A execução de Mãe Bernadete e a vida secreta dos fungos
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 “Uma ialorixá é uma rainha – e o racismo não suporta a existência de uma rainha negra.” O escritor Sidnei Nogueira assim resume a morte de Mãe Bernadete, assassinada a tiros dentro do terreiro Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, na última sexta-feira. Maria Bernadete Pacífico tinha 72 anos e uma longa caminhada como liderança quilombola. Vivia sob proteção da Polícia Militar havia dois anos, ameaçada por criminosos que extraem madeira ilegalmente no território onde ela vivia, ao lado de cerca de 290 famílias. Em artigo na CartaCapital, Nogueira lembra que, seis anos atrás, seis anos, seu filho, conhecido como Binho do Quilombo, também foi assassinado: “Até quando? Quando teremos uma política pública eficiente e capaz de proteger estes territórios ancestrais? Os terreiros são equipamentos de cura biopsicossocial. Os terreiros [e os quilombos] representam a capacidade de resistência de um legado mantido durante a escravização de mais de cinco milhões de negros”.
🔸 Segundo a Polícia Civil da Bahia, as informações iniciais são de que dois homens numa motocicleta teriam praticado o crime. “Perdi minha mãe com 12 tiros de pistola no rosto”, lamentou Wellington dos Santos, filho da ialorixá. Mãe Bernadete estava à frente da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Em nota, a organização afirmou: “Sua partida prematura é uma perda irreparável não apenas para a comunidade quilombola, mas para todo o movimento de defesa dos direitos humanos”. A Ponte reúne as reações de ministros de Estado, como Anielle Franco e Silvio Almeida, sobre a execução da líder. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou uma “investigação rigorosa” do caso.
🔸 Lula viajou ontem para Joanesburgo, onde participa da Cúpula dos Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Entre os integrantes do grupo, o presidente brasileiro é o único líder que participou da fundação dos Brics, em 2009. Ele deve esticar a viagem em mais uma semana, para visitas a outros países do continente africano. O Metrópoles apurou que o governo pretende impulsionar as negociações para a reabertura de postos na região fechados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), caso das embaixadas do Brasil em Freetown (Serra Leoa) e Monróvia (Libéria).
🔸 Trinta e oito anos. Este é o tempo de prisão a que Bolsonaro pode ser condenado se comprovados os crimes investigados pela Polícia Federal (PF) no caso das joias. A Lupa conversou com especialistas para analisar as principais implicações até agora. A apropriação indevida de presentes oficiais do governo brasileiro, por exemplo, configura crime de peculato (quando um funcionário público se apropria de algo ilegalmente). São de dois a 12 anos de prisão. “Podemos também falar em corrupção, que é pedir ou receber para si ou terceiro, direta ou indiretamente. Aqui, estamos falando de mais uma pena de dois a 12 anos”, diz Fabio Tavares Sobreira, advogado publicista e professor de Direito Constitucional e Militar.
🔸 Em áudio: na mira de uma delação premiada de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, Bolsonaro se vê em situação jurídica cada vez mais delicada. De uma só vez, o ex-presidente pode ser responsabilizado pela falsificação do cartão de vacinação, pela venda das joias recebidas pelo Estado brasileiro e também pelos atos golpistas de 8 de janeiro. No “Sem Precedentes”, podcast do Jota, Felipe Recondo debate o cerco contra Bolsonaro.
📮 Outras histórias
Um espaço de acolhimento para mulheres lésbicas dentro de uma favela. A Casa Resistência Lésbica, no Complexo da Maré, foi criada há pouco mais de um ano pelo coletivo de mesmo nome. Este, por sua vez, atua há cinco anos no acolhimento e apoio para lésbicas e bissexuais na Vila do Pinheiro, uma das 16 comunidades que compõem o conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro. Por ocasião do Dia Nacional do Orgulho Lésbico, comemorado no último sábado, o Voz das Comunidades, em parceria com o jornal Maré de Notícias, ouviu lideranças do coletivo, como Camilla Fellipe, de 26 anos. Para ela, embora a data seja comemorativa, é também de resistência: “Primeiro por ser mulher, além de ser lésbica. A favela ainda é muito machista, apesar de as casas serem chefiadas por mulheres. Nossa luta é o ano inteiro. Passamos por muita invisibilidade. É tudo nós por nós”.
📌 Investigação
Quando surgiu, na década de 1970, o Danoninho era apresentado como um produto industrializado que poderia suprir as necessidades nutricionais. A ideia de que um alimento prático pudesse também ser fonte de uma alimentação saudável fidelizou parte dos consumidores. Hoje, porém, já se sabe que os produtos ultraprocessados estão associados ao desenvolvimento de diabetes, câncer, doenças cardiovasculares, entre outras. Mesmo assim, itens como o Danoninho continuam alcançando grande parte da população sob a falsa promessa, por exemplo, da redução de açúcares. O Joio e o Trigo investiga como o produto conquistou o lugar de saudável ao longo dos anos, embora seja apenas uma mistura de leite desnatado com um vasto leque de espessantes, xarope de açúcar, corantes e quase nenhum morango.
🍂 Meio ambiente
O Brasil tem quase 6,5 mil espécies de fungos, fundamentais para o equilíbrio ecológico e climático do planeta. Seja no solo, no ar, nas geleiras ou até em nosso organismo, seu papel é crucial. Se na alimentação são essenciais para a fermentação de pães, vinhos, cervejas e queijos, os fungos também revolucionaram a sociedade a partir dos fármacos, como a penicilina, que aumentou a sobrevida humana em 23 anos desde a sua descoberta, em 1938. Segundo o Eco, “ecossistemas inteiros podem falir sem os serviços dos fungos, mas eles são globalmente ameaçados pelo avanço da agropecuária e da urbanização, crise climática, espécies invasoras de ambientes naturais, poluição e, sobretudo no Brasil, pela eliminação da vegetação nativa”.
📙 Cultura
A Lei Paulo Gustavo pode ser prorrogada até o final de 2024. Publicada em 8 de julho de 2022, seu objetivo era mitigar os efeitos da pandemia de Covid-19 para os trabalhadores da cultura. A medida enfrentou obstáculos para ser implementada no ano passado, quando foi vetada integralmente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O Farofafá participou do Encontro Nacional de Gestores da Cultura em Vitória (ES) na última semana, no qual o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura decidiu solicitar ao Congresso Nacional a prorrogação da lei. A reportagem conta também os desdobramentos do evento e entrevista o presidente do Fórum, Fabricio Noronha.
Cervejas artesanais, antirracistas, feministas e ancestrais surgem a partir da economia solidária entre mulheres. A Emerge Mag mostra a história de quem decidiu empreender e transformar os bares em ambientes inclusivos. O Torneira Bar é um exemplo: Danielle Lira quis construir um espaço acolhedor para as mulheres, sobretudo negras, e a comunidade LGBTQAP+. A sommelier também é membro do Tereza de Benguela Cervejeiras, projeto que criou uma remessa da cerveja de mesmo nome e um evento em celebração ao Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A reportagem retrata o protagonismo feminino nas mesas de bar e a busca não só por novas formas de produção, mas também pelo resgate da origem do cultivo da cevada, que vem da civilização negro-africana Kemet.
🎧 Podcast
Em duas histórias sobre a posteridade, uma reflexão sobre legados inusitados. No primeiro ato do episódio 39 do “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, Vinícius Luiz conta sobre um homem que ganha uma fama estranha depois de morto – uma lenda lenda do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, que fez parte da sua infância, o “Bicho de Pedra Azul”. Já no segundo ato, Ana Pinho e Bia Guimarães falam sobre um método de inseminação caseira e uma figura que está habituada a doar sêmen para o procedimento. Ele é João Carlos Holland de Barcellos, um homem obstinado em espalhar seus genes por meio da reprodução assistida.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Venezuelanas têm dificuldade de acesso ao aborto no Brasil mesmo em casos de violência sexual. As imigrantes vêm ao Brasil em fuga da crise econômica venezuelana e sofrem uma série de violações até entrar no Brasil – inclusive quando chegam aos abrigos da Operação Acolhida, força-tarefa criada pelo governo federal em 2018. A Gênero e Número informa que profissionais da rede de proteção em Roraima confirmam casos de estupro em abrigos da operação. O serviço do aborto legal, no entanto, não é divulgado a essas mulheres. A reportagem mostra ainda que as imigrantes venezuelanas respondem por 15% dos procedimentos de aborto registrados em Roraima entre 2018 e 2022. Segundo Daniella Inojosa, coordenadora da organização feminista venezuelana Tinta Violenta, não há regulamentação e nenhum protocolo que oriente os serviços de saúde, o que inviabiliza o acesso ao aborto mesmo nos casos de gestação de risco.