O funk em disputa nas eleições e a política pop de Erika Hilton
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🔸 “A velha política sempre busca novos métodos de se aproximar da periferia, e o bode expiatório da vez é o movimento funk.” A afirmação é da produtora cultural, dançarina e pesquisadora Renata Prado, sobre a “aproximação perversa” da direita. Na semana passada, o coach e candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) visitou a produtora Love Funk, cujo proprietário fez postagens em apoio à sua candidatura. Antes ainda, a GR6, uma das maiores produtoras de funk do país, manifestou apoio à reeleição de Ricardo Nunes (MDB). A Alma Preta ouviu mulheres ligadas ao funk, que listam críticas à estratégia dos políticos. “Eles sabem o poder que o funk tem”, alerta a deputada estadual Ediane Maria (PSOL-SP), lembrando que o movimento cultural não pactua com o apoio de empresários do funk a esses candidatos.
🔸 A propósito: os jovens de periferia têm de fato poder para transformar eleições. Neste ano, 28 mil eleitores na cidade de São Paulo têm entre 15 e 17 anos. Do total de zonas eleitorais da capital, aquelas localizadas nas periferias têm a maior parte do eleitorado adolescente, casos de Piraporinha e Grajaú, na zona sul. A Agência Mural conversou com jovens de 16 e 17 anos que decidiram votar neste ano, mesmo sem a obrigatoriedade. Eles estão preocupados com mobilidade, emprego, saúde e educação. “A gente vai lá na Câmara ver quem tá decidindo por nós, jovens, e geralmente não são os jovens. Geralmente, é o pessoal mais velho e que tem uma condição financeira maior do que a da nossa realidade”, afirma John Lincoln Gonçalves Anacleto, 16 anos, morador da Cidade Tiradentes, na zona leste.
🔸 Lideranças negras vêm desafiando o desenho institucional brasileiro, um modelo que, historicamente, deixou de fora as mulheres negras. Em artigo na Gênero e Número, Tainah Pereira e Fabiana Pinto, do Movimento Mulheres Negras Decidem, resgatam o caráter ancestral da luta e os marcos importantes dessa história, registrados no livro “Estamos Prontas: Lições de Mulheres Negras Lideranças Coletivas nas Eleições Brasileiras”. “Muitas das ancestrais que aqui desembarcaram já haviam travado batalhas contra as violências do colonialismo na África. Aqui, essas mulheres não apenas preservaram tradições e formas de combatividade, como também desenvolveram novas estratégias e técnicas de resistência e poder”, escrevem. As autoras lembram que foi sobretudo na década de 1980 que as mulheres negras brasileiras entraram de vez na briga por representação. De lá para cá, muitas organizações surgiram, e elas passaram a protagonizar bandeiras de luta dos movimentos sociais – além de pautar também as políticas públicas.
🔸 Ter aliados nas Câmaras Municipais assegura que a voz de pessoas LGBTQIA+ seja ouvida e considerada na tomada de decisões. A partir de exemplos de leis municipais e da atuação do Legislativo, a Agência Diadorim explica o papel dos vereadores na defesa dos direitos dessa população. Em Curitiba, uma lei institui um programa de incentivo para empresas que adotam práticas de inclusão, incluindo a contratação de pessoas LGBT. Outro exemplo vem de Porto Alegre, onde uma lei estabelece as diretrizes para incluir o debate de gênero e diversidade sexual nas escolas. Além de aprovar leis, os vereadores também fiscalizam o poder público. “A atuação desses vereadores é fundamental para mobilizar recursos e atender às demandas específicas da população LGBT+ por meio de emendas parlamentares”, completa Raissa Romano, pesquisadora da organização VoteLGBT.
📮 Outras histórias
Os fogos de artifício de madrugada não são bom prenúncio na Maré. São usados pela Secretaria de Ordem Pública (SEOP) para anunciar operação na favela – nesta semana, mais uma foi realizada, desta vez para dar sequência à demolição de construções na Nova Holanda e no Parque União, duas das 16 comunidades que formam o complexo na zona norte do Rio de Janeiro. Os moradores, revela o Maré de Notícias, afirmam que a secretaria não avisa com antecedência. Segundo eles, a informação de que 90% das casas estão desocupadas não é verdadeira. “Eles estão fazendo terror psicológico na gente”, afirma uma pessoa que não quis se identificar. Há vídeos nas redes sociais em que é possível ver funcionários da SEOP levando eletrodomésticos, como ar condicionado e geladeiras, de dentro das residências.
📌 Investigação
Trabalhadores do setor de aviação – dos pilotos aos agentes de aeroportos – relatam dor de cabeça, sensação incontrolável de sono, esquecimento e irritação como consequência das más condições de trabalho, como jornadas exaustivas e baixos salários. Segundo o Intercept Brasil, desde janeiro de 2023, o sindicato dos aeronautas recebeu 136 relatos de problemas que aconteceram durante a operação e que poderiam afetar a segurança do voo. O mecânico Maciel Fogo conta que os profissionais atuam sob pressão enorme para liberar as aeronaves o mais rápido possível entre os voos e em condições inadequadas. “As empresas não entregam o que a gente precisa. Falta ferramenta, tempo e o local adequado para realizar o trabalho. Temos que atuar simultaneamente ao desembarque e ao embarque. É muito comum eu trombar com os passageiros na escada.”
🍂 Meio ambiente
Em imagens: a fumaça na Amazônia que já se espalhou pelo país tem origem em queimadas criminosas em áreas protegidas, florestas públicas e até mesmo em fazendas que receberam crédito rural de bancos públicos e privados, como propriedades no norte de Rondônia. A InfoAmazonia sobrevoou nesta semana áreas com fogo ativo no sul do Amazonas, no norte do Mato Grosso e em Rondônia, para identificar onde a floresta está queimando. “Nós sobrevoamos diversas propriedades que estão nestas áreas e que acessaram financiamento de crédito rural. Algumas destas áreas estão embargadas por desmatamento, mas todas fizeram uso do fogo de forma ilegal”, explica Thaís Bannwart, porta-voz de Florestas do Greenpeace Brasil.
📙 Cultura
“Você não pode sair daqui desse mundo sem deixar nada, uma história para as pessoas contarem o que viram, o que ouviram quando estavam aqui. Isso que eu penso”, diz a escritora beiradeira da Amazônia Raimunda Gomes da Silva, que lançou seu primeiro livro “Cartilha de Mezinhagem”, no qual narra seus conhecimentos ancestrais de cura. Em entrevista à Sumaúma, Raimunda fala sobre o movimento de busca pela cura de um câncer, quando não tinha condições nem acesso ao tratamento convencional, e recorda os ensinamentos da bisavó, da avó Maria do Ó de Miranda, que era quilombola, e do conhecimento das ervas que recebeu de sua mãe. Expulsa da ilha do Xingu para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, ela afirma que o empreendimento foi um segundo câncer em sua vida, “pior do que o primeiro”.
🎧 Podcast
Na Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ), a vila de Dois Rios era uma parada estratégica para recuperar a saúde de africanos sequestrados e traficados, que seriam escravizados, antes de chegar ao destino final. Após a abolição do tráfico de pessoas, o local foi destinado a virar uma prisão – apelidada de “Caldeirão do Inferno” – e teve detentos ilustres, como Graciliano Ramos, Carlos Marighella, Madame Satã e Fernando Gabeira. A primeira parte da minissérie “Dois Rios”, da “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, narra a história da prisão desativada e da comunidade que se formou a partir de casas construídas pelo governo. Hoje, os moradores estão em conflito com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) para se manter na vila.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Eu sou uma política pop.” Primeira mulher trans a assumir o cargo de deputada federal, ao lado de Duda Salabert (PDT-MG), Erika Hilton (Psol-SP) pontua o termo “pop” para além da sua conexão com o mundo das redes sociais, da moda e das celebridades. A revista piauí perfila a parlamentar, que busca demarcar também sua diferença em relação aos políticos que costumam habitar Brasília, inclusive aqueles alinhados à esquerda – com perfil mais acadêmico. “Eu mesma não cheguei na política passando pela academia, mas porque sou uma travesti negra, crescida na periferia, que via a realidade brutal que a política impunha às pessoas e disse a mim mesma que, para transformar essa realidade, para transformar o nosso corpo e a nossa mente, eu precisava estar lá”, relata.