O futuro da Igreja Católica e o 'greenwashing do gado' na JBS
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🔸 A morte do papa Francisco impõe a pergunta: o sucessor será conservador ou progressista? Para Tabata Tesser, pesquisadora do Laboratório de Antropologia da Religião da Unicamp, essa dicotomia é limitada. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, ela afirma que o pontífice acolheu minorias e denunciou injustiças, mas não rompeu com estruturas patriarcais da Igreja. “Francisco manteve posições tradicionais e restritivas sobre família e aborto. Sobre aborto, Francisco enfatizou o perdão às mulheres que praticam, mas usou das mesmas armadilhas linguísticas no estímulo ao mito criado pelo Vaticano sobre ‘ideologia de gênero’, como fez seu antecessor. Isso o torna conservador?”, questiona Tesser. E completa: “É utópico crer que o novo papa falará em queda do poder patriarcal-colonial do Vaticano ou que teremos uma igreja dissidente com avanços nos temas da sexualidade e nos direitos reprodutivos”.
🔸 Outra pergunta: com a partida de Francisco, Trump e o fascismo vão capturar a Igreja Católica? Para Vinícius Rodrigues Vieira, doutor em Relações Internacionais, a morte do papa inflama o risco de avanço da extrema direita no catolicismo. Em artigo no Jota, ele conta como setores conservadores, antes discretos, hoje articulam a politização da fé por meio de paróquias e mídias reacionárias, associando-se a figuras como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Enquanto vivo, Francisco foi alvo de ódio na internet por acolher minorias e defender migrantes, pobres e o meio ambiente. Sua postura, centrada no Evangelho e na caridade, irritava setores que desejam uma Igreja autoritária e elitista. Para Vieira, o próximo conclave pode moldar não só o futuro da Igreja, mas o equilíbrio entre fé e democracia no Ocidente.
🔸 A propósito: só participam do conclave cardeais com menos de 80 anos, isolados na Capela Sistina até que um deles receba dois terços dos votos. Todos fazem um juramento solene de manter segredo absoluto sobre as discussões e votações, sob pena de excomunhão. O Correio Sabiá aponta os dez candidatos considerados favoritos para suceder o papa Francisco. No topo da lista, está o italiano Pietro Parolin, atual secretário de Estado do Vaticano, principal responsável pela diplomacia da Santa Sé. Ele é acessível, pragmático e tem bom trânsito tanto entre setores conservadores quanto progressistas.
🔸 Em Brasília, o Supremo Tribunal Federal aceitou por unanimidade a denúncia contra o “núcleo 2” da trama golpista, tornando réus 14 aliados de Jair Bolsonaro, entre ex-assessores, militares e o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques. Todos passam a responder por crimes como organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, dano ao patrimônio público e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A Lupa explica que a ação agora entra em fase de instrução processual, com possibilidade de oitivas, coleta de provas e audiências. As penas podem somar até 43 anos de prisão. O STF já havia tornado réus nomes do alto escalão do governo anterior, como Braga Netto, Anderson Torres, Augusto Heleno e o próprio Bolsonaro.
🔸 No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes usou o julgamento da ADPF das Favelas no STF como palanque político e avanço estratégico rumo à eleição para governador em 2026. Ao se posicionar contra a ADPF 635, que impôs limites às operações policiais em favelas, e articular diretamente com ministros do Supremo, Paes teria sido peça-chave para o esvaziamento da ação, que há cinco anos buscava proteger moradores das periferias. É o que afirmam Fransérgio Goulart e Giselle Nunes Florentino, em artigo na Ponte. Embora segurança pública não seja atribuição municipal, o prefeito está promovendo o armamento da Guarda Municipal e ensaia uma nova versão das Unidades Pacificadoras de Polícia, as UPPs. Paes anunciou, aliás, que vai a El Salvador para conhecer de perto as ações implementadas pelo presidente Nayib Bukele. Ele, por sua vez, “vem reduzindo drasticamente a taxa de homicídios sob o preço de sucessivas violações de direitos humanos, uma política de encarceramento em massa e restrições nas liberdades de expressão”.
📮 Outras histórias
Mãe de cinco crianças atípicas, Luana Rodrigues, 44 anos, criou uma rede de apoio que hoje acolhe 340 famílias atípicas em Alagoas. Ela mesma é uma sobrevivente: na infância, enfrentou abusos do próprio pai. Quando adulta, decidiu denunciá-lo e quase perdeu a vida, como narra o Eufêmea: foi espancada e só não morreu porque a polícia chegou a tempo. Por fim, em 2006, denunciou o agressor novamente. Ele foi condenado a 76 anos de prisão. Luana então se formou em Direito, mas fez carreira na confeitaria. Quando perdeu a visão e enfrentava um divórcio, percebeu que o sistema não lhe daria apoio e tomou mais uma decisão corajosa: desenvolveu o Famílias Atípicas Empreendedoras, que cria oportunidades para famílias de pessoas neurodivergentes que empreendem.
📌 Investigação
Mirando entrar na Bolsa de Valores de Nova York, a JBS afirma fazer uma “revolução verde”. Os pecuaristas que fornecem gado para o frigorífico, no entanto, desmentem o marketing. Em parceria com o jornal britânico The Guardian e a Unearthed, braço de jornalismo investigativo do Greenpeace, a Repórter Brasil ouviu mais de 35 fazendeiros e profissionais do setor em três viagens pelas principais regiões onde a JBS compra bois na Amazônia. Segundo os relatos, a prática de “greenwashing do boi” é comum: o gado sai de áreas que não cumprem as regras ambientais, mas é vendido com documentos de fazendas com ficha ambiental limpa.Os fornecedores afirmam ainda que a empresa conhece o esquema. “O endereço [no documento] é em uma cidade, mas as cargas são carregadas em outro município. Eles do frigorífico sabem tudo.”
🍂 Meio ambiente
Desde que Belém foi anunciada como a sede da COP30, o governo de Helder Barbalho (MDB) tem investido na infraestrutura urbana a partir de lógicas que não condizem com a agenda climática. Em artigo no Conversation Brasil, o professor e pesquisador Bruno Soeiro Vieira analisa as evidências de “greenwashing” nos preparativos para o evento. Um exemplo é a duplicação da Rua da Marinha e a construção da Avenida Liberdade. As obras não só estimulam ainda mais o uso de carros, como também resultam na remoção de milhares de árvores, na perda de biodiversidade e na morte de centenas de animais silvestres ao longo do traçado das duas vias. “Na construção da futura Avenida Liberdade, além da expressiva supressão vegetal, seu traçado ‘rasga’ uma Área de Proteção Ambiental (APA), pondo em sério risco o manancial de água que serve à comunidade quilombola Abacatal”, afirma o pesquisador.
📙 Cultura
O percentual de pessoas acima de 60 anos que consome cultura no país está abaixo de 30% em quase todas as linguagens artísticas e tipos de equipamentos culturais, segundo a pesquisa “Cultura nas Capitais”. O Nonada mostra como, apesar das leis e iniciativas de apoio, essa população ainda enfrenta obstáculos para exercer seus direitos culturais. “A minha acessibilidade das pernas me impede de fazer muitas coisas. Dia desses teve uma apresentação na Biblioteca [Estadual] do Rio Grande do Sul. E aí a professora me ligou, ela estava lá e falou assim: ‘Não, o senhor não pode, não dá para o senhor vir porque aqui não tem acessibilidade para o senhor entrar’. Eu fiquei triste, né?”, relata Fernando Coelho da Costa, de 70 anos, uma das vozes masculinas da turma de técnica vocal no Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores (CMET) Paulo Freire, em Porto Alegre (RS), onde são oferecidas oficinas artísticas e práticas culturais a idosos.
🎧 Podcast
Apesar de misturados nos sites, os jogos de azar, como o Tigrinho e o Aviãozinho, e as apostas esportivas mobilizam os usuários de maneiras distintas. No caso delas, acompanhar o processo e vencer é mais prazeroso que o retorno financeiro. As bets se tornaram assunto recorrente no governo, na imprensa e no dia a dia, já que o Brasil se tornou o sétimo maior mercado de apostas do mundo, segundo a H2 Gambling Capital. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, esmiúça o funcionamento da lógica das apostas esportivas e as estratégias utilizadas por apostadores profissionais – que chegam a ser expulsos das casas. O episódio mergulha ainda no motivo de seres humanos se interessarem por apostar.
✊🏾 Direitos humanos
“Nos últimos anos no Brasil, há um conjunto de violências físicas e simbólicas contra imigrantes e refugiados negros, seja de violências perpetradas pela sociedade ou pelos agentes do Estado”, afirma o sociólogo Alex André Vargem sobre a morte do ambulante senegalês Ngange Mbaye durante operação da Polícia Militar no Brás, em São Paulo, no dia 11 de abril. Em entrevista à Alma Preta, o pesquisador destaca que as violências contra africanos são reincidentes no país e permanecem mesmo sob a Lei de Migração, que reconhece os imigrantes como pessoas com direitos. “Este caso da morte do senegalês Ngange Mbaye não foi isolado. Se torna um episódio emblemático como o do congolês Moïse e outros casos de violações de direitos humanos.” Antes de sua morte, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) já havia realizado uma audiência pública para debater a escalada de violência policial contra imigrantes africanos e ambulantes.