A fome entre indígenas no AM e o fracasso dos encontros ambientais
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🔸 Pela primeira vez na história, cinco grandes bacias hidrográficas do país tiveram oficialmente decretado “estado de escassez hídrica”, pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. No Amazonas, os rios Madeira, Purus, Tapajós e Xingu estão nessa situação, o que inviabiliza a pesca e o deslocamento até as roças onde indígenas cultivam raízes, frutas e verduras. O Colabora informa que as comunidades já enfrentam a fome em decorrência da seca. Na Terra Indígena Kwatá/Laranjal, onde moram 2.472 famílias, o pouco que se consegue pescar vem de trechos que ainda têm água, a quilômetros de distância. “Quando a gente divide para todos, só dá para comer duas vezes por dia. Se a gente toma café e almoça, não janta”, diz Débora Munduruku. Há 74 mil famílias indígenas afetadas nas regiões dos rios Solimões, Purus e Madeira e, segundo a Associação dos Povos e Organizações Indígenas (Apiam), seriam necessárias 264 mil cestas básicas para atender a todos – número muito maior que as 7 mil unidades anunciadas pela Defesa Civil do Amazonas ainda em setembro.
🔸 Em Manaus, a seca extrema fez surgir um gramado às margens do rio Negro. A vegetação atípica virou um espaço de lazer para os manauaras, mas é considerada um risco ao equilíbrio ecológico, segundo especialistas ouvidos pela InfoAmazonia. “A extensão em que isso está acontecendo agora é fora do comum, assim como o local. Não é uma nova praia que foi formada, mas uma área que normalmente está debaixo d’água e que só está passando por essa colonização [das plantas] porque o rio baixou demais”, afirma Flávia Costa, bióloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Quando o rio voltar a subir, as gramíneas podem bloquear o fluxo da água e criar áreas propícias para a reprodução de mosquitos transmissores de doenças.
🔸 Enquanto isso… As conferências globais de meio ambiente em 2024 fracassaram. A falta de consenso foi a marca tanto da COP29, conferência do clima em Baku, no Azerbaijão, quanto da COP16, cúpula da biodiversidade em Cali, na Colômbia, além das negociações de um tratado internacional sobre o plástico. O Nexo detalha os resultados de cada encontro deste ano e explica que o tema do financiamento concentra os principais impasses. “É um tópico do qual países desenvolvidos fogem muito. Ele é difícil de ser discutido não só em nível internacional, mas em nível doméstico, já que os governos têm que chegar aos seus contribuintes e explicar por que estão direcionando dinheiro público para ajuda ao desenvolvimento ou financiamento climático em outros países”, afirma Camila Jardim, especialista em política internacional do Greenpeace Brasil.
🔸 A Câmara deve analisar nesta semana o pacote de corte de gastos anunciado pelo governo federal. Entre as medidas, está a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Para o economista André Braz, coordenador de Índices de Preços da FGV, a isenção terá impacto direto no consumo das famílias e, por isso mesmo, vai aquecer a economia. Em entrevista à Agência Nossa, ele defende o equilíbrio entre controle inflacionário e estímulos ao consumo como forma de impulsionar o crescimento econômico. “Não faz sentido ter inflação baixa e na meta e pessoas sem emprego. Precisamos gerar emprego e renda, mesmo que isso signifique conviver com um nível pouco maior de inflação.”
📮 Outras histórias
Na última semana, moradores de Ponta Grossa (PR) enfrentaram interrupções no fornecimento de água. “Nos dias de maior calor, nossa produção, que normalmente é de 1.070 litros por segundo, chegou a 1.400 litros por segundo. Esse aumento nos obrigou a realizar manobras, como redução de pressão em algumas regiões para permitir que os reservatórios recuperassem os níveis”, explica ao Portal Boca no Trombone Simone Alvarenga, gerente geral da Sanepar, empresa de abastecimento de água no Paraná. Um novo sistema deve ser implementado em 2025 para aumentar em 15% a capacidade de produção.
A propósito: no Rio de Janeiro, também faltou água. A causa, segundo a concessionária Águas do Rio, foi a manutenção no Sistema Guandu, que abastece a região. A situação, no entanto, não é incomum nas comunidades. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, Hosana Silva, mestra em Políticas Públicas e Governo pela FGV, explica o que é a escassez hidrorracial – a escassez hídrica imposta à população periférica e negra. Segundo o estudo “Justiça Hídrica e Energética nas Favelas”, a falta de água é uma realidade habitual nas periferias cariocas: 17% dos moradores de favelas do Rio convivem com interrupções no fornecimento de água pelo menos duas vezes na semana.
📌 Investigação
Em cada dez anúncios “nativos” sobre saúde veiculados em grandes sites de notícias brasileiros, nove são enganosos. Cerca de 90 mil anúncios de saúde, dos quais 81.447 (89,6% do total) continham alegações falsas ou distorcidas, como identificou o Aos Fatos. Essas peças publicitárias apareceram nos nove sites analisados, e a proporção variou de 46% (Veja) a 99% (Folha de S.Paulo). Os anúncios “nativos” são aqueles que imitam o design e a linguagem dos sites em que estão inseridos. Um dos formatos mais usados são as caixas de recomendação de conteúdo – seções no rodapé de uma reportagem que misturam inserções publicitárias com chamadas para conteúdos jornalísticos.
🍂 Meio ambiente
“Desde que Belém foi anunciada como sede da COP30, surgiram debates acalorados, muitos deles marcados por uma visão limitada sobre a Amazônia. Antes mesmo da primeira visita oficial da Convenção de Clima da ONU (UNFCCC na sigla em inglês), a cidade foi rotulada como uma ‘sede precária’”, afirma Priscila Santos, cofundadora da Rede Amazônidas pelo Clima (RAC). Em artigo no Amazônia Vox, a ativista e pesquisadora fala sobre como as críticas à infraestrutura da sede da COP30 vêm de uma visão reducionista e colonialista. “O discurso de apontar os problemas de Belém segue uma lógica de culpabilização da vítima. Afinal, a população local é a primeira a sofrer com a falta de infraestrutura. Parece que antes da COP a opinião pública não estava tão interessada nesta pauta. O verdadeiro sucesso de uma COP é medido pela capacidade de avançar compromissos climáticos ambiciosos e viáveis”, escreve.
📙 Cultura
Para manter o protagonismo do Norte no debate climático, agentes e produtores culturais buscam aliar os festivais artísticos com o tema das mudanças climáticas. O Nonada mostra como diversos eventos têm trabalhado a conscientização sobre o tema por meio da cultura. “Temos certeza que a cultura, que a arte-cultura é um excelente veículo para comunicar essas questões, para comunicar as emergências do clima, para comunicar o tanto que a gente precisa estar engajado nessa pauta, o tanto que as pessoas comuns, que o cidadão comum precisa estar cobrando”, afirma a artista, cantora e produtora cultural Elisa Maia, integrante do Coletivo Difusão. A iniciativa promove o Festival Até o Tucupi, que acontece em Manaus, e teve o clima como tema norteador na edição deste ano.
🎧 Podcast
“Hoje eu sou a única filha da minha mãe. Meu irmão perdeu a vida a caminho da escola, com roupa e material da escola. Ele foi morto pela polícia.” Este é um trecho da carta que Maria Vitória da Silva escreveu ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio. Quando foi assassinado, em agosto de 2018, no Complexo da Maré, onde morava, Marcos Vinícius da Silva tinha 14 anos. Maria Vitória, 13. O “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, conta que a carta da adolescente é uma das mais de 1.500 enviadas por crianças moradoras da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, à Justiça contando como é viver em meio às operações policiais.
✊🏽 Direitos humanos
A Volkswagen do Brasil deve pagar ao menos R$ 165 milhões em indenização por dano moral coletivo por se beneficiar economicamente da exploração de centenas de trabalhadores, a maioria submetida a condições análogas à escravidão, na Amazônia, entre 1974 e 1986. Segundo a Repórter Brasil, a condenação pode ser a maior da história em termos de exploração de trabalho escravo. A ação do MPT se baseia em uma investigação com depoimentos e provas documentais sobre um dos maiores projetos agropecuários na região durante a ditadura que pertenceu a uma subsidiária da montadora multinacional alemã.