O fim da legítima defesa da honra e a letalidade policial no país
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, já que contraria os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. O artifício era geralmente usado por homens em casos de violência contra a mulher e feminicídio, visando a absolvição ou a redução da pena. O Jota relembra o julgamento da ação. Em junho, Dias Toffoli, relator da matéria, já havia votado no sentido de proibir o uso da tese. Então, o magistrado afirmou que “legítima defesa da honra não é, tecnicamente, legítima defesa”. Ontem, ao votar, a ministra Cármen Lúcia lembrou que uma mulher é violentada a cada quatro minutos no Brasil.
🔸 Em áudio: a tese da legítima defesa da honra foi usada num dos casos mais emblemáticos de violência de gênero no país, no início dos anos 1980, quando Raul Fernando Doca Street, que assassinou a namorada Ângela Diniz, foi condenado a apenas um ano e cinco meses de prisão – pena que nem sequer cumpriu. O podcast “Praia dos Ossos”, produção da Rádio Novelo, mergulhou no caso e explorou o conceito de legítima defesa da honra, usado pelos advogados de Doca Street, réu confesso.
🔸 A ação da Polícia Militar em Guarujá, no litoral paulista, já fez ao menos 14 mortos. A chamada Operação Escudo teve início depois do assassinato de um soldado da Rota, a força especial da polícia de São Paulo, na noite da última quinta-feira. Moradores da cidade relatam que as vítimas não tinham envolvimento com crimes, ao contrário do que afirma o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Segundo ele, a ação é um “efeito colateral” da estratégia cujo objetivo é “asfixiar” o crime organizado na Baixada Santista. O Metrópoles mostra que, em pouco mais de 42 horas, a PM realizou ao menos 40 disparos. Somente nesse período, sete pessoas foram mortas. Ao todo, o número de mortos da operação já ultrapassa os 11 assassinatos ocorridos em Guarujá em todo o primeiro semestre deste ano.
🔸 A violência já se espalha pela Baixada Santista. Em Santos, policiais teriam baleado dois jovens na região do Morro São Bento. Até a tarde de ontem, a polícia havia confirmado duas mortes na cidade, além de uma policial baleada. A Ponte conversou com moradores que, em condição de anonimato, relatam que há um esforço da PM para localizar pessoas com antecedentes criminais e encenar confrontos com os agentes, quando, na verdade, as vítimas vêm sendo surpreendidas dentro de casa. Moradora do Saboó, na região periférica de Santos, a vereadora Débora Camilo (PSOL) conta que vem escutando tiros no bairro, embora não haja relação da comunidade com o caso: “Observamos que, mesmo quando os crimes não acontecem nas periferias, é a população das comunidades que passa a ser responsabilizada”.
🔸 Sobre a letalidade policial no Brasil: não só na Baixada Santista, mas também na Bahia a polícia está protagonizando um massacre. No interior e na região metropolitana de Salvador, duas incursões policiais acabaram na segunda-feira com um saldo de 19 mortos. O Nexo analisa o que há em comum entre as ações nos estados e lembra dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. As vítimas têm algo em comum em todos os estados brasileiros: 83,1% das pessoas mortas por intervenção policial em 2022 eram negras.
🔸 O Brasil foi eliminado da Copa do Mundo de futebol feminino, após empatar em zero a zero com a equipe da Jamaica. A seleção brasileira nunca ganhou o Mundial, mas já havia conseguido o segundo lugar, em 2007. O Portal Terra lembra a atuação da equipe desde 1991, ano da primeira Copa feminina e, também, quando a seleção foi eliminada ainda na fase de grupos.
📮 Outras histórias
O caso de uma jovem de 22 anos estuprada em Belo Horizonte chocou o país. Na madrugada de sábado, ela foi deixada sozinha por amigos num carro de aplicativo. O motorista a deixou desacordada na rua, apoiada em um poste, como narra o BHAZ. Minutos depois, um homem de 47 anos a levantou e a carregou nos ombros até o local onde a estuprou. Ele havia sido preso em flagrante e, ontem, a Justiça converteu a prisão em preventiva, para que ele siga detido durante as investigações. A Eufemea explica que o motorista do aplicativo pode responder por abandono de incapaz.
📌 Investigação
A desinformação para deslegitimar direitos de mulheres e pessoas LGBTQIA+ é um dos principais traços do discurso de ódio digital no Brasil, no Equador e na Colômbia. Os autodenominados “cidadãos de bem” são os porta-vozes da agenda antidireitos nas redes sociais e recorrem a narrativas que colocam crianças como “vítimas de sexualização”. Em parceria com os veículos colombianos Manifesta e Andariegas e o equatoriano Edición Cientonce, a revista Azmina identificou as estratégias desses grupos e traça o discurso em comum nos três países, como uso de ações judiciais coordenadas para silenciar ativistas, a organização de famílias e pais que buscam banir a educação sexual e de gênero, a disseminação de clínicas e redes antiaborto e a influência política para que essas pautas avancem em casas lesgilativas.
🍂 Meio ambiente
Nascida em Pernambuco, Claudete Cordeiro dos Santos chegou aos 8 anos, em 1979, com os familiares no Jardim D’abril II, bairro do distrito do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, onde vive até hoje. Ao longo dos anos, ela se tornou líder comunitária e conseguiu, ao lado de outras mulheres, cobrar as autoridades para que fizessem as obras necessárias para evitar deslizamentos de terra na favela, como conta o Desenrola e Não Me Enrola. Claudete é a primeira personagem da série “Guardiões do Clima”, resultado das Bolsas de Reportagem de Justiça Climática, promovidas pela Ajor e pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade).
A produção de castanha-do-pará na Amazônia pode colapsar neste ano. A causa tem nome: El Niño. Se entre 2015 e 2016, houve o fenômeno mais intenso em 50 anos, o que derrubou em 37% a produção do fruto na região, agora ele se soma ao registro de recordes de calor no planeta e à elevação da temperatura dos oceanos. Um grupo de cientistas observou de perto essa dinâmica na reserva extrativista do Rio Cajari, no sul do Amapá. A Agência Pública explica que a confirmação do retorno do El Niño neste ano, somada às circunstâncias climáticas, tem preocupado pesquisadores e as comunidades amazônicas que dependem da coleta das castanhas para seu sustento.
📙 Cultura
“E tantas eram as verdades inventadas acerca de Macabéa, que se a pobre sofrente tomasse conhecimento de tudo que era criado a respeito dela, na certa não suportaria tudo em si.” Este é um trecho inédito da versão ampliada de “Macabéa, Flor de Mulungu”, da escritora Conceição Evaristo, obtido pela Quatro Cinco Um. Em 2012, ela participou de um projeto de releitura da obra de Clarice Lispector a convite da editora Oficina Raquel. Agora, a mineira fez uma “reescrevivência” de seu texto sobre Macabéa, e o trabalho será lançado no final deste ano, com ilustrações de Luciana Nabuco. Macabéa é a protagonista de “A Hora da Estrela”, um dos romances mais célebres de Lispector.
Em vídeo: a escrita era o lugar do segredo na infância para Queila Rodrigues, escritora, poeta e uma das organizadoras do sarau “O Que Dizem Os Umbigos”, que acontecia no Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, onde foi iniciada também uma biblioteca comunitária. Com o tempo, escrever passou do espaço íntimo do diário para uma ferramenta, que ganhou novos contornos no sarau. A artista narra sua trajetória na série “Poesia Delas”, do Nós, Mulheres da Periferia, que traz entrevistas com personagens femininas que fazem parte do movimento da literatura periférica.
🎧 Podcast
Publicado em 1998, o livro “Um Rio Sem Fim”, de Verenilde Pereira, foi redescoberto pela crítica literária no ano passado. Foram mais de duas décadas para ser tido como uma obra pioneira na literatura afroindígena brasileira, e para que sua escritora fosse também reconhecida como pioneira nessa categoria. O “LatitudeCast”, produção da Amazônia Latitude, conversa com a autora sobre o romance, que relata a história das violências sofridas pelos povos tradicionais com a chegada de uma missão religiosa ao norte da Amazônia.
🏃🏾♀️ Esporte
“Para as meninas novas que querem um dia chegar onde nós estamos hoje, continuem sendo fortes.” Letícia Izidoro Lima da Silva, a Lelê, é a goleira titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo Feminina, após ter sido reserva nas edições de 2015 e 2019. Em entrevista à Alma Preta, a arqueira relembra seus primeiros passos no futebol, conta que planejava ser atacante quando começou e diz ainda não ter dimensão de seu papel como inspiração para outras meninas negras que querem chegar à seleção. “Estar na posição de representar seu país é o grande ápice de um atleta e que as emoções permeiam entre alegria, felicidade e realização”, afirma.