A fuga de Carla Zambelli e o aço brasileiro no exército de Israel
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a prisão preventiva de Carla Zambelli (PL-SP) depois de ela anunciar que deixou o Brasil rumo à Itália. Em entrevista a um canal no YouTube, ela alegou que está sofrendo “perseguição política” e disse que vai atuar no exterior “ombro a ombro com Eduardo Bolsonaro”. Segundo o Jota, o advogado da deputada, Daniel Bialski, afirmou que apenas foi comunicado que ela estaria fora do Brasil para dar continuidade a um tratamento de saúde. Em seguida, anunciou que estava deixando a defesa de Zambelli. No início de maio, ela foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos de prisão por ser a mandante da invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça com ajuda do hacker Walter Delgatti. A PGR considera a viagem uma fuga para evitar o cumprimento da pena, que inclui prisão, inelegibilidade, perda do mandato e pagamento de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
🔸 Se Zambelli perder o mandato, o ex-deputado Coronel Tadeu assumirá seu mandato. Será um reforço para a bancada militar. Entre 2019 e 2023, ele ficou conhecido por destruir na Câmara um cartaz do Dia da Consciência Negra, que denunciava a violência policial contra a população negra. Foi punido com censura verbal pelo Conselho de Ética. O Congresso em Foco lembra que, durante o mandato, Coronel Tadeu apresentou projetos que beneficiam policiais, como mudanças na legítima defesa de militares e normas para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Na pandemia, ele criticou o isolamento social, defendeu o uso de cloroquina e manteve discurso alinhado ao bolsonarismo, mesmo após precisar de ventilação mecânica por Covid-19.
🔸 O STF retoma hoje o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que hoje protege as big techs de responsabilização por conteúdos de terceiros, salvo por descumprimento de ordem judicial. A análise ocorre em meio à pressão de parlamentares dos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes, com envolvimento de Eduardo Bolsonaro, que vive no país desde março. A Lupa explica que o modelo atual busca garantir a liberdade de expressão e evitar censura, mas, depois de mais de dez anos desde a entrada em vigor do Marco Civil, o cenário mudou: as redes passaram a lucrar com desinformação, e o debate sobre sua responsabilização ganhou força. Se o STF declarar o artigo inconstitucional, as plataformas passarão a responder com base no Código de Defesa do Consumidor, que prevê responsabilidade objetiva, ou seja, mesmo sem decisão judicial. Já votaram nesse sentido os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli.
🔸 A propósito: em junho de 2024, Arthur Lira, enterrou o PL 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News”. Então presidente da Câmara dos Deputados, ele alegou que o projeto havia sido “contaminado” por acusações de censura, narrativa que foi impulsionada por parlamentares da extrema direita, pela bancada evangélica e pelo lobby das big techs. Em artigo no Conversation Brasil, Marcelo Träsel classifica como “legislação sem dentes” a proposta criada em substituição ao antigo texto. Professor de jornalismo digital da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele conta que o PL 4.691/2024 tem 11 páginas e 22 artigos, ante 48 páginas e 60 artigos do projeto anterior. O novo texto manteve trechos superficiais sobre mitigação de riscos, mas eliminou pontos centrais do antigo PL, como o “dever de cuidado” das plataformas, obrigações de transparência, garantias aos usuários e mecanismos de responsabilização.
📮 Outras histórias
Na era digital, bibliotecas em Alagoas se reinventam como espaços de cultura, inclusão e transformação. Há diversos exemplos, como o da Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos, em Maceió, alia acervo físico à digitalização e promove atividades culturais para democratizar o acesso à leitura. A Revista Alagoana destaca a história da Biblioteca José Tributino: no Sertão de Alagoas, no Sítio Baixo do Tamanduá, localizado no município de Santana do Ipanema, a comunidade quilombola local inaugurou o espaço como símbolo de resistência e valorização de sua memória. “É um sonho antigo que se concretizou. Esse é um espaço para preservar nossa história e formar futuros leitores”, afirma a idealizadora da biblioteca, Maria Luciléia Silva Cesário.
📌 Investigação
A siderúrgica brasileira Villares Metals tem exportado aço para duas fábricas israelenses de armas projetadas para uso militar, a IMI Systems e a Israel Weapon Industries (IWI). O Intercept Brasil detalha as exportações a partir de dados obtidos pelo site irlandês “The Ditch”. As duas cargas da empresa brasileira partiram de Sumaré, no interior de São Paulo, e foram avaliadas em 441 dólares (cerca de R$ 2.500) e 6.228 dólares (cerca de R$ 35 mil). No ano passado, o aço foi o décimo produto mais vendido do Brasil para Israel: foram exportadas 750 toneladas, com valor total de quase 10 milhões de dólares. Lula já classificou a ofensiva de Israel em Gaza como genocídio e chegou a compará-la ao Holocausto – declaração que levou o governo israelense a declará-lo persona non grata. Apesar das críticas públicas, o presidente não adotou nenhuma medida para restringir a colaboração de empresas brasileiras com o Estado israelense durante a guerra.
🍂 Meio ambiente
Um ano após a enchente histórica no Rio Grande do Sul, um condomínio residencial pretende se instalar na Restinga, em Porto Alegre, desmatando 180 hectares de Mata Atlântica, área rica em biodiversidade no extremo sul da cidade. O Sul21 conta que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) apresentou o projeto Alphaville II, no final de abril, em audiência pública. “É uma área predominantemente natural. O extremo sul da cidade ainda tem atributos naturais super importantes, nascentes, Área de Preservação Permanente, de cursos d’água”, afirma o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Brack. O pesquisador ainda explica que essa é uma das últimas áreas naturais de Porto Alegre e cumpre o papel de infiltrar a água da chuva, diminuindo a velocidade e o excesso das águas que podem causar alagamentos.
📙 Cultura
“A Cinemateca de Curitiba formou uma geração inteira. Ali se forjaram olhares, sensibilidades e vocações”, afirma Paulo Camargo, jornalista e doutor em Cinema e Audiovisual. Em artigo na Escotilha, ele revive memórias do primeiro prédio da Cinemateca de Curitiba, que comemora 50 anos de fundação, e seu papel para a formação de cineastas e estímulo ao diálogo cultural na cidade: “Ali aprendi que programar uma sala de cinema não é preencher uma grade. É criar discursos, provocar encontros, construir sentido coletivo. As conversas que aconteciam depois das sessões, que se estendiam pelo saguão, pela calçada, muitas vezes madrugada adentro, eram parte essencial daquela experiência”. No final dos anos 1990, o espaço ganhou seu nome atual e foi transferido de endereço, onde permanece até hoje.
🎧 Podcast
“Me tornei ativista aos 8 anos na escola ainda, concorrendo ao grêmio, e não parei mais. Convivi com uma família estendida, religiosa, de samba. Uma família típica de pretos”, afirma a médica e ativista Jurema Werneck. No “Escute As Mais Velhas”, produção da Rádio Novelo, Neca Setubal e Sueli Carneiro entrevistam a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil e integrante da ONG Criola sobre sua trajetória, o papel da religiosidade em sua família e as múltiplas formas de atuação em favor das mulheres negras no país. “Quando eu fui para a Medicina, quase todos os dias um funcionário me parava para perguntar o que eu estava fazendo ali, não imaginando que eu fosse estudante.”
✊🏾 Direitos humanos
Pela primeira vez na história do Brasil, uma pessoa foi autorizada a ser identificada como gênero neutro em seu registro civil. A decisão foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em abril passado. A Emerge Mag ressalta que, para o colegiado, apesar de não existir legislação específica sobre o tema, não há razão jurídica para a distinção entre pessoas trans não binárias e binárias, que já possuem o direito à alteração do registro civil. “Todos os que têm gênero não binário e querem decidir sobre sua identidade de gênero devem receber respeito e dignidade, para que não sejam estigmatizados e fiquem à margem da lei”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.