O estado dos indígenas isolados e os homens brancos à frente das escolas de samba
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🔸 “O garimpo em terras indígenas está levando à morte de crianças inocentes. Essa cobiça pelo ouro pode salvar economicamente algum momento de uma vida de um garimpeiro, mas está acabando com a vida coletiva de um grupo. Tem quem acha que está salvando seu bolso, mas está sendo cúmplice de um genocídio também.” Em entrevista exclusiva à Agência Pública, Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), afirma que o plano de desintrusão dos garimpeiros na terra Yanomami, em Roraima, ainda está em elaboração e que “a prioridade agora é salvar vidas”. Segundo ela, o orçamento da Funai é insuficiente – os recursos para “demarcar, proteger, fiscalizar, organizar, desenvolvimento sustentável, direitos sociais são um pouco mais do que R$90 milhões”, o que não cobre as proteção de “mais de um milhão de vidas de populações indígenas” que existem no país.
🔸 Enquanto isso: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a defender o garimpo na terra Yanomami. Na Flórida, numa igreja da Assembleia de Deus, disse: “Se vocês pegarem apenas o estado de Roraima, lá tem uma tabela periódica debaixo da terra e essa questão Yanomami agora, a intenção não é atender a esses [os indígenas]”. A CartaCapital detalha o discurso do ex-presidente, que repetiu informações falsas e listou ações que diz ter feito na área da saúde indígena durante seu governo. Em tempo: na gestão Bolsonaro, morreram 505 crianças Yanomami de até 1 ano de idade, segundo o Ministério da Saúde.
🔸 O orçamento secreto nas cidades dentro da terra Yanomami. A reserva abarca cinco municípios no estado de Roraima – todos beneficiados por emendas de relator, o chamado orçamento secreto, considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Levantamento do Metrópoles revela que os cinco municípios no território indígena receberam R$ 96,3 milhões do orçamento secreto entre 2020 e 2023. Os recursos vão para os cofres das prefeituras e do estado, mas, segundo uma liderança ouvida sob condição de anonimato, os indígenas não conseguem atendimento em saúde, por exemplo, nos municípios dentro da reserva, e vão direto para Boa Vista. Ainda de acordo com a liderança, Alto Alegre, cidade que mais recebeu recursos (R$36,8 milhões), é muito frequentada por políticos, como os deputados Nicoletti (União) e Edio Lopes (PL) e o senador Hiran Gonçalves (PP-RR). “Esse pessoal fala que o garimpo sustenta Roraima”, afirma.
🔸 Para ouvir: a operação para retirar os cerca de 20 mil garimpeiros do estado são complexas e necessárias, mas, para quebrar a cadeia ilegal, é preciso barrar os grandes compradores de ouro, segundo a repórter Ana Clara Costa. No “Foro de Teresina”, podcast de política da revista piauí, ela, Thais Bilenky e José Roberto de Toledo explicam como o garimpo movimenta a economia de Roraima e ainda tratam sobre as críticas de Lula ao Banco Central e à taxa de juros.
🔸 O STF decidiu que é inconstitucional um projeto de lei que tentava proibir o uso da linguagem neutra em escolas públicas e privadas de Rondônia e em editais de concursos públicos. Proposta pelo deputado Eyder Brasil (PL-RO) e aprovada em setembro de 2021, a lei que via “interferências ideológicas” na norma culta passou a valer no mês seguinte. A Diadorim informa que a ação contra a lei foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). Para a instituição, o texto do deputado do PL “traz a marca da intolerância, da discriminação, da negação da diversidade, da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias”.
📮 Outras histórias
As fortes chuvas no Rio de Janeiro deixaram o Complexo da Maré com ruas alagadas, mas não só: na favela Nova Holanda, uma das 16 que compõem a comunidade na zona norte da cidade, os longos temporais agravam a falta de saneamento básico, o esgoto escorre nas casas, há vazamentos que contaminam a água potável e o lixo. O Maré de Notícias conta que, para mobilizar os moradores e fortalecer suas reivindicações, a Redes da Maré organizou uma reunião sobre uma Ação Civil Pública (ACP) que busca soluções para os problemas de saneamento na Nova Holanda.
Ainda as chuvas nas favelas: na Rocinha, comunidade na zona sul do Rio, moradores se reuniram no 1º Encontro de mudanças climáticas, como informa o Fala Roça. Lideranças locais se uniram a seis museus da cidade para dialogar sobre o clima, partindo de vivências, lembranças e ações de melhorias nos territórios. Cofundador do Museu Sankofa: Memória e História da Rocinha, Antonio Firmino lembra que os problemas das chuvas nas favelas não são de hoje e diz que a importância do encontro está em resgatar o que os moradores sempre fizeram diante dos acontecimentos catastróficos que marcam a história da Rocinha.
A região metropolitana de Recife terminou janeiro com alto número de vítimas da violência armada. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, 97% dos tiroteios mapeados no mês passado resultaram em baleados. Uma parcela da população foi especialmente alvo dos confrontos: os egressos do sistema prisional. Em janeiro, 27 ex-detentos foram atingidos por disparos de arma de fogo na região metropolitana – nenhum deles sobreviveu. “Pernambuco segue uma lógica muito clara de acertos de contas. Muitas vezes os ex-detentos não têm nem a chance de retomarem suas vidas dignamente após pagarem por seus crimes. A reinserção no mercado de trabalho é uma possibilidade de quebrar ciclos de violência”, afirma Ana Maria Franca, coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado em Pernambuco.
📌 Investigação
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) quase não se encontrou com as empresas de redes sociais nos seus primeiros dois anos de atuação. Levantamento feito pelo Núcleo revela que, de 363 reuniões, apenas 26 foram com as grandes plataformas – o que representa 7,1% do total de encontros. A informação chama a atenção já que as redes sociais estão entre as empresas que mais coletam dados de usuários. A reportagem conta ainda que a ANPD não se reuniu oficialmente nenhuma vez com representantes do Telegram, plataforma que ganhou relevância no ano passado, sobretudo nas eleições, por abrigar grupos extremistas, negacionistas e golpistas.
🍂 Meio ambiente
Em 16 terras indígenas com presença de povos isolados foram devastados mais de 6,5 mil hectares entre 2020 e 2022. É o que mostra o monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA), que acompanha o desmatamento em 20 dessas terras em tempo real. O InfoAmazonia mostra que as comunidades em isolamento foram diretamente afetadas pela política de Jair Bolsonaro (PL), que não renovou portarias que os protegiam. É, por exemplo, o caso de indígenas das terras Jacareúba/Katawixi, no sul do Amazonas, e Piripkura, no noroeste do Mato Grosso. Foi o suficiente para que ladrões de madeira, criadores de gado ilegal e mineradores se sentissem à vontade para invadir e permanecer nessas áreas.
Promessa da descarbonização, a energia eólica em alto mar está rodeada de incertezas no Brasil. No mapa de Complexos Eólicos Offshore, havia 70 projetos esperando por licenciamento ambiental do Ibama em dezembro. O Eco explica que o órgão ainda não tem um panorama completo sobre como lidar com a instalação e a operação na costa brasileira, o que se explica pelo baixo investimento em pesquisas sobre ecossistemas marinhos. Ao contrário das plataformas offshore do pré-sal, os parques eólicos ocupariam uma área muito maior e mais distante do litoral, com potenciais impactos como degradação do ecossistema, perda, perturbação e mudança de habitat, mortalidade de indivíduos ou mudança populacional das espécies.
📙 Cultura
A arte como forma de sobrevivência e resistência foi o caminho trilhado pela estilista Vicenta Perrota, fundadora do Ateliê TRANSmoras, em Campinas (SP), um ponto de produção de arte, moda e cultura voltado à comunidade trans. Por lá, também está Rafa Kennedy, fotógrafa que se descobriu artista no espaço. O quarto episódio da série “Por Elas, Por Nós”, da revista AzMina, narra a história de Vicenta e Rafa, além das trajetórias da cineasta e produtora cultura indígena, Graciela Guarani, e Isis Ferreira, designer e fundadora da House of Mutatis, que desenvolve a cultura dos ballrooms como afirmação das identidades periféricas e trans.
Entre as 26 escolas de samba que disputam no grupo especial em São Paulo e no Rio de Janeiro, a maioria dos presidentes são homens brancos. Segundo a Alma Preta, são 23 brancos e sete negros. Já no recorte de gênero, são 26 homens e apenas quatro mulheres. Algumas escolas têm mais de um presidente. A única mulher negra é Guanayra Firmino, também a primeira mulher a presidir a Estação Primeira de Mangueira. A pesquisadora de cultura afro-brasileira Claudia Alexandre afirma que a espetacularização dos desfiles mudou a estética e os valores das escolas, afastando-as das comunidades e da negritude.
🎧 Podcast
Como as mudanças climáticas afetam as periferias de São Paulo? O novo podcast “Tamo em Crise”, produção da Agência Mural, aborda o tema de modo descomplicado. O episódio de estreia “Você que Tem Medo de Chuva” reflete sobre o início do ano na capital paulista – mais frio e muito mais chuvoso, o que tem afetado as infâncias em áreas periféricas. “A crise climática impacta as crianças já dessa geração. Não estamos mais falando sobre as futuras gerações. Primeiro, pelos desastres climáticos: só em 2020, foram 10 milhões de crianças em refúgios climáticos”, diz João Paulo Amaral, especialista em gestão ambiental e coordenador do programa Criança e Natureza do Instituto Alana.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“O feminismo decolonial tem a ver com a compreensão da decolonialidade, dos efeitos da colonização em nossas vidas, pois ela inferiorizou muitos povos através da raça, classe, sexo e sexualidade.” A explicação é de Ochy Curiel, antropóloga afro-dominicana, professora da Universidade Nacional da Colômbia e uma das principais intelectuais do feminismo decolonial na América Latina e no Caribe. O Portal Catarinas conversa com Curiel, que, além das questões de raça e classe, puxa o pensamento lésbico para a perspectiva decolonial.