As falhas na cidade-sede da COP30 e os resíduos de mineração no rio Doce
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🔸 A COP30 começa hoje numa Belém cheia de contradições – a começar pelo lixo. A cidade-sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas recebeu uma “maquiagem” para ter a aparência mais limpa às vésperas do evento, enquanto moradores denunciam a coleta irregular e o acúmulo de lixo há anos. A InfoAmazonia destaca que, se a limpeza aumentou antes do evento (“O lixeiro já passou duas vezes só esta semana, por causa da COP”, diz um coletor de lixo), a gestão de resíduos, feita pela Ciclus Amazônico, é alvo de CPI na Câmara Municipal de Vereadores. Relatórios da prefeitura apontam falhas como o envio de orgânicos ao lixão do Aurá (desativado em 2015), além de problemas operacionais e vazamento de chorume para a comunidade Santana do Aurá. Belém produz cerca de 328 mil toneladas de resíduos por ano. Há 14 cooperativas de catadores, como a Concaves, mas a cidade aproveita só 0,45% de seu lixo reciclável.
🔸 A estrutura de saúde é considerada outro problema na cidade-sede da COP. O Ministério Público Federal avaliou que Belém não comprovou estrutura de saúde adequada para a COP30 e abriu um inquérito para apurar a situação, depois de ter considerado incompletas as respostas que solicitou a órgãos federais, estaduais e municipais para evitar sobrecarga nas urgências de saúde durante a conferência. A Carta Amazônia conta que, entre as falhas citadas, estão o aumento irrisório de leitos de UTI (de 106 para 110), a ausência de reforço no Samu e o risco de tratamento diferenciado entre delegações e moradores. O governo federal anunciou R$ 53 milhões para novas unidades básicas, equipamentos e leitos, mas não detalhou a execução. Já os pedidos de ambulâncias extras e 11 postos de atendimento seguem sem confirmação.
🔸 Um glossário para a COP: vocabulário difícil, com termos técnicos e siglas pouco familiares, são parte das conferências das Nações Unidas. O Nexo lista e explica 13 conceitos fundamentais para entender os debates que começam hoje e seguem até o próximo dia 21 em Belém. A reportagem explica o que é a Convenção do Clima, relembra o Acordo de Paris, que busca manter o aquecimento abaixo de 2°C e detalha as NDCs, metas nacionais revistas a cada cinco anos.
🔸 Na sexta-feira, o último dia da Cúpula dos Líderes explicitou o desabafo do Sul Global sobre desigualdades: países vulneráveis cobraram transição energética e financiamento. Segundo a Sumaúma, o apelo mais repetido no encerramento do encontro foi o da necessária transição energética para que o planeta possa reduzir a dependência de combustíveis fósseis. O secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, Simon Stiell, cobrou mais recursos para as energias renováveis: “Cada dólar investido em renováveis cria três vezes mais empregos do que 1 dólar investido em combustíveis fósseis”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi confrontado com sua principal contradição: a autorização para a nova frente petrolífera na Foz do Amazonas. Ele anunciou, sem detalhar, um novo fundo para o clima, que, se criado, usará os lucros do petróleo.
🔸A propósito: a transição energética justa pode definir o sucesso da conferência. Trata-se de garantir que a descarbonização não aprofunde desigualdades entre países e populações. “A transição já está acontecendo. A questão é como ela vai continuar acontecendo”, diz Beatriz Mattos, doutora em relações internacionais e coordenadora de pesquisa da Plataforma Cipó. A Agência Pública mostra o quadro atual de desequilíbrio. Três países ricos (Japão, Estados Unidos e Alemanha) concentram 58% das patentes das “tecnologias verdes”, que reduzem ou evitam as emissões dos gases do efeito estufa, enquanto países em desenvolvimento (sem a China) têm 2%. “Como os países do Sul Global vão fazer transição se não têm acesso às tecnologias?”, questiona Mattos.
🔸 No final de semana, um tornado no Centro-Sul do Paraná deixou seis mortos e centenas de pessoas feridas. Cinco das vítimas fatais moravam em Rio Bonito do Iguaçu, e uma em Guarapuava. A Defesa Civil contabiliza 750 atendimentos e há desaparecidos, informa o Plural. O governo paranaense enviou à Assembleia Legislativa, em regime de urgência, um projeto de lei que altera o Fundo Estadual para Calamidades Públicas (Fecap). A ideia é liberar até R$ 50 mil por família atingida em todos os municípios.
📮 Outras histórias
Na comunidade da África, na zona norte de Natal, um mutirão de grafite virou projeto permanente de educação popular por meio da cultura hip hop. O AfriCores foi criado pelo rapper, artista visual e educador, Miguel Carcará, cuja trajetória é marcada pela valorização das periferias. A Saiba Mais mostra os resultados concretos do projeto, como a Supernova Crew, grupo de dança formado por adolescentes da comunidade, e o Coletivo 08, de artistas do grafite da Redinha. “O AfriCores é um elo entre a arte e o território. Ele faz com que as pessoas se reconheçam como parte de uma cultura potente, viva e transformadora”, explica Carcará. Na base do projeto, está o que ele chama de pedagogia das ruas, que ultrapassa os muros da escola e se conecta ao cotidiano social. “A cultura hip-hop sempre foi um campo de aprendizagem múltipla: quem dança, ensina; quem grafita, comunica; quem canta, forma pensamento crítico”, afirma.
📌 Investigação
Dona de um pequeno escritório de advocacia no interior do Mato Grosso, a advogada Mirian Ribeiro acumulou vitórias em causas milionárias no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Seu trunfo era o gabinete do ministro Paulo Dias Moura Ribeiro, no qual concentrou 47 processos, dos quais 72,5% resultaram em vitória. Em 16 deles, Mirian Ribeiro só foi contratada quando o processo já estava sob a relatoria de Moura Ribeiro, um indicativo de que seu sucesso no gabinete era um atrativo para os clientes. A revista piauí esmiúça o escândalo do esquema de vendas de sentenças no STJ. Mirian é esposa do lobista Andreson Gonçalves, que se gabava de ter acesso antecipado a minutas de decisões e exercer influência sobre servidores do Judiciário. A advogada defendeu empresas poderosas, como o grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, em 13 ações na Corte, três sob relatoria de Moura Ribeiro.
🍂 Meio ambiente
Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão da Samarco – controlada pela Vale e pela BHP –, em Mariana (MG), a contaminação persiste nas águas e na vegetação ao longo da Bacia do Rio Doce. Segundo o Projeto Preserva, um estudo recente realizado por 19 pesquisadores de instituições nacionais e internacionais mostra que os rejeitos de mineração alteraram, por exemplo, a decomposição da matéria orgânica, com uma desaceleração do ciclo natural que compromete o ciclo de nutrientes no solo, enfraquecendo a fertilidade e dificultando a regeneração das espécies nativas. Na foz do rio Doce, no Espírito Santo, onde se encontra com o mar, o ecossistema não retornou à condição original. “A contaminação está presente no fundo, nos sedimentos do fundo, na calha do rio, mesmo com a água aparentemente normal. Então o problema maior, nesse caso, é a contaminação do fundo do rio. O ciclo de chuva e de cheia do rio Doce transporta os rejeitos de Minas Gerais em direção ao oceano”, afirma Ângelo Fraga Bernardino, professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
📙 Cultura
Respeito à natureza, equilíbrio e solidariedade são os pilares fundamentais da música reggae. Bandas soundsystems e coletivos ligados a essa cultura no país levam os princípios para fora dos palcos e usam o estilo como ferramenta de transformação comunitária e resistência ancestral. “Música, cultura e sustentabilidade caminham juntas. Através do reggae, buscamos despertar a consciência: é possível celebrar, aprender e cuidar do planeta ao mesmo tempo”, destaca o músico e produtor cultural Patrick Sendim, idealizador do Dread Day Festival, evento que reúne bandas do reggae, além de oficinas e atividades culturais voltadas à sustentabilidade e à inclusão, em Campo Grande (MS). O Nonada narra diversas iniciativas da cultura reggae espalhadas pelo Brasil que atuam na intersecção entre o estilo musical e preservação ambiental.
🎧 Podcast
“Machado diz coisas tremendas, duras, sem afrontar, muitas vezes, o leitor. Ele não obriga o leitor a interpretar uma coisa de um jeito ou de outro, mas ele permite possibilidades de leitura variadas.” Professor de literatura da Universidade de São Paulo (USP), Hélio de Seixas Guimarães é um dos maiores especialistas do país na obra de Machado de Assis. No “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, o pesquisador fala sobre as transformações na leitura crítica da obra machadiana ao longo dos tempos, que mudaram desde as interpretações sobre o clássico “Dom Casmurro” até a própria imagem de Machado e sua visão sobre o Brasil – com uma nova perspectiva sobre a questão racial. “Acho que esse é o desafio que está colocado hoje, para além da aparição do tema: de que modo que a dicção do Machado, o olhar dele para o mundo, tem a ver com uma experiência, que é uma experiência individual e coletiva, de uma cidade inteira, que era, em grande medida, africana.”
👩🏾⚕️ Saúde
“Historicamente, a proteção animal tem a ver com as atuações das mulheres. Isso também é determinante e, não à toa, a esporotricose humana atinge mais mulheres; a esporotricose animal atinge animais domésticos, principalmente os felinos, que são cuidados pelas mulheres”, afirma a médica infectologista Andreia Ferreira Nery, que coordena projeto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) contra a esporotricose – um tipo de micose causada por fungos que causa lesões na pele. Em entrevista ao Nossa Ciência, a especialista define a doença como social por atingir mais mulheres pobres – cerca de 70% dos infectados no RN são mulheres entre 35 e 65 anos, trabalhadoras e cuidadoras – e ser altamente negligenciada. “É uma doença tropical negligenciada que, por ser tão negligenciada e por afetar principalmente mulheres e meninas, ainda não está nem na lista de notificação nem na lista de doenças tropicais negligenciadas do mundo.”




