A fumaça das queimadas sobre o país e o mercado financeiro no campo
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🔸 A temporada de queimadas na Amazônia carrega fumaça para dez estados do país, do Acre e Rondônia passando por Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Do início de 2024 até ontem, os estados da Amazônia Legal registraram 63.368 focos de calor, dos quais 37% só em agosto. O Nexo informa que o número é o maior registrado em 17 anos e explica que a queimada é uma técnica usada para limpar áreas para o plantio de lavouras e pastagens. Massas de ar que se deslocam do Norte ao Sul do Brasil costumam carregar ar quente e, quando ocorrem as queimadas, as correntes criam um “rio atmosférico” de poluição que percorre todo o país. A situação nos estados deve durar até o fim de semana, mas o período das queimadas deve seguir – historicamente, setembro é o mês mais crítico. “Infelizmente, ainda não chegamos no pico da estação seca e temos sinais não muito animadores sobre o que ainda está por vir”, afirma Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
🔸 No Cerrado, o avanço do agronegócio ameaça comunidades tradicionais de diferentes formas – da pulverização de agrotóxicos a conflitos violentos pela posse de terras. A pressão é especialmente forte no Matopiba, região que se estende por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O Le Monde Diplomatique Brasil mergulha no caso maranhense. Lá, uma cidade é exemplo emblemático: Balsas é o segundo município que mais desmata no Brasil e, também, o terceiro mais rico do Maranhão. O estado tem 2,890 milhões de hectares em disputa, área quase do tamanho da Bélgica, maior que o Haiti ou 19 vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Outro número ajuda a dar a medida do problema: 113 pessoas do Maranhão estão incluídas no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos – todos estão relacionados a conflitos fundiários.
🔸 A agropecuária no Cerrado, aliás, saltou de 28% para 47% em quase 40 anos. De 1985 para 2023, a área de pastagem no país como um todo aumentou 79%. Lançados ontem, os dados integram a mais recente coleção de mapas anuais de cobertura e uso da terra do MapBiomas. O Colabora detalha o trabalho e destaca que, se o Brasil perdeu um terço do território em áreas naturais em quase 40 anos, por outro lado, 37% dos municípios registraram ganho de vegetação nativa nos últimos 15 anos (de 2008 a 2023). O MapBiomas confirma que, em área total, Amazônia e Cerrado são os biomas que mais sofrem com a perda de cobertura nativa. Segundo o biólogo Eduardo Velez, pesquisador do MapBiomas, há uma tendência de aceleração da perda no Cerrado, no Pampa e no Pantanal. “São dinâmicas diferentes, mas caminham na mesma direção de supressão da vegetação nativa”, alerta.
🔸 Em Porto Alegre, abrigos com contratos milionários estão quase vazios. Em julho, dois meses depois do desastre climático que vitimou milhares de pessoas no Rio Grande do Sul, a prefeitura da capital fechou contratos com três Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para criar dez abrigos com capacidade para, ao todo, 500 pessoas. O Sul21 visitou dois deles na semana passada e revela que os espaços operam com menos de dez pessoas. Mas não só: os contratos foram firmados depois da abertura do Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) Vida, parceria do governo do Rio Grande do Sul com a Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para as Migrações (OIM). Feito para acolher 848 vítimas do desastre, o espaço também tem operado abaixo de sua capacidade, com 332 pessoas.
📮 Outras histórias
Dos 71 anos de idade, Jorge Martins passou os últimos 37 como vendedor de livros numa praça do distrito da Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo. Em julho passado, o local onde guardava as obras pegou fogo. O incêndio, no entanto, não reduziu o acervo, mas o fez crescer: depois que a notícia do fogo se espalhou nas redes sociais, seu Jorge passou a receber doações. “Eu tinha uns 5 mil livros, mas agora acho que já passou dos 10 mil”, afirma à Agência Mural. “O povo brasileiro é muito caridoso, só tenho a agradecer.” A reportagem narra a história do vendedor de livros que nasceu em Minas Gerais, começou a trabalhar no ramo em Barra Mansa, no Rio de Janeiro, até se instalar em São Paulo. “Quero morrer vendendo livros”, afirma.
📌 Investigação
O montante de R$ 1,036 trilhão estava pendurado em títulos de investimento de captação privada para injetar dinheiro na agropecuária até junho. O valor supera em mais de duas vezes o que o Plano Safra destina à atividade. É uma amostra da financeirização e investimento que não oferece transparência ambiental. As movimentações do mercado financeiro se baseiam principalmente em papéis de dívida do campo, um dinheiro fundamentado em metas de expansão e colheitas futuras. O Eco revela como essa relação entre a Faria Lima e o agronegócio expõe uma caixa-preta de recursos que, muitas vezes, financiam o desmatamento ilegal, a grilagem de terras e a invasão áreas de florestas protegidas.
🍂 Meio ambiente
Com cerca de 50 famílias, a Rede de Produção Orgânica da Amazônia Mato-Grossense (Repoama) reúne indígenas e agricultores familiares para garantir cadeias produtivas sustentáveis em uma das regiões mais pressionadas pelo desmatamento e pelo avanço da soja no país. O Nonada mostra como as famílias conseguem manter a floresta em pé e gerar renda. “Esses são um pouco de nossos sonhos quase realizados”, relata Raimundo Iamonxi, do povo Rikbatska, que vive na Terra Indígena (TI) Escondido, no noroeste do Mato Grosso. A Rede, apoiada pela organização não governamental Instituto Centro de Vida (ICV), possibilitou que os produtores tivessem acesso a certificações de produção orgânica, do Programa de Aquisição de Alimentos e de um sistema participativo de garantia, além de um fundo rotativo solidário, em que as famílias conseguem empréstimos com recursos mantidos por todas.
📙 Cultura
“A música me possibilitou falar o que eu pensava, me expressar, gritar para o mundo as minhas dores, as minhas vontades e sonhos”, afirma a rapper Enme. Criada no bairro Liberdade, periferia de São Luís (MA), a artista conta que a música a ajudou a se entender como um corpo negro e trans não binário. Ao Nós, Mulheres da Periferia Enme fala sobre sua trajetória na arte e como mistura o rap com elementos da sonoridade regional do Maranhão, como o tambor de crioula e o tambor de mina: “Eu quero muito que a galera perceba a densidade que tem nas minhas músicas, de percussividade, de história, de ancestralidade e de tecnologia; porque eu venho de um estado muito rico de tecnologia ancestral que é o Maranhão”.
🎧 Podcast
Enquanto o agronegócio avança no Matopiba levando chuvas de agrotóxicos para a região, as comunidades lutam contra a pulverização aérea próxima às suas casas e plantações. O município de São Francisco do Brejão (MA) foi o primeiro do estado a proibir a prática e inspirou legislações similares em outras cidades, como Santana do Maranhão, Lago dos Rodrigues, Caxias e Barreirinhas. A série “Onde morre e nasce o Cerrado”, produção da Eco Nordeste, traz os perigos dos pesticidas e aborda as ações para proteger a saúde da população e o meio ambiente. No Brasil, Ceará e Acre já baniram a pulverização aérea e abriram precedentes para novas leis estaduais.
🧑🏽⚕️ Saúde
O histórico da febre oropouche indica que 2024 é um ano atípico para a doença, com um aumento de quase 200 vezes na incidência em comparação aos casos notificados na última década. Foram 831 registros em 2023. Em 2024, o número saltou para 7.653. A Marco Zero ouviu especialistas para entender a expansão da doença no país. As hipóteses incluem as mudanças climáticas e o desmatamento, que fazem com que os vírus circulem por novas áreas, o crescimento do número de diagnósticos da doença (facilmente confundida com outras arboviroses) e, por fim, a descoberta – ainda sem revisão de pares – de que o vírus sofreu uma mutação.