O impacto da vitória de Trump no clima e os funerais de rios na Bahia
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🔸 Declarado negacionista climático, Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos mais uma vez, mesmo em meio a uma onda de calor no país e na sequência de dois furacões que devastaram cidades. Não por acaso, entre ambientalistas, a volta do republicado à Casa Branca depois de quatro anos causa preocupação. Trump, afinal, já declarou que as ações de combate à crise climática são um “desperdício de dinheiro do contribuinte”. No último mandato, revogou mais de cem normas ambientais relacionadas à emissão de gases de efeito estufa. O Eco detalha o que esperar do presidente recém-eleito na agenda do clima. Na campanha, por exemplo, ele propôs não só deixar o Acordo de Paris, como também sair da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Para Adriana Ramos, secretária-executiva do Instituto Socioambiental (ISA), a eleição de Trump “coloca em risco todos os esforços para o enfrentamento à crise climática”.
🔸 A vitória de Trump prejudica diretamente o futuro da Amazônia. Isso porque, no ano passado, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que contribuiria com cerca de 2,5 bilhões de reais para o Fundo Amazônia. “Com a vitória de Donald Trump, esses recursos não chegarão mais”, afirma Daniel Camargos, em artigo na CartaCapital. Jornalista especializado na cobertura de meio ambiente, ele lembra a aliança do bolsonarismo com o trumpismo em cidades amazônicas, como São Félix do Xingu, no Pará. “Em Xinguara, poucos minutos após a vitória de Trump ser oficializada, o vereador recém eleito Ricardo Pereira Cunha (PL) postou uma foto de si mesmo vestido de camisa amarela e chapéu preto, com a imagem de Trump, a bandeira dos EUA e a frase: ‘Somos Trump’.”
🔸 “É uma antecipação – ainda sem razão de ser – mirar o STF para saber como o tribunal vai reagir à eleição de Trump. Primeiro é preciso saber se os movimentos em torno da anistia ao ex-presidente, Jair Bolsonaro, vão evoluir ou não. Depois, é preciso verificar em que condições e com que apoio isso pode vir a acontecer.” Em análise no Jota, Felipe Recondo defende que, embora a Corte esteja intimamente ligada aos movimentos políticos por ser “um tribunal cada vez mais conjuntural”, ainda é cedo para perguntar se os ministros vão mudar sua postura em razão da eleição de Donald Trump.
🔸 E o X? “A completa transformação do Twitter em cabo eleitoral de Trump sedimentou a ideia de que não é apenas ok, como também encorajado, espalhar desinformação em troca de ganhos políticos – estratégia antes restrita a redes menores”, escreve Sérgio Spagnuolo, no Núcleo. Ele lembra que a plataforma foi um dos principais meios usados pessoalmente por Trump na primeira eleição, em 2016. Mas, à época, “os atos extremos podiam gerar consequências” – como o bloqueio do republicado depois de incentivar a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. “No Twitter, até 2022, posts e perfis com esses tipos de absurdo eram monitorados e moderados. Nesse momento, eles têm milhares de retweets e são bombados por selos azuis pagos que têm seu conteúdo artificialmente amplificado.”
📮 Outras histórias
A avó de Marinalva Maria da Silva morou na Ilha de Mercês, em Suape, no litoral sul de Pernambuco, desde que nasceu, em 1912. Hoje uma liderança local, Marinalva vive ali e, com outros moradores do Quilombo da Ilha de Mercês, ajudou a bloquear o acesso ao Complexo Industrial Portuário de Suape nesta semana. A Marco Zero conta que o bloqueio é uma forma de protesto: a comunidade exige que Suape se comprometa a não remover nenhuma família de Mercês e pede que sejam interrompidas as ações de reintegração de posse contra moradores do quilombo e outros territórios da região. “A refinaria joga uma água podre que desce para o mangue matando tudo, contaminando o pescado que a gente come, imagina o que vai acontecer com a gente depois?”, questiona a líder quilombola.
📌 Investigação
“O rio Iriri do tempo dos meus ancestrais, com águas cristalinas e tom marrom escuro quando visto de cima, está mudando. No verão, mais seco, sua cor se converte em um verde intenso, inexplicável para a gente. Intrigado, decidi investigar o motivo”, escreve Wajã Xipai, em reportagem na Sumaúma, em parceria com a InfoAmazonia. Maior rio do município de Altamira, no sudoeste do Pará, o Iriri atravessa a Terra Indígena Xipaya, onde vivem 197 pessoas. “Só é possível falar do rio Iriri se falar dos Iriris, povos-floresta e mais-que-humanos que vivem em sintonia com ele. Não apenas fazem parte do rio Iriri, eles são Iriri”, completa Xipai, que consultou dois biólogos para analisar fotos e ouvir os relatos sobre as águas do rio. A conclusão: “Assim como aconteceu em outros rios e lagos que eles estudaram nos últimos anos, a causa do esverdeamento do Iriri parece ser a proliferação descontrolada de cianobactérias”, sinal de um processo de desequilíbrio ambiental agravado pelas mudanças climáticas. Em Altamira, há um fator extra: a usina hidrelétrica de Belo Monte. A floração de cianobactérias, aliás, foi um dos alertas feitos por cientistas sobre os impactos ambientais do projeto. A Norte Energia, concessionária de Belo Monte, informou que não monitora o rio, pois não está na área de influência da usina.
🍂 Meio ambiente
Em busca de reduzir o atropelamento de primatas nas estradas, a Prefeitura de Alta Floresta (MT), em parceria com outras entidades, se uniu à pesquisadora Fernanda Abra, do Projeto Reconecta. A bióloga é internacionalmente premiada por sua atuação em criar estruturas que diminuem os atropelamentos de animais. O objetivo da colaboração é instalar, até o ano que vem, 13 pontes de dossel que ligam os fragmentos na altura das copas das árvores em vias onde ocorrem acidentes com mais frequência. O Conexão Planeta lembra que Alta Floresta está na região do Arco do Desmatamento e também abriga parte do Parque Estadual Cristalino II. No município, cerca de 70% das espécies de primatas estão em extinção – a média brasileira é de 40%.
📙 Cultura
“O interesse pela preservação e restauração de obras cinematográficas é crescente, e vejo isso como um ganho para o audiovisual brasileiro”, afirma a cineasta Kátia Mesel. Aos 76 anos, a artista foi homenageada pelo festival Janela Internacional de Cinema de Recife deste ano. Ao longo da carreira, Mesel produziu e dirigiu quase 200 obras audiovisuais, especialmente documentários que retratam aspectos culturais de Pernambuco. Em entrevista à revista O Grito!, ela fala sobre a importância do reconhecimento de sua obra. “Esse tipo de homenagem em um festival do calibre do Janela Internacional, que tem uma visibilidade e uma adesão grande, é muito satisfatório e engrandecedor para a minha carreira”, conta. “Minha obra estava adormecida, e agora está pronta para o mundo.”
🎧 Podcast
Enquanto o agronegócio provoca escassez de água no Oeste baiano, comunidades tradicionais resistem à morte dos rios. A cada riacho que seca, fazem um funeral pela vida que ali se esvaiu. Em 2017, centenas de pessoas entraram em uma fazenda em Correntina e quebraram tratores, torres de transmissão e galpões. O levante marcou a luta da população contra a exploração e diminuição de água na região. O “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, visitou comunidades do oeste da Bahia para conhecer os modos tradicionais de uso da água e a resistência frente à perda dos rios.
✊🏽 Direitos humanos
Tecnologias de reconhecimento facial para a segurança pública, como o programa Muralha Paulista – que vem sendo implementado pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo –, são caras e estão distantes da eficácia vendida pelo discurso político. A Ponte ouviu especialistas sobre o tema e mostra que essas ferramentas reforçam estereótipos: as tecnologias têm uma tendência de erro maior em relação a mulheres negras ou pessoas trans. Coordenadora do “O Panóptico”, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Thallita Lima aponta ainda que existem problemas quanto à transparência: “Um dos principais problemas é o uso de parcerias público-privadas, nas quais câmeras de particulares são usadas para a produção e coleta de imagens que serão processadas por entidades públicas”.