O impacto da dragagem no rio Amazonas e os 500 anos de Camões
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🔸 Não há explicação natural para a proporção das chamas que se espalharam por São Paulo no fim de semana. Quem crava a afirmação é o cientista Carlos Nobre, referência mundial em estudos de crise climática. Ao Congresso em Foco ele explica que, embora as queimadas sejam esperadas nesta época, devido à estiagem no estado, “o número de incêndios ao longo do último mês foi sete vezes maior do que em agosto do ano passado”. Dois homens já foram presos acusados de espalhar gasolina em área de floresta. O cientista teme que o fogo na Amazônia e no Pantanal também tenha sido motivado por ações criminosas. Segundo ele, o desmatamento leva mais tempo e, por isso, é detectado por satélite, o que acelera a ação das autoridades. Os incêndios florestais demandam menos tempo e trabalho: “Eles botam fogo em minutos, no máximo horas, e o satélite só detecta quando é tarde demais e não tem mais ninguém ali”.
🔸 A propósito: a bancada ruralista está usando as redes sociais para associar as queimadas em São Paulo ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “MST manda recado a Lula e seus ministros de governo: ‘Vamos incendiar o agro no Brasil’”, diz post do deputado federal Lúcio Mosquini (MDB-RO). A Agência Pública conta que a informação já foi desmentida e que o MST respondeu aos ataques dos parlamentares: “Essas alegações sem fundamento têm como único objetivo desviar a atenção das verdadeiras causas dos incêndios e nos criminalizar por lutarmos por uma Reforma Agrária justa e sustentável”.
🔸 Enquanto isso, no Amazonas: candidatos a prefeito em cidades líderes do desmatamento na Amazônia Legal ignoram as queimadas, falam de forma superficial sobre preservação do meio ambiente e defendem o agronegócio como pilar do desenvolvimento econômico. O Amazonas Atual apurou o que dizem candidatos nos cinco municípios que mais desmatam no estado: Apuí, Lábrea, Boca do Acre e Novo Aripuanã. Na primeira do ranking de queimadas, Apuí, por exemplo, dos cinco candidatos a prefeito, apenas um propõe implantar projetos de conservação das florestas.
🔸 Das 20 capitais brasileiras que têm guardas municipais, 17 são armadas – algumas com calibres usados comumente por forças policiais e militares, revela a “Don’t LAI to me”, newsletter da Fiquem Sabendo. As 26 capitais que escolherão seus prefeitos nas eleições de outubro foram procuradas pela reportagem. Cuiabá (MT), Macapá (AP), Teresina (PI) e Natal (RN) não responderam. Embora não sejam forças como as polícias, as guardas municipais podem atuar em conjunto com agentes de outros órgãos de segurança pública, de acordo com uma lei de 2014. Desde então, muitas cidades ampliaram as funções das guardas e incluíram, por exemplo, a autorização para abordagens, revistas pessoas e prisões em flagrante.
📮 Outras histórias
“Se você está segura de quem é, do que é, de onde veio e sabe para onde quer ir, pode fazer o que quiser, que isso não vai te abalar tanto”, ensina a modelo trans Kayla Oliveira, de 27 anos. Ela fez do povoado onde nasceu, no interior do Ceará, sua passarela. Em fotos que ganharam as redes sociais, Kayla posa na paisagem da Caatinga, no curral dos avós ou montada num jumento. O Eufêmea narra a história da modelo, que perdeu a mãe quando tinha 1 ano e recebeu apoio do pai e da avó quando decidiu passar pela transição de gênero. Depois de morar no Maranhão e na Cidade do México, hoje ela mora em São Paulo e quer trabalhar para grandes marcas da indústria de moda.
📌 Investigação
Autores do projeto de lei que equipara a pena do aborto (realizado após 22 semanas de gestação) à de um homicídio – inclusive em casos de estupro –, como o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), usaram desinformação nas redes sociais para promover a proposta. A Agência Lupa identificou ao menos oito publicações, de cinco parlamentares que assinam o projeto, com conteúdo desinformativo e fatos distorcidos sobre o aborto. As publicações trazem informações já desmentidas, como a de que a indústria utiliza fetos humanos na produção de cosméticos.
🍂 Meio ambiente
Desde o dia 18 deste mês, ribeirinhos do município de Juruti (PA) já encontraram três peixes-bois e dois botos mortos, além de peixes menores e quelônios. Os moradores relatam que a morte dos animais começou após o início da dragagem – retirada de areia e lodo do fundo do solo do rio – de um trecho do rio Amazonas pela Alcoa, uma das maiores produtoras de alumínio do mundo, para que os navios com cargas de bauxita pudessem navegar. O Conexão Planeta lembra que essas espécies já sofrem com a seca severa dos rios amazônicos e ficam sob mais pressão com a dragagem. Além da desorientação da localização ecológica, o barulho do maquinário também afeta os animais, que se comunicam por sons. Depois do processo da dragagem, há ainda o risco de dispersão de materiais tóxicos que estavam no substrato do fundo do rio, como mercúrio, de volta ao ambiente.
📙 Cultura
“Tuire é uma das representantes indígenas que deveriam estar estampadas na capa da Constituição, para lembrar a todo cidadão brasileiro que os direitos Indígenas seguem em disputa e que ainda falta muito para fazer justiça e dignidade às populações Indígenas”, afirma o artista Gustavo Caboco Wapichana sobre sua obra “O Brasil voltou (?), Art. 231 e Art. 232, Demarcação já!, 2021-2023”. A convite da Sumaúma, artistas indígenas e amazônidas, como Gustavo, fizeram uma releitura da imagem de 1989 em que Tuire Kayapó Mẽbêngôkre aproximou seu facão do rosto do engenheiro José Antonio Muniz Lopes, representante da Eletronorte, em sinal de resistência à construção de uma gigantesca hidrelétrica no rio Xingu. Morta em 10 de agosto por um câncer de colo do útero, Tuire com seu gesto atrasou o empreendimento por cerca de duas décadas.
🎧 Podcast
Escritos cinco séculos atrás, os sonetos de Camões ainda são referência nas artes contemporâneas e em comerciais – inclusive no Brasil. Seu nome e sua obra se misturam à própria língua portuguesa e também à essência do Estado português. Anualmente, em 10 de junho, celebra-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas em conjunto. Em comemoração aos 500 anos do poeta, o “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, resgata sua biografia e tenta decifrar suas múltiplas facetas. “Não é um livro tão colonialista como imaginam. Camões também coloca em xeque a empreitada colonial portuguesa”, diz Sabrina Sedlmayer, professora de literatura portuguesa na Universidade Federal de Minas Gerais, sobre “Os Lusíadas”, a maior obra do poeta.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Crianças negras são as mais prejudicadas por atrasos no calendário vacinal e falta de acesso à vacinação nos primeiros anos de vida. Mães negras enfrentam quase o dobro de dificuldades para vacinar seus filhos em comparação com mães brancas, segundo artigo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo publicado na “Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde”. A Agência Bori mostra que os obstáculos mais registrados foram falta de vacina, sala de vacinação fechada e falta de profissional de saúde. Responsáveis negros também relataram mais dificuldades para levar os filhos para a vacinação – por motivos que vão da falta de tempo à dificuldade de transporte – em comparação com os brancos.