A falta de verbas para o rio São Francisco e a 'advocacia para homens'
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🔸 Natasha Becker esperou 72 horas por resgate no telhado de casa com o filho de 5 meses nos braços. “Naquela sexta, quando passou o primeiro helicóptero e não desceu, eu sentei em cima do telhado e chorei”, lembra a moradora da comunidade São Miguel, zona rural de Cruzeiro do Sul, município a 125 km de Porto Alegre. A 20 minutos dali, Natália Richter via a casa dos pais ser levada pela enxurrada no bairro Passo de Estrela, conhecido como “a curva do rio Taquari” – naquele 30 de abril de 2024, com o volume de chuvas acumulado, o rio não fez a curva natural e passou por cima do bairro. O Sul21 resgata memórias de gaúchos sobre as piores enchentes da história do Rio Grande do Sul e mostra como famílias foram surpreendidas pela água e esperaram dias por socorro. Segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA), o que se viu no estado foi um dos “eventos hidrológicos mais devastadores já registrados no Brasil, com chuvas de intensidade, duração e abrangência sem precedentes”. O documento enfatiza que o desastre foi “um reflexo de fragilidades estruturais e falhas na gestão do risco”. Um ano depois, o monitoramento hidrológico na região ainda enfrenta graves problemas.
🔸 A propósito: o relatório afirma ainda que a desinformação agravou os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul, que provocaram a morte de 184 pessoas e fizeram mais de 80 mil desabrigados no auge da crise. A Lupa explica que notícias falsas contribuíram para reduzir a capacidade de resposta da sociedade. Segundo o relatório, “muitas pessoas não receberam alertas em tempo hábil para evacuação e muitas não conseguiram acessar informações pela interrupção de fornecimento de energia e serviços de internet e telefonia, o que contribuiu para o elevado número de desalojados e perdas humanas”. Entre os boatos que circulavam à época, estavam áudios que falavam em centenas de corpos boiando em Canoas e acusações falsas contra bombeiros e militares, que precisaram desmentir rumores enquanto atuavam nos resgates.
🔸 Tombado em 1985, o centenário vapor Benjamim Guimarães voltou ao rio São Francisco, depois de 12 anos parado para manutenção. A única embarcação movida a lenha do mundo voltaria a navegar no dia 1º de junho, mas a inauguração está incerta. Segundo o Projeto Preserva, o rio enfrenta uma seca histórica e, além do acúmulo de lixo e areia por causa do desmatamento e expansão do agronegócio no entorno da bacia, agora também é alvo de cortes orçamentários. O Comitê da Bacia do Rio São Francisco foi à Brasília para protestar contra o corte de 33% imposto à Agência Nacional das Águas na Lei Orçamentária Anual de 2025. O impacto previsto para o rio é de R$ 15 milhões, o que já levou à paralisação de iniciativas de saneamento em comunidades vulneráveis, obras de infraestrutura hídrica e ações culturais.
🔸 A letalidade policial em São Paulo voltou ao patamar de 2024, pior ano da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). É o que mostram dados de março divulgados pela Secretaria da Segurança Pública paulista. No mês, 71 pessoas foram mortas por policiais, número 31% maior que o de fevereiro. A Ponte detalha os dados e conversa com especialistas sobre política de segurança pública em São Paulo. Para o pesquisador Renato Alves, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), ainda faltam elementos para explicar a variação dos números de fevereiro a março, mas a letalidade tem se mantido em patamar alto no atual governo do estado. “Não são mortes aleatórias: elas são concentradas em determinadas regiões, contra determinados grupos da população. Então, mesmo quando esses números caem ou sobem, a letalidade não deixa de ter suas vítimas preferenciais”, afirma Alves.
🔸 Em tempo: a Polícia Militar paulista começou a implantar um projeto para monitorar pessoas em liberdade condicional ou com medidas restritivas. Batizado de Vida (sigla para Vigilância, Inteligência, Defesa e Ação) e criado em parceria com o Tribunal de Justiça,o sistema repassa dados como localização e histórico criminal a policiais em patrulhamento ostensivo. Membro da Amparar, uma associação de familiares e amigos de pessoas presas, Fabio Pereira afirma à Alma Preta que o projeto gera preocupação. “Se os agentes têm acesso a informações diretas do Tribunal de Justiça acerca de onde essas pessoas moram, onde elas estão localizadas, quem nos garante que, a partir disso, estarão seguras em determinadas situações?”, questiona. Ele alerta que o uso desses dados pode potencializar ações violentas da PM em territórios periféricos e reforça que o foco do Estado deveria ser evitar a reincidência prisional.
📮 Outras histórias
A arte do interior da Bahia num acervo digital: é o que propõe o Cena de Dentro, um site que reúne entrevistas, fotografias e informações técnicas de espetáculos realizados em regiões como o Vale do São Francisco e a região centro-norte do estado. “O interior da Bahia sempre foi um celeiro de talentos, mas muitas vezes faltam espaços para registrar e divulgar essas produções. O Cena de Dentro vem para preencher essa lacuna e promover o diálogo entre artistas, pesquisadores e espectadores”, diz Erica Daniela à Conquista Repórter. Ela é idealizadora do acervo que reúne 12 entrevistas com artistas e profissionais da cultura que atuam há décadas em suas comunidades.
📌 Investigação
Com questionamentos a medidas protetivas e à Lei Maria da Penha, a tendência de “advocacia para homens” ganha cada vez mais visibilidade nas redes sociais, com vídeos que chegam a milhares de curtidas. A revista AzMina analisou 24 vídeos publicados no TikTok, compostos pelos resultados para os termos “advogado para homens” e “revogação de medida protetiva”. Mesmo considerada como uma das melhores legislações do mundo contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha é criticada pelos defensores dos agressores nas plataformas. Eles alimentam discursos que sugerem que os homens estão em risco. Segundo a advogada Lázara Carvalho, da Comissão da Mulher na OAB-SP, essas práticas violam normas da profissão, incluindo a divulgação de resultados de processos nas redes sociais, e transformam o direito em um instrumento de ataque.
🍂 Meio ambiente
Com a arrecadação de cerca de 30 mil hectares de terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Lábrea (AM), foi iniciada uma corrida pela demarcação de lotes, intensificando os conflitos fundiários na fronteira entre Amazonas e Acre. No dia 6 de maio, um grupo de 29 trabalhadores rurais foi expulso com uso de armas de fogo ao tentarem ocupar a área. Segundo O Varadouro, a atuação de pistoleiros contratados por fazendeiros é recorrente e coloca em risco a vida de camponeses da região, como as mais de 200 famílias do acampamento Marielle Franco, que denunciam ameaças, disparos e tortura. Há denúncias também de que policiais militares dos dois estados estejam atuando como “seguranças particulares” de grandes latifundiários.
📙 Cultura
Essenciais para que os espaços culturais funcionem, os profissionais de montagem de exposições sofrem com a invisibilização e a ausência de valorização da atividade. O Nonada retrata a realidade e desafios da profissão, como longas jornadas, atrasos nos pagamentos, além da falta de reconhecimento formal e financeiro. “Escuto muita piadinha das pessoas. Não é só um prego na parede. A gente tem que fazer cálculo, medir o espaço, deixar espaçamento entre as obras, dar segurança para essa obra estar instalada, pensar quando um visitante chega para visitar o espaço, a obra não correr o risco de cair ou quebrar. Então tem toda uma logística que tem que ser feita antes de ser montado e apresentado em uma exposição para o público”, afirma Kelviane Lima, que atua na montagem de exposições em Fortaleza (CE).
🎧 Podcast
“A tradução é minha grande paixão no mundo. Já traduzi mais de 120 livros e continuo achando muito mágico mesmo você ter uma coisa numa língua e passar para outra. A linguagem é realmente meu grande interesse, meu grande amor”, afirma Marcos Bagno, linguista, tradutor e professor da Universidade de Brasília. O “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, traz um bate-papo entre Bagno e Caetano W. Galindo, escritor, tradutor e professor da Universidade Federal do Paraná, sobre as formas de linguagem, em especial sobre a língua portuguesa. Os especialistas debatem as origens, o presente e o futuro do idioma no Brasil e abordam temas como o preconceito linguístico e a linguagem neutra.
✊🏾 Direitos humanos
“As ocupações precárias e vulneráveis à beira dos cursos de água do Recife são uma das expressões físicas mais fortes e tocantes de um processo de produção da cidade profundamente excludente e desigual. Essa produção social do espaço, improvisada e não-técnica, carece muitas vezes de qualquer intervenção estatal, tanto no seu ordenamento físico, quanto na implantação de sistemas de infraestruturas e serviços públicos, em especial os de saneamento básico e de mobilidade urbana”, afirma o arquiteto e urbanista Fabiano Rocha Diniz, vice-coordenador do núcleo Recife do Observatório das Metrópoles e professor da Universidade Federal de Pernambuco. Em entrevista à Marco Zero, o pesquisador fala sobre o direito à moradia digna nas grandes cidades brasileiras e a necessidade de uma abordagem integrada, ressaltando a importância dos laços comunitários e da identidade local.