As ilhas de calor nas capitais da Amazônia e um santuário em risco no Pará
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🔸 Para tentar barrar o leilão de petróleo na Foz do Amazonas, o Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça. Na última quinta-feira, o órgão entrou com ação para a suspensão imediata do leilão do governo que inclui 47 blocos de exploração na região – 14 deles sobrepostos a áreas prioritárias de conservação. O MPF classifica a extração de petróleo na região amazônica como “grave contrassenso” por conta das mudanças climáticas e pelos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris. A Eixos explica que, na ação, o órgão exige a realização prévia de estudos de impacto climático, avaliação ambiental da bacia do Amazonas, análise sobre comunidades tradicionais e consulta prévia conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. A Federação Única dos Petroleiros e o Instituto Arayara também pedem o cancelamento, citando riscos à biodiversidade, ausência de estudos e desrespeito aos direitos das populações locais.
🔸 Enquanto isso, na Câmara… O deputado Zé Vitor (PL-MG), da bancada ruralista, foi nomeado relator do projeto de lei do licenciamento ambiental, conhecido como “PL da devastação”. A proposta foi aprovada no Senado em maio e retorna agora à Câmara antes de seguir para sanção presidencial. O Eco lembra que Zé Vitor integra a Frente Parlamentar da Agropecuária e já votou a favor de outras quatro propostas que enfraquecem a legislação ambiental, como o PL do veneno e o PL da mineração em terras indígenas.
🔸 Entre as capitais menos arborizadas do país, Belém e Manaus concentram ilhas de calor cujas temperaturas são até 10 °C superiores às registradas em áreas florestadas vizinhas. É o que revela análise exclusiva da InfoAmazonia dos mapas de calor gerados a partir de dados do satélite Landsat 8. Cidade sede da COP30, Belém tem apenas 39,6% de cobertura vegetal e apresentou uma temperatura média 2,6°C mais alta do que a floresta ao redor. Já em Manaus a população convive com uma temperatura média 3°C mais alta do que a registrada na floresta mais próxima. Nas duas cidades, onde vivem 70% dos habitantes da Amazônia Legal, a distribuição das árvores é desigual: bairros centrais são mais sombreados, enquanto periferias enfrentam calor extremo, baixa arborização e ausência de infraestrutura adequada. Como a Amazônia abriga mais de 16 mil espécies diferentes de árvores, especialistas afirmam que há espécies apropriadas para praticamente qualquer situação. “É preciso pensar a arborização de forma específica para cada local, e não, por exemplo, sair plantando mangueiras em todas as ruas”, afirma Rafael Salomão, pesquisador de arborização urbana do Museu Paraense Emílio Goeldi.
🔸 No Mês do Orgulho LGBTQIA+, parlamentares apresentam propostas em defesa da população, como a criação da Política Nacional de Saúde Mental para pessoas trans e travestis de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP). O Congresso em Foco destaca também o projeto do Estatuto da Diversidade de Gênero, de Daiana Santos (PCdoB-RS), que propõe garantias em saúde, trabalho e reconhecimento de identidade. Outras propostas da Câmara incluem cotas de 2% em concursos públicos para travestis e transexuais e licença-maternidade/paternidade para casais homoafetivos. Já no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES) propõe garantir direitos específicos à população trans em prisões, e Alessandro Vieira (MDB-SE) defende o uso obrigatório do nome social no atendimento à saúde.
📮 Outras histórias
Malamanhado, morgado e tabacudo são adjetivos do dialeto recifense. Não é questão de gíria ou de sotaque. A professora de fonética e fonologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Siane Gois Cavalcanti Rodrigues, explica que bastam algumas diferenças sutis para uma variação linguística ser considerada um dialeto – e o Brasil tem ao menos 16 deles. A Marco Zero mergulha no dialeto de Recife que tem marcas fonológicas, vocabulário específico e construções sintáticas distintas, como a ausência de artigos definidos (“casa de João”) e a monotongação (“pexe” em vez de “peixe”). O presidente da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), Cleber Alves de Ataíde, alerta para um risco: as escolas e os meios de comunicação que priorizam o “sotaque neutro”, forçando a homogeneização. “A escola precisa adotar uma metodologia que valorize a diversidade linguística e quando eu falo em diversidade linguística, estou falando da diversidade cultural”, afirma. Em tempo: a reportagem oferece um pequeno glossário.
📌 Investigação
“Eu estava me sentindo muito triste na enchente. Eu via vídeos da minha casa embaixo d’água, era muito triste porque aquela casa era onde eu morava, sabe? Eu tenho muitas lembranças lá. Todos os meus aniversários foram lá e era muito bom”, relata Millena de Ávila Rusinek, de 10 anos, que morava na Ilha da Pintada, parte do arquipélago do Guaíba, em Porto Alegre (RS). Em parceria com o Lunetas, o Nonada destrincha os impactos das enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul nas infâncias. A reportagem ouviu crianças de 9 a 12 anos, e as dez entrevistadas afirmaram que a vida nunca mais voltou ao que era: perceberam mudanças nas rotinas, deixaram suas casas e convivem com o luto de seus animais de estimação. Todas contaram que brincam menos e passaram a ajudar mais nas tarefas de casa. Yohan de Almeida, de 11 anos, tem se sentido orgulhoso quando ajuda os pais na reforma da antiga casa: “Ver a casa pronta, a rua bonita, essas coisas. Parece simples, mas pra mim não é. São coisas novas”. Atualmente sua família vive em uma casa modular cedida pela prefeitura.
🍂 Meio ambiente
O Ibama autorizou que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) inicie o derrocamento do Pedral do Lourenção, formação rochosa no rio Tocantins, no Pará. A obra envolve explodir rochas para retirá-las do lugar, deixar o rio mais largo e mais fundo para a passagem de embarcações maiores. Trata-se de uma etapa do projeto de ampliação da Hidrovia Tocantins-Araguaia, rota fluvial que pretende ampliar a capacidade de escoamento da soja. Segundo a Sumaúma, o Pedral do Lourenção é um abrigo de peixes e um santuário para comunidades ribeirinhas: lá está o Nego d’Água, entidade que habita as profundezas da formação. “Se não tem pedral, não tem peixe, nem camarão, nem tartaruga, nem nada”, conta a jovem Alice Oliveira, da Comunidade Vila Praia Alta. Desde 2022, o Ministério Público Federal alega que os impactos da obra não foram totalmente avaliados e pede a suspensão da licença na Justiça.
📙 Cultura
“Onde eu estou, todos os meus ancestrais estão comigo. E todos aqueles que virão depois de mim também. Não estou abrindo um caminho, estou caminhando por um caminho que já foi deixado, deixando ferramentas para os próximos seguirem”, afirma o percussionista Cauê Silva, da Orquestra Afrikanse, que reúne artistas da Nigéria, Moçambique, Guiné, Senegal, Congo e África do Sul no Brasil. A Alma Preta conta que a Afrikanse foi um dos projetos que participaram do Festival Sesc Culturas Negras, em São Paulo, que tem a “existência negra” como eixo central para refletir sobre trajetórias, territórios e saberes produzidos por comunidades negras. “O mais simples é entender que os africanos na diáspora não estão apenas à procura de melhores condições de vida. É entender o caminho de volta para casa. É costurar um cordão umbilical que o opressor cortou”, diz Ermi Panzo, responsável pela direção artística da orquestra.
🎧 Podcast
Depois da maior enchente da história do Rio Grande do Sul, as práticas agroecológicas no Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul, foram cruciais para a recuperação e manutenção da fertilidade do solo, conta a assentada Márcia Riva. Já em Minas Gerais, a agricultora Sirlene Ramos mostra como essas técnicas são capazes de conservar a água e o solo para conter enxurradas. O “Narrando Utopias”, produção do Portal Catarinas, entrelaça as histórias para explicar como, a partir da organização comunitária, as tecnologias de agroecologia são eficazes e adaptáveis para a recuperação ambiental em larga escala.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Começou sábado a Copa do Mundo de Clubes da Fifa, nos Estados Unidos, reunindo times de diferentes países. Apesar das origens distintas, a maioria dos participantes pertencem a redes multi-clubes, grupos empresariais que gerem vários clubes de futebol pelo mundo, como a Eagle Football Holdings, proprietária do Botafogo (Brasil), Lyon (França) e RWD Molenbeek (Bélgica); e a Atlético de Madrid International Holdings, que tem sob domínio o Atlético de Madrid (Espanha), Atlético Ottawa (Canadá) e Atlético de San Luis (México). No Le Monde Diplomatique Brasil, os pesquisadores Jonathan Ferreira e Irlan Simões analisam a lógica do capital nessas redes, que optam por cidades médias da Europa Oriental, mercados emergentes da América do Sul ou centros em crise. “A financeirização do futebol não significa apenas entrada de dinheiro privado. Significa uma transformação nas formas de organização, em que clubes deixam de ser instituições esportivas locais e passam a funcionar como pontos de uma engrenagem global.”