A fazenda que mais queima no país e os autores de periferias na Bienal
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🔸 As queimadas avançam em quase todos os biomas, em quase todos os estados e em todas as categorias fundiárias. É que o confirmam os dados do último Monitor do Fogo, levantamento feito mensalmente pelo MapBiomas, divulgado ontem. De janeiro a agosto de 2024, as queimadas aumentaram 116% em relação ao mesmo período do ano passado. A situação é mais grave na Amazônia, que concentra 48% de toda a área queimada no país nos últimos oito meses. O Cerrado é o segundo bioma que mais queima no país: a área destruída representa 36% de todo território queimado no Brasil. O Colabora detalha os números do Monitor do Fogo e destaca a disparada nas Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs), principal alvo da grilagem na Amazônia. Nessas áreas, o salto das queimadas foi de 175% em relação aos mesmos oito meses de 2023.
🔸 A fazenda que mais queima no Brasil, no Mato Grosso, já foi palco de um plano de “Dia do Fogo” em 2022. A ação acabou desmantelada pela polícia – o “Dia do Fogo” original aconteceu em 2019, no Pará, quando fazendeiros combinaram por WhatsApp de realizar queimadas ao mesmo tempo. A Agência Pública mostra que a Fazenda Bauru, no município de Colniza, lidera o ranking das que mais queimaram neste ano: foram detectados 608 focos de incêndio pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A propriedade tem histórico de infrações: já foi multada pelo Ibama em 2018 (R$ 13 milhões pela destruição de 2,6 mil hectares de floresta) e em 2019 (R$ 4 milhões por destruir mais de 540 hectares de vegetação com uso de fogo, sem autorização legal).
🔸 Fogo em terras indígenas do Pará: grileiros provocam incêndios nos territórios Apyterewa e Trincheira Bacajá. Cerca de 2.000 hectares já foram devastados, de acordo com denúncias de organizações socioambientais. O fogo é usado para preparar o terreno para criação ilegal de gado – e afeta gravemente os povos indígenas locais. Há casos de crianças levadas ao hospital devido à inalação de fumaça. A Repórter Brasil lembra que os invasores foram removidos das terras numa operação em março deste ano, mas voltaram. “Não adianta o governo fazer a desintrusão da terra, expulsar os fazendeiros, e eles retornarem”, diz Nenexiga Parakanã, secretário da Associação Tato’a, que representa os indígenas do povo Parakanã, que vive na TI Apyterewa.
🔸 Há previsão de chuva preta no Mato Grosso do Sul neste fim de semana. Se as pancadas de chuva previstas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) devem aliviar o forte calor na região, por outro lado, a precipitação pode ter cor escura. Trata-se do fenômeno da chuva preta, explica o Correio do Estado. Ocorre quando a chuva se mistura com fuligem, cinzas e outras substâncias que se formam a partir de queimadas e incêndios.
🔸 Em tempo: em ano eleitoral, é preciso considerar a relação da política com a crise climática, que afeta diretamente as cidades (e vice-versa). Segundo estudo publicado em 2023 na revista científica “Frontiers in Sustainable Cities”, 25 grandes cidades globais emitem 52% dos gases de efeito estufa no mundo. Apesar do contexto crítico, o tema tem recebido pouca atenção dos candidatos. O Nexo mostra como as mudanças climáticas afetam as áreas urbanas (e vice-versa) e detalha o papel das gestões municipais para enfrentá-los.
📮 Outras histórias
Em vídeo: “Quando o meu trabalho chega aos espaços, chegam também aldeias, quilombolas, pessoas da periferia.” Vando Oliveira diz isso porque ele esculpe em argila histórias dos povos tradicionais da comunidade de Ribeirão dos Paneleiros, em Vitória da Conquista (BA), onde nasceu. A Conquista Repórter conversa com o escultor para conhecer sua trajetória. Ele conta que começou a olhar para os próprios antepassados, que viviam sobretudo da agricultura, e foram obrigados a se “civilizar” no processo de colonização. “A arte me deu essa missão de ser um ativista nato, livre, um cidadão público”, afirma.
📌 Investigação
Sergipe tem apenas 20% de sua vegetação nativa preservada, a proporção de preservação mais baixa entre os estados brasileiros. A Mata Atlântica e a Caatinga são os principais biomas impactados pela expansão agropecuária e pela degradação ambiental. A Mangue analisa os dados da devastação em Sergipe e destaca que a maior parte das formações florestais e mangue ainda existentes no estado está inserida em áreas protegidas. Já as formações savânica e campestre são as mais desmatadas. Com relevo plano e aberto, enfrentam ainda mais a presença de pastagens.
🍂 Meio ambiente
Uma startup conseguiu reduzir o tempo de identificação de focos de incêndio no país. A partir de uma plataforma que combina imagens captadas por câmeras de alta resolução, modelos matemáticos e as características particulares de cada bioma, o sistema detecta os focos de fogo em poucos segundos, enquanto a detecção feita por satélites leva de uma hora e meia a três horas. O Reset explica como a identificação rápida ajuda a impedir o avanço das queimadas. “Nosso sistema, o Pantera, mostra o histórico e o que já foi queimado, o que é ótimo para análises e bem relevante. Mas a principal vantagem é permitir que se olhe para frente: para onde vai o fogo? Quando vai? O que eu faço? É uma plataforma para ação”, afirma Osmar Bambini, cofundador da iniciativa.
📙 Cultura
Escritores das periferias fazem parte da programação da Bienal do Livro de São Paulo, maior evento literário do país, que segue até domingo. Além de reunir leitores, editoras e autores, a programação conta com rodas de conversa, lançamentos e sessões de autógrafos. A Agência Mural lista seis escritores periféricos que participam desta edição. Eles abordam temas múltiplos, como questões de saúde mental e representatividade LGBTQIAPN+, ou ainda uma adaptação em quadrinhos do livro “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus. Um dos destaques da programação é o poeta Sérgio Vaz, fundador da Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa) e um dos criadores do Sarau da Cooperifa, movimento que transformou um bar da periferia da zona sul de São Paulo em um centro cultural.
🎧 Podcast
A partir da ideia de “vazio demográfico” na Amazônia, o governo militar da década de 1970 pretendia levar suas obras faraônicas pelo interior do país. A ideia era baseada no fato de que ali viviam poucos indígenas e que estavam fadados a sumir. Mas não era verdade. O Programa Povos Indígenas no Brasil conseguiu fazer um levantamento que mostrou que havia muita gente “naquele vazio” e que as populações estavam, na verdade, aumentando. O “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, conta como esses dados foram importantes para as reivindicações do movimento indígena na Constituinte e como lideranças como Ailton Krenak conseguiram mudar os rumos da Constituição do país em prol dos direitos indígenas.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
O contato com saberes ancestrais garante laços comunitários às crianças. No terreiro Ilê Axé Omo Omin, em Colombo, região metropolitana de Curitiba (PR), Miguel, de 11 anos, aprendeu como pensavam “os antigos”. Com as histórias de Oxóssi, entendeu mais sobre amizades. Com os segredos de Ossain, aprendeu por que é importante preservar a natureza. O Lunetas descreve como a ancestralidade atravessa as infâncias e fortalece vínculos entre gerações. “Ao encontrar e reconhecer valores que nos identificam com nossos ancestrais, criamos também uma conexão com quem somos”, afirma Benilda Brito, do Quilombo do Açude, na Serra do Cipó, em Minas Gerais.