A falta de prevenção às cheias no RS e o perfil de Guilherme Derrite
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🔸 Com 364 dos 497 municípios atingidos pelas chuvas, o Rio Grande do Sul registrou até a noite de ontem 83 mortes e mais de cem pessoas desaparecidas. Em Porto Alegre, no quarto dia de inundações que deixaram bairros inteiros submersos, 7.500 pessoas estão abrigadas em 58 pontos distribuídos pela cidade. Com capacidade para 250 pessoas, o Centro Estadual de Treinamento Esportivo (CETE) está lotado desde o final de semana. O Sul21 conversou com pessoas abrigadas no local. Lá, cerca de 15 voluntários se revezam para atender as pessoas e entreter as cerca de cem crianças. “A situação aqui está boa”, diz Adriano Alvesa da Silva Vieira, para em seguida completar: “O filme de terror vai ser quando voltar”. Morador da Ilha Grande dos Marinheiros, ele deixou a casa com a família na última sexta-feira.
🔸 Sem manutenção, o sistema de defesa contra cheias de Porto Alegre falhou. Com diques, bombas d’água, comportas de superfície e submersas, além de condutos, a robusta engrenagem foi montada nos anos 1960, justamente para evitar inundações como a que se vê agora na capital gaúcha. O Matinal apurou que o maquinário já havia dado indícios de desgaste e falta de manutenção meses atrás: em novembro de 2023, quando o Guaíba atingiu 3,46m. A reportagem conversa com o ex-diretor do antigo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), Carlos Todeschini. Ele é enfático: “O sistema de proteção falhou porque não teve manutenção. Se tivesse funcionado, poderia haver pequenos alagamentos, de menor proporção, mas não teria a inundação da cidade”.
🔸 No governo federal, um relatório de 2015 já indicava o aumento das chuvas no Rio Grande do Sul. Encomendado pelo governo Dilma Rousseff (PT), a pesquisa “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima” custou R$ 3,5 milhões, mas foi considerada alarmista pela própria Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. O Intercept Brasil revela que o documento apontava um aumento no nível de chuvas no extremo sul do país superior a 15%. Os pesquisadores, então, propunham planos de contingência específicos para cheias, que seriam parte de um planejamento de longo prazo e em constante atualização.
🔸 A onda de calor no Sudeste e no Centro-Oeste agravou a situação no Sul do país. Isso porque, com o ar quente, as frentes frias que vêm da Argentina não conseguem avançar e ficam “estacionadas” sobre o Sul. O Colabora explica que outros fatores contribuem para a sequência de temporais no Rio Grande do Sul. O fenômeno El Niño, embora esteja na etapa final, mantém as águas do oceano ainda muito quentes, o que provoca mais chuvas na região.
📮 Outras histórias
Para desvendar o que significam os nomes das ruas das periferias de São Paulo, o coletivo Alquimia P.A.M (Pensar Agir Mudar) passa todo domingo numa via diferente. Produtores e videomakers, eles gravam a série documental “Quem é essa rua?” desde julho de 2023. A Agência Mural conta quem são os integrantes do coletivo e explica o critério de escolha das ruas a serem gravadas: devem estar localizadas em quebradas e ter um nome com relevância social. “Infelizmente a história é sucateada. Quando a gente tá gravando, até tem pessoas que conhecem quem foram os personagens, mas a grande maioria não tem a mínima noção. Às vezes não sabem nem que a rua tem aquele nome, sabe?”, diz Raul Carlos, cofundador do coletivo.
📌 Investigação
Desde julho do ano passado, quando se iniciaram as operações policiais que mataram até agora 84 pessoas na Baixada Santista (SP), os inquéritos abertos para investigar policiais em intervenções letais estão empacados. Dos 28 documentos que chegaram à Justiça Militar, 18 foram devolvidos para serem refeitos. A Corregedoria da PM se encarregaria de refazê-los, mas o chefe do órgão, o coronel Edson Luís Simeira, foi afastado e substituído por Fábio Sérgio do Amaral, responsável pelo Comando do Policiamento de Choque. Por trás desse movimento, está Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo. A revista piauí mergulha em sua trajetória militar, que inclui operações que somaram dez homicídios. Em seu cargo atual, Derrite já anistiou mais de 60 policiais afastados por alta letalidade.
🍂 Meio ambiente
Na contramão do planejamento de expansão energética do país, a Eletrobras decidiu retomar o plano de construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, um dos maiores projetos hidrelétricos do país, que teria capacidade de gerar 8.040 megawatts de energia, só inferior à potência das usinas de Belo Monte e de Tucuruí, também construídas no Pará. O Eco apurou que a empresa entrou na semana passada com um pedido formal à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que o órgão renove o registro e o “aceite técnico” do empreendimento. A área possui a presença comprovada de povos indígenas e já foi alvo de vedação ambiental por parte do governo federal.
📙 Cultura
No livro “A Viagem Inútil — Trans/escrita” , que será lançado no Brasil em junho, a escritora argentina Camila Sosa Villada traz uma narrativa autobiográfica e reflete sobre como a literatura a alcançou. À Quatro Cinco Um a autora detalha as circunstâncias de suas obras e explica por que compara o ato de escrever ao de se travestir: “Fazia em segredo. Escrevia no feminino e escondia os textos em lugares onde meu pai e minha mãe não podiam encontrar. Da mesma maneira, me travestia. Escondida no banheiro, trancada no meu quarto. Saindo pelo povoado à noite, fugindo pela janela. Antes de sair pela primeira vez à rua vestida de mulher, esse batismo, eu escrevi. Isso já estava presente. Tinha acontecido na escrita”.
🎧 Podcast
“Transição energética justa” está entre expressões que não têm definições precisas, passando tanto pela transformação do trabalho quanto pelos direitos de comunidades afetadas pela instalação de usinas de energia renovável. O último episódio da série “Transição energética: solução verde ou negócio?”, do “Guilhotina”, podcast do Le Monde Diplomatique Brasil, conversa com especialistas para destrinchar o conceito de transição justa e como uma lei do governo Bolsonaro utiliza o termo equivocadamente ao estender o uso de carvão mineral dentro desse guarda-chuva.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
As tarefas domésticas e de cuidado consomem cerca de 25 horas semanais das mulheres – as mais afetadas pela não remuneração desse tipo de trabalho “invisível”. Para além do pagamento em dinheiro, ações como a redução da jornada formal e creches no trabalho podem garantir mais equidade de gênero. O Lunetas reúne iniciativas que buscam reconhecer a economia do cuidado e lembra da necessidade de pensar políticas de modo interseccional. “Diferentes grupos enfrentam impactos variados dessas desigualdades, destacando-se a necessidade de maior cuidado para crianças em situação de maior risco e vulnerabilidade, como aquelas com deficiência, na primeira infância, meninas e crianças negras e indígenas”, afirma Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Instituto Alana.