesa, o Jota apurou que o parecer do MPE enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) defende a inelegibilidade do ex-presidente. No Supremo Tribunal Federal (STF), os bastidores também indicam o mesmo caminho. A ação foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e discute se houve abuso de poder em reunião com embaixadores no dia 18 de julho de 2022 em Brasília. Na ocasião, Bolsonaro atacou o sistema eleitoral brasileiro, sem apresentar qualquer prova.
🔸 Se o TSE concluir que o ex-presidente se valeu do cargo para influenciar o voto do eleitor, ele ficará inelegível por oito anos a partir de 2022 – e só poderia voltar a disputar as eleições municipais em 2032. Esse não é o único problema de Bolsonaro com a Justiça eleitoral. O Congresso em Foco lista outras 16 investigações no TSE, que também podem tirá-lo das eleições com denúncias de abuso de poder político e econômico.
🔸 O número de vítimas de bala perdida aumentou nos primeiros cem dias de governos de três estados: Rio de Janeiro, Bahia e Recife. No primeiro, o crescimento é de quase 80% em relação ao ano anterior. De janeiro a março, foram 1.014 tiroteios na Região Metropolitana do Rio, outros 497 na Região Metropolitana do Recife e 396 em Salvador e Região Metropolitana. Os dados são do Instituto Fogo Cruzado. “É sintomático que olhemos para três grandes regiões metropolitanas brasileiras e vejamos um padrão: de um lado as balas perdidas apresentam tendência de alta, do outro, os novos governos apontam para o retrocesso no que se refere à transparência”, afirma Maria Isabel Couto, diretora de Dados e Transparência do instituto. Até o final de março, o governo da Bahia, por exemplo, não divulgou nenhuma estatística de segurança pública em 2023.
🔸 Dos mais de 1,2 milhão de entregadores trabalhando no Brasil, 68% se declaram pretos ou pardos. As pessoas negras também são maioria entre os motoristas de aplicativo e correspondem a 62% dos 385 mil trabalhadores dessa modalidade. O Notícia Preta esmiúça os dados da pesquisa da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) e mostra ainda o perfil de ambas as categorias: são homens negros de 20 a 50 anos, com o ensino médio completo e renda familiar de três salários mínimos.
🔸 “Escolas são feitas de gente. Escolas também estão assustadas. É importante não valorizar a relação de cobrança e ataque à escola, como se ela pudesse responder a tudo. Não vai. A resposta a esse problema precisa ser coletiva.” Diretora-executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz, a psicóloga Natacha Costa defende a cooperação entre família e comunidade escolar em meio ao aumento exponencial de ataques a instituições de ensino pelo país – o número entre 2022 e 2023 já supera o que foi registrado nos 20 anos anteriores. O cenário se soma à enxurrada de notícias falsas sobre o assunto, e o medo se agrava. O Nexo conversa com especialistas para explicar como orientar e acolher crianças diante do medo da violência nas escolas.
🔸 A propósito: o medo abre caminho para a manipulação e ajuda na disseminação de fake news e boatos sobre os ataques em escolas, como explica ao Porvir o educador e jornalista Alexandre Le Voci Sayad, co-chairman da Unesco Mil Alliance. Daí a importância de se combater a desinformação, o que não significa descuidar da segurança das crianças e das escolas. “São duas coisas que caminham juntas. Precisamos estar atentos, mas não podemos transformar um drama em uma nova tragédia”, completa.
📮 Outras histórias
Descoberto numa casa condenada no bairro do Batel, em Curitiba, o mural “Lendas Brasileiras”, de Poty Lazzarotto (1924-1998), tem ao menos dois interessados: o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU-PR) e a Prefeitura de Curitiba. O Plural revelou que a construtora Porto Camargo, dona do imóvel, planeja construir um prédio no local e que, por isso, a obra corria o risco de ser demolida. A transposição do mural é um desafio técnico, que implica em içar e transportar a parede que pesa toneladas. Embora a CAU tenha manifestado disposição para o trabalho, a reportagem apurou que “Lendas Brasileiras” deve ficar com a Prefeitura e ser integrado ao Museu Municipal de Arte (MuMA).
📌 Investigação
Um centro anitaborto que espalha mentiras tem laços estreitos com políticos da extrema direita. Ligado à rede americana Pregnancy Resource Center – conhecida pelas ações voltadas para dissuadir mulheres de abortar –, o Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) afirma já ter auxiliado mais de 6 mil mulheres, com o total de 18 mil atendimentos até 2020. A Agência Pública revela que a organização recebeu pelo menos R$ 170 mil em emendas parlamentares nos últimos quatro anos, sendo R$ 100 mil da Secretaria Nacional de Política para Mulheres, parte do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos comandado à época por Damares Alves, hoje senadora pelo Republicanos. Entre as mentiras disseminadas pelo centro, está a de que o aborto não é legalizado no Brasil nem em casos de estupro.
🍂 Meio ambiente
Restrita às matas secas entre Goiás e Tocantins, a ave tiriba-do-paranã já perdeu 60% de seu habitat. Essa perda é a principal causa de a espécie estar entre as que correm risco de extinção. O Eco explica que, para fazer o levantamento do comportamento das aves diante do desmatamento, o biólogo Túlio Dornas, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), utilizou dados do MapBiomas para percorrer quase toda a extensão de mata seca da Bacia do Rio Paranã em busca das tiribas. Ele também recebeu apoio de moradores e guias de turismo locais sobre possíveis avistamentos. “O estudo que a gente fez foi um diagnóstico atual da espécie. Agora sabemos o que precisa ser feito: que é justamente promover políticas públicas eficientes para a proteção da espécie”, diz Túlio.
“Queria formar uma rede, pessoas que estivessem a fim de falar e pensar sobre nossa relação com a natureza e sobre o espaço que estamos ocupando hoje.” Alain Gerino é cientista social, ativista ambiental e morador da região de Jaçanã, zona norte de São Paulo, aos pés da Serra da Cantareira. Ali, ele formou, em novembro de 2021, a Associação de Pesquisadorxs e Amigxs da Cantareira (Apac), um coletivo para a proteção e preservação da serra. A Agência Mural conta que atualmente o grupo promove iniciativas como o “Vozes da Cantareira – Caminhada Ecocomunitária”, com visita guiada. Durante a caminhada, os integrantes da Apac narram a origem do bairro e a urbanização do território, além de identificar árvores e plantas nativas da Cantareira.
📙 Cultura
Filha de Carolina Maria de Jesus denuncia má conservação do acervo da escritora. A maioria dos escritos originais está em Sacramento (MG), cidade onde a autora nasceu. Em alguns cadernos, já não é possível ler trechos da obra por estarem com manchas, fungos e rasgos, uma vez que o espaço não é refrigerado de modo adequado. Ao Nós, Mulheres da Periferia a filha de Carolina, Vera Eunice, conta que já tentou diversas vezes retirar os materiais do município para que a memória da mãe seja preservada: “Quero que o acervo fique em um lugar acessível, porque quero que você veja, que a criança veja, que pessoas de outros países venham ver Carolina Maria de Jesus”. O descaso da prefeitura com os documentos já leva mais de duas décadas.
Dama do samba, Dona Ivone Lara completaria 102 anos ontem. Mulher preta, a sambista passou anos no anonimato. Por causa do racismo e do machismo, suas composições eram apresentadas nas escolas de samba pelos primos. Seu reconhecimento só chegou aos 44 anos, quando se tornou a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Império Serrano, em 1965. Sua composição com Silas de Oliveira e Bacalhau, levou a agremiação à posição de vice-campeã do carnaval carioca. A Alma Preta conversa com intérpretes e pesquisadoras da obra e da vida de Dona Ivone Lara para resgatar sua trajetória. “Ela adentrou todo esse universo, que infelizmente ainda é muito masculino, com muita classe, mas com muita potência. Para nós, mulheres pretas, isso é um legado, e a gente tem que seguir isso e adentrar os nossos espaços”, afirma a cantora e pesquisadora Adriana Moreira.
🎧 Podcast
Uma batalha se instaurou entre imigrantes japoneses no Brasil ao fim da Segunda Guerra. Após as duas bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos no Japão, um grupo chamado de kachigumi acreditava em uma teoria conspiratória, disseminada por uma rede de notícias falsas, segundo a qual seu país de origem havia vencido a guerra. A ideia era propagada por uma organização nacionalista, a Shindo Renmei (Liga do Caminho dos Súditos, em japonês). O movimento, porém, foi além das fake news: foram criadas células terroristas que promoveram atentados contra os imigrantes que aceitavam a derrota – chamados de makegumi. Entre os anos de 1946 e 1947, foram 23 mortos e cerca de 150 feridos. A história havia caído em esquecimento até que jornalistas decidiram mexer no caso. O resultado é narrado pelos repórteres no novo episódio da “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
O sucesso dos podcasts de psicanálise. À medida que ansiedade, burnout e depressão aumentam, produções de psicanalistas também têm sido mais reproduzidas nos fones de ouvidos. O Headline ouve profissionais da área e reflete sobre a prática psicanalítica para além da clínica. Para Fabiane Secches, psicanalista, pesquisadora na Universidade de São Paulo e professora no Centro de Estudos Psicanalíticos, a própria teoria sempre se conectou com outros campos do conhecimento, em especial, a literatura. Ela afirma que os podcasts são um meio de tornar a psicanálise mais acessível e menos elitista. “O mais importante é distinguir essas experiências, como podcasts, da experiência de formação em psicanálise e da clínica psicanalítica”, completa.