Os indígenas nas universidades e a história de um ícone da esquerda
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Projetos cruciais para o país, como a regulamentação das apostas, a reforma tributária e a definição do orçamento, estão parados no Congresso desde o início do mês, quando parlamentares candidatos saíram em campanha rumo às suas bases eleitorais. O marasmo deve seguir até o fim do segundo turno, informa o Congresso em Foco. Além da CPI das Apostas, aprovada no Senado, um projeto de lei que agrava as penas para incêndios criminosos também está em pauta. O Planalto enviou ontem ao Congresso uma proposta tratando desse tema, como resposta às queimadas que castigaram em especial o Pantanal e o Cerrado.
🔸 Clima e biodiversidade são assuntos diretamente conectados, certo? Para a diplomacia dos países, a resposta é não: o clima é discutido na COP do Clima, enquanto a biodiversidade é tema da COP da Biodiversidade. Às vésperas de mais uma rodada das duas conferências – a da Biodiversidade, COP 16, começa em 21 de outubro na Colômbia, e a do Clima, COP 29, em 11 de novembro no Azerbaijão –, a Sumaúma conversa com pesquisadores para explicar por que os assuntos são tratados separadamente. “Há décadas a comunidade científica vem fazendo pressão para que a crise climática e a perda de biodiversidade sejam discutidas conjuntamente no âmbito político, advertindo que um desafio não pode ser solucionado sem atacar ao mesmo tempo as causas do outro”, afirma Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Se a separação ocorreu na Rio 92, que criou convenções distintas para clima e biodiversidade, o Acordo de Paris avançou na questão climática em 2015, mas só em 2022 foi estabelecido o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal.
🔸 Dois trabalhadores rurais foram mortos numa operação policial no Pará – e outros quatro afirmam ter sido torturados pelos agentes. A ação ocorreu na Fazenda Mutamba, em Marabá, conhecida na região pelo histórico de conflitos fundiários e resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão. A versão da polícia diverge da dos trabalhadores: os policiais dizem ter sido recebidos a tiros, já os trabalhadores alegam que foram surpreendidos por disparos sem aviso prévio. A Repórter Brasil teve acesso a vídeos e depoimentos que corroboram as denúncias de tortura, mas a Polícia Civil não se pronunciou sobre o assunto. A região, no sudeste do Pará, é marcada por massacres históricos, como os de Eldorado dos Carajás e Pau D’Arco, e abriga atualmente cerca de 200 ocupações em fazendas e propriedades improdutivas ou localizadas em terras pertencentes à União.
🔸 Ainda no Pará: sem apoio adequado de autoridades, uma brigada indígena enfrentou sozinha um incêndio de proporções inéditas na Terra Indígena Mãe Maria. O fogo destruiu 7.691 hectares do território, um aumento de 6.707% em relação ao ano anterior. A Agência Pública acompanhou o trabalho dos indígenas Gavião que usaram métodos tradicionais e equipamentos precários para controlar o fogo. A força-tarefa composta por IBAMA, Defesa Civil, Exército e Corpo de Bombeiros atuou por apenas uma semana no território antes de ser deslocada para outras regiões – e os indígenas continuaram o trabalho, mas sem equipamentos adequados, como bombas costais e abafadores. Eles usavam apenas facões, sopradores e faziam aceiros (cercas de contenção para o fogo) para impedir que as chamas avançassem.
📮 Outras histórias
O total de estudantes indígenas matriculados em instituições de Ensino Superior cresceu 245% na Amazônia Legal entre 2012 e 2022. Ainda assim, menos de 10% concluem os cursos. A partir de conversas com estudantes, a InfoAmazônia destrincha os obstáculos que universitários indígenas precisam superar para permanecer nos espaços. Rubens Xipaya, membro da Associação dos Povos Indígenas Estudantes na Universidade Federal do Pará (Apyeufpa), conta sobre o preconceito velado na instituição: “Há muita coisa que não é dita. Pelo olhar e pelas escolhas na formação de grupos, a gente percebe. Eu sou muito comunicativo e acabo rompendo isso. Mas há muitos outros com um perfil diferente, que vão se calando, se machucando, até abandonarem o curso em silêncio”. Lorena Curuaia, da comunidade Iawá, relata dificuldade semelhante: “Tive que ouvir questionamentos com frequência, como ‘olha, tem uma indígena no curso de medicina’. Sim! Agora, tem uma indígena atendendo no hospital. É um processo muito difícil confrontar isso o tempo todo e no mercado isso pode continuar ocorrendo”.
📌 Investigação
“Se o professor já sabe que não vai ter merenda, ele não tem outra escolha, precisa suspender a aula. E, quando eles não suspendem, sabemos que os alunos também não vão para a aula”, lamenta Cenaide Lima, membro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) em São Gabriel da Cachoeira. O Joio e O Trigo detalha dados de um estudo do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), segundo o qual o poder de compra da alimentação escolar na rede pública de ensino caiu significativamente, resultando em um déficit de bilhões de reais. A pesquisa analisou a inflação dos alimentos e os reajustes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) de 2010 a 2024, concluindo que o orçamento do Pnae deveria ser de R$ 9,9 bilhões, quase o dobro dos atuais R$ 5,7 bilhões.
🍂 Meio ambiente
“Saí do Nordeste fugindo da fome. Sou uma retirante da seca”, diz Maria de Lourdes, agricultora familiar da comunidade Mucambo da Onça. Ela deixou o grande sertão para criar e plantar raízes na terra mineira de Porteirinha, região do extremo norte de Minas Gerais, próximo ao seu estado de origem, Bahia. Maria de Lourdes faz parte de uma das comunidades tradicionais que resistem à seca e ao desmatamento em Minas. O Nonada conta que muitos que vivem ali deixaram a Caatinga para viver no Cerrado, a “caixa d’água” do Brasil, onde nascem oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras. A água da região, no entanto, também começou a faltar. Estudos apontam que mais de 135 milhões de toneladas de carbono foram emitidos pelo Cerrado de janeiro de 2023 a julho de 2024. O carbono intensifica a crise climática e provoca o aumento da seca.
📙 Cultura
“Tem uma consciência única das conexões entre corpo e alma, entre os vivos e os mortos”: é assim que o comitê do Nobel de Literatura se referiu à obra de Han Kang, primeira escritora asiática a ganhar a honraria. A Quatro Cinco Um lembra que a autora é conhecida por explorar temas como a opressão patriarcal, violências históricas e as fronteiras do que nos define enquanto seres humanos. Han nasceu em 1970, na cidade de Gwangju, ao sudoeste da Coreia do Sul. Aos 10 anos de idade, mudou-se com a família para Seul, onde mais tarde estudou literatura coreana na Universidade Yonsei. A autora estreou em 1993 com poemas publicados na revista sul-coreana “Munhaggwa Sahoe” (Literatura e Sociedade). Han tem três livros publicados no Brasil: “A Vegetariana”, “Atos Humanos” e “O Livro Branco”.
🎧 Podcast
“Eu, muito criança, 5 aninhos, os adultos iam a pé. As crianças iam nos caçuás, montados assim em cima de animais. Um calor, um sol de seca no Nordeste. E a consciência de que os meus pais estavam preocupados, estavam sofrendo, aflitos, sabe? A criança já percebe isso. Eu me lembro que eu, bem criança, já me segurava para não chorar, para que eles não me vissem chorando. Te juro, não é a virtude: as circunstâncias de vida me formaram para isso.” Luiza Erundina relembra as origens, sua formação política e o trabalho atual no episódio de estreia de “Fio da Meada”, produção da Rádio Novelo. Mulher, nordestina e ativa politicamente desde os 25 anos, ela já foi vereadora, deputada estadual e prefeita de São Paulo. Aos 89 anos, está no sétimo mandato como deputada federal e segue como um dos nomes mais lembrados da esquerda brasileira. Em conversa com Branca Vianna, Erundina fala sobre a importância da renovação na política, os desafios da idade, a precariedade da Câmara dos Deputados – e ainda revela que este será o seu último mandato.
🧑🏽🏫 Educação
O Plano Nacional de Educação (PNE) definiu como objetivo a equiparação salarial dos professores em relação a outros profissionais de nível superior até 2024. A Mundo Negro aponta que a situação da educação no país na última década, apesar das metas e estratégias elaboradas para melhorar as condições de trabalho dos docentes, foi marcada pela desvalorização, precarização e desmoralização da profissão. Os contratos temporários, que deveriam ser exceção, já são maioria em muitas redes públicas de ensino do país. Um relatório do Inep mostra que o percentual de professores temporários nas redes estaduais foi de 31,6%, em 2014, para 52% em 2023. Nas redes municipais, passou de 26,6% para 34,2% no mesmo período.