As falta de moradia na sede da COP30 e um santuário de aves em MG
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🔸 Amigo próximo do papa Francisco e figura de prestígio na Cúria, o monsenhor argentino Marcelo Sánchez Sorondo aposta que, sem um candidato forte entre os “bergoglianos”, o próximo papa pode surgir como uma surpresa, assim como João Paulo II. Ex-chanceler das academias de Ciências do Vaticano, Sorondo afirma à revista piauí que há uma visão superficial de Francisco: o pontífice não foi uma ruptura na Igreja em direção a uma agenda mais progressista e, em muitos aspectos, representou a continuidade. “Ele plantou uma semente, mas não uma revolução”, resume. Sorondo lembra ainda a última vez em que falou pessoalmente com o papa, no final de 2024. No encontro, um médico tentou abordar o tema da saúde, mas Francisco interrompeu e pediu que tudo fosse enviado por escrito, recusando-se a conversar ou ser examinado. “Bergoglio trabalhava como um louco. Nunca fazia festa, nunca tirava férias, não sabia o que era isso.”
🔸 Enquanto recebe bilhões em investimentos para obras, Belém mantém sem solução o grave déficit habitacional que afeta quase 60% da população da região metropolitana. Às vésperas da COP30, famílias como a da menina Abayomi, que vive na ocupação Liberdade com outras 3 mil ameaçadas de despejo, encaram remoções forçadas em nome da “preparação” da cidade. A Sumaúma mostra que moradores vêm sendo expulsos por obras que ignoram o saber amazônico e tornam precárias até as palafitas tradicionais. São mais de 1,1 milhão de habitantes nessas condições – 57,1% da população de Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides. O Censo 2022 identificou 214 favelas na capital paraense. A reportagem expõe como a Belém da Conferência do Clima das Nações Unidas se divide entre a cidade vitrine e a cidade real, marcada pelo abandono histórico. Como diz Edson X, pai de Abayomi: “Desta vez, não estão oferecendo nada. Estão dizendo só que vão chegar e tirar. Como se não estivesse morando ninguém”.
🔸 A propósito: o governo do Pará nomeou o advogado de garimpeiros e caçador de javalis Fernando Brandão para um cargo estratégico na secretaria estadual de meio ambiente. A Repórter Brasil informa que ele será responsável por licenciar atividades que impactam diretamente a floresta, como o garimpo em áreas sensíveis da Amazônia. Ex-vereador cassado em Sinop (MT) por prática de “rachadinha”, ele já defendeu sindicâncias contra fiscais do Ibama e participou de articulações para liberar mineração em terras indígenas. A nomeação ocorre num contexto em que o governador Helder Barbalho tenta projetar sua imagem ambiental para a COP30. A escolha de Brandão, no entanto, escancara contradições: seu histórico de lobby pró-garimpo e conexões com empresários ligados ao garimpo ilegal contrastam com o discurso oficial de sustentabilidade.
🔸 Em 2025, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente será de R$ 4,5 bilhões, valor 11 vezes menor que os R$ 50,4 bilhões destinados a emendas parlamentares. O patamar de execução (valor de fato utilizado) é ainda menor: entre 2018 e 2024, a média ficou estagnada em apenas R$ 3,5 bilhões. Para especialistas, o valor é insuficiente diante da gravidade da crise climática. “A agenda ambiental está distante do centro da estratégia do governo atual”, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioambientais (Inesc). O Eco detalha o orçamento e mostra que, por ser limitado, o governo precisou abrir créditos extraordinários para ações estratégicas, como as de combate a incêndios florestais. O Observatório do Clima avaliou a Lei Orçamentária Anual de 2025 e identificou quedas em dezenas de ações voltadas ao meio ambiente e ao clima.
📮 Outras histórias
Três anos após o incêndio que destruiu parte da comunidade Entre Pontes, no Pina, em Recife, ex-moradores ainda enfrentam desamparo. A área foi transformada pela prefeitura e pela construtora Moura Dubeux em uma praça e um prédio de luxo voltado ao aluguel por temporada. A tragédia, cujas causas nunca foram esclarecidas, marcou o fim das palafitas e o avanço do mercado imobiliário na região. A Marco Zero relembra o incêndio (ainda sem explicação) e conversa com ex-moradores que denunciam um processo de “higienização urbana” na região. “É o modus operandi quando se quer retirar uma comunidade de um lugar que tem valor para o mercado imobiliário ou para o governo. Já aconteceram vários incêndios assim, em que logo os moradores foram expulsos”, diz o artista Shell Osmo, que tinha um ateliê na comunidade quando houve o incêndio.
📌 Investigação
Longe do debate público e de outros órgãos, em sessões fechadas, com acesso a dados técnicos restritos, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) decide, sem contraponto, o que pode ser plantado em território brasileiro. O Joio e O Trigo revela como o colegiado passou por uma “captura regulatória” – quando uma instância estatal, em vez de proteger o interesse coletivo, passa a operar em alinhamento com os setores que deveria fiscalizar. Mesmo diante de alertas sobre danos ecológicos, riscos à saúde e concentração de poder no campo, a CTNBio nunca rejeitou um pedido de liberação comercial dos organismos geneticamente modificados. A maioria das autorizações se baseia em estudos de curto prazo, frequentemente conduzidos ou financiados pelas próprias solicitantes.
🍂 Meio ambiente
Mutuns, jacutingas e harpia – a maior águia das Américas – são algumas das aves criadas por Roberto Azeredo, de 77 anos. Há 40 anos, em meio ao espaço urbano de Contagem (MG), ele fundou o Crax, um centro de conservação científica de aves brasileiras ameaçadas de extinção, transformando uma mata em um santuário genético, um laboratório vivo, um abrigo contra o extermínio. O Projeto Preserva narra a história do local que atrai pesquisadores e estudantes para aprenderem sobre linhagens genéticas, simulações de habitats e técnicas de reprodução em cativeiro. “Eu já perdi a conta de quantas solturas de aves consegui fazer, mas a devastação dos biomas é um problema na reintrodução dos animais. A gente precisa devolver as matas e florestas a eles”, afirma Azeredo.
📙 Cultura
Curitiba é a cidade mais destacada da literatura nacional neste ano. Além do poeta Paulo Leminski ser o homenageado da 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o escritor Dalton Trevisan, ícone da cultura curitibana que morreu no ano passado, vai ganhar novas edições de 37 obras, com um novo projeto gráfico e a seção “Canteiro de obras”, contendo trechos de diários, cartas e desenhos. A Quatro Cinco Um destaca a busca por uma identificação mais regional em livros de estados fora do eixo Rio-São Paulo, exaltando a singularidade de suas produções literárias, como ocorre com Curitiba. “Não há uma ‘escola curitibana’, mas percebo a recorrência do experimentalismo e da inventividade, de linguagens mais contidas, da busca por densidade estética e uma afinação fina com o silêncio e com o tempo”, afirma a escritora Luci Collin.
🎧 Podcast
“O que diminui a credibilidade na medicina e na ciência é quando a gente vende uma certeza que a gente não entrega. Acho muito mais honesto e muito melhor para a relação com o paciente quando a gente fala as coisas como elas realmente são: que a informação que vem dos estudos clínicos é extremamente limitada”, afirma a psiquiatra Juliana Belo Diniz, autora do livro “O Que Os Psiquiatras Não Te Contam”. No “Fio da Meada”, produção da Rádio Novelo, a médica fala sobre as limitações dos tratamentos para saúde mental, a “medicalização da vida cotidiana” e os entendimentos sobre como doenças como depressão, ansiedade e psicoses são entendidas atualmente pela psiquiatria.
👩🏽💻 Tecnologia
Um a cada três parlamentares da Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética não apresentou nenhum projeto de lei relacionado a temas de tecnologia desde o início da nova legislatura. Já entre as 32 propostas apresentadas pelos membros até o momento, apenas cinco (15%) abordam a segurança digital, como apurou o Núcleo. Instalada em março, a frente, que reúne parlamentares majoritariamente de MDB, PL, Republicanos, PSD e PSB, tem o objetivo de acelerar a criação de uma agência reguladora para coordenar respostas a ataques virtuais e operar de forma similar à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Os trabalhos, porém, seguem em ritmo lento: além dos poucos projetos de lei direcionados à cibersegurança, as propostas feitas permanecem em ritos iniciais, como designação de relator.