A primeira mulher indígena na Funai e os homens negros mortos pela PM
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🔸 Ao tomar posse como ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB) prometeu diversidade, mas escorregou ao afirmar ser “muito difícil” levar mulheres negras para ocupar cargos da pasta. A resposta veio de dentro do próprio governo: Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, entregou a Tebet uma lista de currículos de mulheres pretas e pardas com experiência nas áreas de orçamento e gestão. O Notícia Preta explica que a lista veio do movimento Elas no Orçamento, que reúne currículos de mulheres de todo o país com atuação e especialização nesses setores. Anielle afirmou ainda que planeja criar um banco de currículos para preencher vagas dos ministérios. “Seguiremos trabalhando para evidenciar os talentos que o Brasil do futuro produz todos os dias. Eles precisam, elas precisam estar do nosso lado”, completou.
🔸 No Planejamento, Tebet vai comandar o gerenciamento do Orçamento da União e terá a possibilidade de fiscalizar as políticas públicas do novo governo. Figura importante para a eleição de Lula no segundo turno, ela mirava pastas de mais destaque, como Educação ou Desenvolvimento Social, áreas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por deixar sob as asas do PT. A CartaCapital informa que, na posse ontem, ela defendeu a urgência de uma reforma tributária como forma de alcançar “o crescimento necessário para garantir emprego e renda de que o Brasil necessita”.
🔸 Pela primeira vez na história, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) será comandada por uma mulher indígena: a advogada Joenia Wapichana. Ela própria já acumula um histórico vanguardista. Natural de Boa Vista, em Roraima, foi a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no país e também a primeira deputada federal indígena. A Alma Preta lembra que a Funai deixa o Ministério da Justiça e Segurança Pública e passa a compor agora a estrutura do inédito Ministério dos Povos Indígenas, liderado pela deputada federal Sônia Guajajara (PSOL).
🔸 Reformular a política de publicidade do governo federal para abarcar o cenário das mídias digitais. Esta é uma das demandas descritas no relatório de transição do grupo de comunicação do novo governo, obtido com exclusividade pelo Congresso em Foco. O texto indica ainda a necessidade de analisar contratos vigentes com empresas privadas de comunicação que, segundo levantamento preliminar, superam a casa dos R$ 500 milhões – somente em publicidade são R$ 450 milhões por ano. O grosso do relatório, porém, descreve o caos criado pela gestão Bolsonaro na Empresa Brasil de Comunicação. Além de ameaçar extingui-la e privatizá-la, o antigo governo militarizou a EBC e a mergulhou num cenário de constantes abusos.
🔸 Falando em comunicação: o presidente Lula criou, por decreto, a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, uma nova estrutura dentro da Advocacia-Geral da União (AGU). A ideia, segundo o governo, é atuar em casos de flagrantes mentiras, com clara intenção dolosa e que podem causar danos à sociedade, sem “jamais atuar sobre opinião e contrariar as liberdades de informação e de expressão”. Ouvidos pelo Jota, especialistas divergem sobre a decisão. André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão e de imprensa, considera a medida “inconstitucional e antiética”. “É no mínimo constrangedor que o Executivo, que produz as políticas públicas, possa atuar para se proteger das críticas”, argumenta.
📮 Outras histórias
Um catador de materiais recicláveis foi executado pela Polícia Militar ontem, na favela de Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Dierson Gomes da Silva, de 51 anos, carregava com ele um pedaço de madeira, e o objeto teria sido “confundido” com um fuzil por agentes que atiraram contra ele. A PM alega que realizava uma operação na comunidade para a prisão de grupos criminosos da região. O Portal Terra recorda que, exatamente dois anos atrás, a favela protestava pela morte de outro homem negro, Marcelo Guimarães, morto pela polícia aos 38 anos.
“Naquele dia, ele acordou cedo e passou o dia se embelezando, fazendo máscara facial, porque ele era muito vaidoso, passou creme, tirou a barba e minha mãe falou que ele vestiu uma roupa nova.” Em busca de respostas, Agatha Andreza Pires Ferreira repassa na memória o dia em que seu filho, Jorge Eduardo Rodrigues Filho, de 21 anos, foi morto pela PM, na zona oeste da cidade de São Paulo. Era 22 de novembro de 2022, e o jovem negro, ajudante geral de uma empresa de caçambas de caminhão, havia pedido folga para se preparar para o aniversário de 15 anos da irmã. A Ponte detalha o caso e conta que a polícia afirma tê-lo flagrado numa moto roubada, apontando o que seria uma arma de brinquedo. A mãe contesta: “Ele não era ladrão, era trabalhador”.
Em tempo: os mortos em decorrência de intervenções policiais no país são massivamente homens negros. Em reportagem sobre questões raciais nas propostas de governo, publicada no ano passado, o Desenrola e Não me Enrola destacou que 99,2% das vítimas fatais são homens negros e, desse percentual, 74% são jovens negros de até 29 anos. Os dados são do 5º Anuário de Segurança Pública divulgado em 2022.
📌 Investigação
É cada vez mais difícil ignorar os efeitos negativos dos alimentos ultraprocessados, como salgadinhos, biscoitos, achocolatados e refrigerantes. Só no Brasil, estima-se que o consumo desses produtos tenha causado cerca de 57 mil mortes prematuras (entre 30 e 69 anos) anualmente. Em artigo recente para a Nature Food, os pesquisadores Carlos Monteiro e Gyorgy Scrinis definiram três tipos de impactos dos ultraprocessados e elencaram lacunas que precisam ser supridas pelas pesquisas científicas sobre o tema. O Joio e O Trigo explica os três níveis de efeitos expostos pelos cientistas.
🍂 Meio ambiente
Diversas espécies de tartarugas, golfinhos e peixes correm risco na Bacia Amazônica. O problema se deve às quase 900 usinas hidrelétricas nos rios da região – dessas, 434 estão prontas ou em obras, e 463 estão planejadas. A grande maioria dos projetos é brasileira, especialmente nos rios Tapajós, Araguaia e Tocantins. Cientistas de instituições brasileiras e de outros países publicaram um estudo que explica que, caso se concluam, as barragens prejudicarão inúmeras espécies que dependem da migração pelos rios ou por suas margens para sobreviverem. O Eco lembra que a economia também é afetada, com impacto direto nas pescarias comerciais e de subsistência.
Tal impacto socioambiental é representado diretamente pelo discurso de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente. Desde sua primeira gestão na pasta, em 2003, ela reforça o conceito de “transversalidade”: a ideia de que a sustentabilidade deve percorrer e conectar vários setores das políticas públicas, da saúde à energia, dos transportes à educação. A revista piauí avalia que essa insistência foi o que a afastou dentro do governo naquela época e, embora a compreensão sobre o tema tenha avançado, ainda será um desafio novamente.
📙 Cultura
A questão ambiental quase nunca está dissociada de outros elementos sociais. É nessa direção que se desenvolve o pensamento do engenheiro ambiental Malcom Ferdinand, nascido em Martinica, ilha no Caribe e ex-colônia francesa. Ferdinand se apoia em um ambientalismo decolonial, que bebe nas águas de seus conterrâneos, Aimé Césaire e Frantz Fanon. É no livro “Uma Ecologia Decolonial: Pensar a Partir do Mundo Baribenho”, resenhado pela revista Quatro Cinco Um, que ele põe em xeque o discurso tecnocrático do ambientalismo, esvaziado de seus conteúdos políticos e de suas heranças históricas, montando o quebra-cabeça da destruição ambiental com colonialismo, relações de dominação patriarcal e racismo.
🎧 Podcast
Entre seitas, profecias e linhas imaginárias, o novo episódio do podcast Rádio Novelo Apresenta, produção da Rádio Novelo, desenha-se em duas histórias que se cruzam. Na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia na Amazônia, uma seita anunciava o fim do mundo, e os seguidores aguardavam a ressurreição de seu líder, que morreu em meados de 2000. Mais de duas décadas depois, o jornalista que acompanhou as pessoas em transe nas fronteiras amazônicas se lembrou do ocorrido. A lembrança veio devido ao estado de bolsonaristas nas eleições. Para ele, as cenas vistas foram muito parecidas.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
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