A partida de Glória Maria, o plano golpista e a fome entre indígenas do Sul
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Oi, pessoal. Aqui é a Audrey, editora da Brasis. Entramos agora no sexto mês de disparo da newsletter, tendo vocês como leitores todos os dias. É uma honra. Foram seis meses de curadoria minuciosa e, agora, queremos afinar ainda mais o trabalho para apresentar uma seleção de histórias cada vez mais interessante. Para isso, precisamos saber um pouco mais sobre quem nos acompanha e elaboramos uma pesquisa – um questionário curto, com perguntas simples e diretas, para avaliar e melhorar a Brasis. É só clicar aqui.
Contamos com vocês.
Obrigada e boa leitura.
🔸 Glória Maria foi a primeira repórter a fazer uma entrada ao vivo e em cores, em 1977. O equipamento de luz queimou, ela precisou acender o farol do carro e fez a entrada ajoelhada. Glória Maria foi a primeira mulher brasileira a cobrir uma guerra, em 1982, nas Ilhas Malvinas. Foi também a primeira a usar a Lei Afonso Arinos, lei pioneira (dos anos 1950) que considerava a discriminação racial uma contravenção penal. Num tempo em que as referências não ganhavam o devido destaque, ela própria se fez referência. Filha de pai alfaiate e mãe dona de casa, a jornalista, primeira repórter negra da TV Globo, morreu ontem. O Nós, Mulheres da Periferia resume numa lista as vezes em que Glória Maria fez história.
🔸 “Não deixa aquela neguinha chegar perto de mim.” Foi o que João Figueiredo, último presidente do regime militar, disse a um segurança quando era entrevistado por Glória Maria para o Jornal Nacional. O filme havia acabado, ela pediu para repetir, ele se recusou e disparou a frase racista. A revista O Grito! lembra o episódio e, também, a glória da jornalista ao entrevistar Madonna, Freddie Mercury e Michael Jackson, algumas das estrelas que tiveram a chance de conhecer a primeira repórter negra da TV Globo.
🔸 Na terra indígena Yanomami, seguem as notícias trágicas. Pelo menos 30 meninas e adolescentes estariam grávidas, vítimas de abusos cometidos por garimpeiros em Roraima. Segundo o secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro, há ainda relatos de seis casos suspeitos de acolhimento irregular de crianças Yanomami. O Notícia Preta informa que o governo está coletando informações para que a Polícia Civil de Roraima, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal iniciem as investigações.
🔸 Em Brasília, a pauta é, outra vez, golpe. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) contou, em live e em entrevista, que foi “coagido” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a tentar um golpe, em dezembro passado, numa reunião que incluiu também o ex-deputado federal Daniel Silveira (PRB-RJ). A ideia era grampear o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para pinçar alguma frase que o comprometesse e o levasse à prisão, de forma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não pudesse ser diplomado. Ontem, porém, ele mudou o discurso depois de conversar com Flávio Bolsonaro. Disse então que a ideia de golpe partiu de Daniel Silveira. O Portal Terra mostra o vaivém de versões até seu depoimento na Polícia Federal. Lá, ele afirmou que Bolsonaro ficou em silêncio e só se manifestou ao final, quando disse que aguardava uma resposta sobre a tentativa de golpe.
🔸 Para ouvir: o plano golpista relatado por Marcos do Val se insere em uma série de suspeitas de que a ideia de anular as eleições para manter Bolsonaro no cargo circulava no entorno do ex-presidente. O Durma com Essa, produção do Nexo, mergulha no caso.
📮 Outras histórias
Enquanto as imagens da tragédia Yanomami chocam o país, no outro extremo do Brasil, kaingangs enfrentam fome, falta de água e atendimento médico. Vivem na Terra Indígena (TI) Guarita, localizada entre os municípios de Tenente Portela, Redentora e Herval Seco, no Rio Grande do Sul. A TI abriga cerca de 8 mil pessoas e existem nove postos de saúde na região. No entanto, há apenas um médico para atender todas as aldeias indígenas. O Sul21 expõe a situação na região, onde vivem crianças desnutridas e com verminoses. Trata também da criação de uma força-tarefa para atender a crise de forma emergencial. “O problema maior é a falta do estado brasileiro em todas as esferas, municipal, estadual e federal, levando políticas públicas para as áreas indígenas. A gente espera que a reconstrução da política pública agora seja retomada”, afirma Rodrigo Medeiros, membro da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), que atende povos indígenas.
No litoral de Pernambuco, o porta-aviões que virou sucata segue no centro de uma novela judicial. A Justiça decidiu que a Marinha pode usar explosivos para afundar o casco do porta-aviões São Paulo em águas internacionais. O Marco Zero explica o caso e conta que o Ministério Público Federal recorreu, apontando riscos de danos ambientais graves. Afinal, a sucata do navio carrega, no mínimo, 10 toneladas de amianto, substância com potencial tóxico e cancerígeno, além de 644 toneladas de tintas e outros materiais perigosos.
📌 Investigação
A cada três tuítes virais de parlamentares empossados nesta semana, um continha desinformação ou ataques a políticos ou instituições durante o período entre 16 de agosto de 2022 e 27 de janeiro de 2023. O Aos Fatos analisou as mil publicações no Twitter com maior número de interações (curtidas e retuítes) dos 513 deputados e 27 senadores. Todo o material com maior engajamento foi publicado por apenas 35 parlamentares. Embora mais de 80% deles sejam apoiadores de Bolsonaro, o topo da lista é ocupado pelo deputado federal André Janones (Avante-MG), que foi coordenador de redes da campanha de Lula: ele tuitou 55 mensagens de ataques e três de desinformação. Em seguida, está Gustavo Gayer (PL-GO), com 35 tuítes de ataques e 15 de desinformação. Ao ser questionado pela reportagem, Gayer respondeu com um xingamento e expôs os emails em uma sequência de stories no Instagram. Escreveu: “Agência de checagem veio encher o saco hoje então eu dei a única resposta digna”.
🍂 Meio ambiente
Quando a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) não é uma boa notícia para o meio ambiente. Sancionada pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), a APA do Médio Paraíba está completamente sobreposta ao Refúgio de Vida Silvestre (Revis) Estadual do Médio Paraíba, cujo nível de preservação é mais rigoroso. O Eco explica que, embora as medidas mais restritivas sejam as que valem juridicamente, a decisão pode criar confusão e abrir uma brecha perigosa para outro Projeto de Lei que tramita na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – a que, de fato, extingue o refúgio. Ele, por sua vez, resguarda a biodiversidade que depende do rio Paraíba do Sul, ao proteger suas águas e margens, essenciais também para a segurança hídrica do estado.
Agricultores de plantações orgânicas sofrem com a contaminação causada pelo avanço da soja em área de transição entre o Pantanal e a Amazônia, no Mato Grosso. Foram encontrados 10 tipos de agrotóxicos em amostras coletadas nas águas da chuva, rios, córregos, cachoeiras, poços artesianos e tanques de piscicultura, segundo o relatório técnico “Agrotóxicos no Pantanal”, publicado pela ONG Federação de Órgãos para Assistência Social, em parceria com Instituto de Saúde Coletiva e o Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso. A Repórter Brasil e a Agência Pública narram o drama dos produtores familiares que passaram a conviver com o veneno até mesmo na caixa d’água de escolas rurais.
📙 Cultura
Patrimônio cultural de Salvador, a festa de Iemanjá é considerada a maior celebração da cultura afro-brasileira da Bahia e completou cem anos ontem. A Alma Preta conta que a cidade ganhou uma escultura negra da orixá, resgatando os significados e a reconstrução da cultura africana. Apesar disso, a obra não irá substituir sua versão branca, instalada no altar da Colônia de Pescadores. “Embora Iemanjá tenha aparecido tantas vezes como branca, não me parece que sua força africana esteve 'esquecida'. Essa festa sobreviver com tanto protagonismo e com uma força de reinvenção contínua é, ao meu ver, um espelho da força das tradicionais religiosas afro-brasileiras”, afirma a jornalista e doutora em antropologia, Cleidiana Ramos.
Batizado de “SUS da Cultura”, o Sistema Nacional de Cultura (SNC), aprovado em 2012, pode se consolidar a partir das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, com a descentralização de recursos e políticas para o setor. Em ensaio publicado no Nonada, a produtora cultural, professora e pesquisadora Inti Anny Queiroz destrincha o histórico das políticas culturais no Brasil e explica como o SNC pode se tornar o que nasceu para ser em uma construção conjunta do Novo Plano Nacional de Cultura e da 4ª Conferência Nacional de Cultura.
🎧 Podcast
Era 1986 quando o naturalista Augusto Ruschi adentrou a Amazônia em busca de um beija-flor, mas tudo saiu do lugar quando ele teve contato com uma espécie venenosa de sapo e quase morreu. Teria morrido, se a história não tivesse se desdobrado em outra: o então presidente José Sarney promoveu um encontro entre Ruschi, o cacique Raoni e o pajé Sapaim no Rio de Janeiro para um ritual de cura, com cobertura detalhada da mídia da época. Raoni pediu para que um fotojornalista acompanhasse o processo para que os “brancos vissem que o que faziam não era brincadeira”. Essa história com reviravoltas e subtramas é contada no primeiro ato do novo episódio da “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Não basta a gente dizer ‘tem uma secretaria. Todo mundo tem que mudar de postura agora’, não é assim. A política pública é feita por pessoas e em diversas camadas.” Symmy Larrat é a primeira pessoa a ocupar a recém-criada Secretaria Nacional LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos. Ela é também a primeira presidente travesti da tradicional Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Intersexo (ABGLT). Em entrevista à revista Afirmativa, Larrat faz o balanço do governo Bolsonaro para a comunidade LGBTQIA+, expõe as prioridades de sua pasta e explica a necessidade de atuação interseccional com o Ministério da Justiça e o da Igualdade Racial.