Os gastos exorbitantes da CBF e a controversa hidrovia no rio Paraguai
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🔸 Com a escalada tarifária promovida por Donald Trump, as redes sociais se tornaram palco de apoio às medidas por motivações distintas. A Lupa mostra que, entre perfis de direita, prevalece a ideia de que o presidente dos Estados Unidos estaria corrigindo desequilíbrios históricos no comércio global em favor de seu país. Já em páginas alinhadas à esquerda, o tarifaço é visto como uma possível vantagem para o Brasil, com expectativa de novos ganhos econômicos. O consultor de comércio internacional Matheus Andrade pondera: “Hoje, numa situação de agravamento da tensão entre Estados Unidos e China, é possível que o Brasil se favoreça nas exportações agrícolas para a China, mercado que dividimos com os EUA. Esse é um ganho de curto prazo. Quando você conversa com as indústrias e com as empresas em geral, ninguém está falando em vantagem. É um momento de retração”.
🔸A guerra tarifária entre Estados Unidos e China vai além do comércio: trata-se de uma disputa pelo controle das indústrias tecnológicas que moldarão o poder global nas próximas décadas. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, Lauro Accioly Filho, pesquisador Visitante na American University, explica o cenário – enquanto os EUA lideram em áreas como IA, semicondutores e biotecnologia, a China avança em setores estratégicos como baterias, telecomunicações, veículos elétricos e energia renovável. Com impacto em cadeias globais como a de semicondutores, as tarifas de Trump aumentam custos e incertezas – sem frear o avanço chinês. A Apple, por exemplo, pode sofrer até US$ 39,5 bilhões em custos adicionais.
🔸 Depois de adiar a medida três vezes em 2023, o Brasil voltou a exigir visto para turistas dos Estados Unidos, Canadá e Austrália. A emissão é eletrônica, via VFS Global, com taxa de US$ 80,90. A medida retoma o princípio da reciprocidade diplomática, rompido em 2019 por Jair Bolsonaro (PL), ao isentar esses países sem contrapartida. O MigraMundo explica que a medida ainda pode ser revertida: em março, o Senado aprovou um projeto que anula a decisão do Executivo e restabelece a isenção de vistos para os três países. O texto ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, mas a tramitação está parada e sem previsão de votação. Em 2024, os cidadãos dos EUA ficaram na vice-liderança entre os turistas no Brasil, atrás somente dos argentinos.
🔸 A maior mobilização indígena do país terminou sem a presença de Lula e sem nenhuma nova terra homologada, ao contrário do que aconteceu nos anos anteriores deste mandato petista. Segundo o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, a presença de Lula foi impactada pelo tumulto na quinta-feira, quando policiais lançaram bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta nos manifestantes. A Agência Pública conta que a maior conquista do ATL foi a criação de uma comissão indígena para atuar na COP30, em Belém. Mas não faltaram críticas de lideranças. Alessandra Korap e Maria Leusa, do povo Munduruku, denunciaram a violência e a lentidão nas demarcações das terras indígenas, e criticaram o Marco Temporal e a câmara de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), tida como uma tentativa de “negociar direitos constitucionais”.
📮 Outras histórias
A Prefeitura de Porto Alegre foi intimada na ação para indenizar atingidos pela enchente histórica de maio de 2024. A liminar acata um pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul para que o município indenize vítimas com base em danos morais coletivos e danos materiais e morais individuais. Segundo a Procuradoria-Geral do Município, se condenada, a prefeitura pode pagar até R$ 4,7 bilhões. O Sul21 explica que o foco do processo são as áreas protegidas pelo Sistema de Proteção contra Cheias, ou seja, regiões da capital gaúcha que deveriam estar seguras contra inundações. Assinada pelos promotores Carla Carrion Frós (Núcleo de Proteção aos Direitos das Vítimas) e Cláudio Ari Mello (Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística), a ação propõe uma abordagem coletiva para acelerar os processos: pede a suspensão das ações individuais e a possibilidade de que as vítimas usem a decisão coletiva como base para pedir execução judicial dos valores.
📌 Investigação
O futebol tem ficado de lado na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para dar espaço ao uso pessoal do dinheiro da entidade. No ano passado, 110 árbitros foram afastados por falhas técnicas. O alto número é sintoma de algo maior: em abril de 2022, quando Wilson Luiz Seneme assumiu a comissão de arbitragem, apresentou dois projetos de treinamentos de árbitros, com custo estimado em R$ 60 milhões. Mas a formação foi suspensa pelo presidente Ednaldo Rodrigues, alegando restrições orçamentárias. A revista piauí revela que a CBF tem gastos direcionados a trocas de favores para os “cartolas” que comandam as federações estaduais. Conquistar o apoio deles tem saído caro: até 2021, os líderes nos estados ganhavam R$ 50 mil por mês. Quando assumiu, Rodrigues fez reajustes generosos – o valor saltou para R$ 215 mil, com direito a décimo sexto salário. Em abril do ano passado, por exemplo, numa assembleia no Rio de Janeiro, o presidente da Federação de Futebol do Espírito Santo, Gustavo Vieira, aproveitou para levar a família a um passeio – com passagens e hospedagens pagas pela CBF.
🍂 Meio ambiente
Com concessão ao setor privado prevista para este ano, a hidrovia no rio Paraguai é um incentivo ao aumento do desmatamento, do agronegócio e da mineração no Pantanal e no Cerrado. É o que explica Stefania de Oliveira, a pesquisadora e coordenadora técnico-científica do Instituto Socioambiental SOS Pantanal: “Haverá mais pressão para converter áreas naturais, sobretudo para o agronegócio, como de soja, milho e carne”. O Eco destaca que estão previstos mais de 30 pontos de dragagens contínuas, remoção de rochas e retificação das curvas do rio, processo que vai acelerar a saída de água e arrisca acabar com as cheias e vazantes no Pantanal todo, não apenas na extensão da hidrovia. “A navegação sempre ocorreu, mas respeitando os meses de cheias e de secas do manancial. Agora, querem ‘privatizar’ o rio para explorá-lo ao máximo”, lembra a pesquisadora.
📙 Cultura
“A gente foi criado com tudo vindo da palmeira”, conta Deroní Mendes, nascida na Fazenda 13 de Maio, um sítio quilombola da região de Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso, que reúne os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. Ela se refere à palmeira de babaçu: da palha, se fazia o teto da casa, e do coco, o óleo de cozinha e o leite. Deroní saiu da comunidade para estudar e voltou como defensora dos direitos dos povos tradicionais e suas identidades ancestrais. O Nonada narra sua trajetória e revela a importância da memória e das práticas culturais como a culinária para a resistência das comunidades na região. Vila Bela da Santíssima Trindade tem cinco áreas quilombolas reconhecidas oficialmente, mas nenhuma delas teve o território formalmente titulado ou homologado. “Minha mãe se reconhece como quilombola. Ninguém nunca tinha perguntado pra ela”, afirma. “E diferentemente do processo indígena – que geralmente parte das próprias comunidades –, o reconhecimento quilombola nessas áreas foi feito de cima para baixo, por pesquisadores.”
🎧 Podcast
“Se você me perguntar qual é a trajetória histórica dos contracolonialistas, nós somos quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, marisqueiras, marisqueiros, pescadores, agroecologistas. Nós temos uma história para contar”, disse Antônio Bispo dos Santos, o Nego Bispo. O “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, traz uma conversa inédita com o pensador quilombola, realizada poucos meses antes de sua morte, em dezembro de 2023. Nego Bispo refletiu sobre a origem do título de seu livro “A Terra Dá, A Terra Quer” e sobre suas frases mais marcantes como “eu não sou humano, eu sou quilombola”. “Quando a gente diz ‘a terra dá e a terra quer’, a gente está dizendo que a terra, e tudo que existe na terra, é uma biointeração, é uma vida orgânica, cíclica”, explicou Bispo. “Então, esse título, ele é orgânico, porque ele não está dizendo ‘preserve o meio ambiente’. Ele está dizendo ‘se relacione com o ambiente’.”
✊🏾 Direitos humanos
A autodeclaração LGBTQIA+ nas empresas é fundamental para a formulação de políticas públicas e para a carreira dessa população. Mas que se vê hoje é uma lacuna de dados: a autodeclaração sobre Diversidade Sexual e de Gênero (DSG) não é contemplada pelo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ou seja, não é possível dimensionar a representatividade de pessoas LGBTQIA+ no país. Segundo a Emerge Mag, as bases do Ministério do Trabalho e Emprego também não reúnem tais dados: não se sabe se profissionais dessa população têm carreiras duradouras o suficiente para obter a aposentadoria, quantos contribuem com o INSS para acessar benefícios sociais ou ainda o tamanho da discriminação nas empresas. O acolhimento é um fator determinante para a autodeclaração nas organizações. A PwC, por exemplo, viu esse indicador crescer: em 2018, quando criou campanhas afirmativas, o percentual de funcionários autodeclarados LGBTQIA+ era de 20%; no ano passado, chegou a 60%.