A estratégia do Planalto no Congresso e uma ameaça às águas de Bonito
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🔸 “Nepal Já!” O slogan foi lançado por bolsonaristas nas redes sociais ao longo do julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana. Apoiadores do ex-presidente tentam se valer da crise do Nepal para mobilizar atos no Brasil, como mostra a Agência Pública. No país asiático, manifestações violentas levaram à renúncia do primeiro-ministro e à morte da ex-primeira dama, queimada viva. A origem da crise está no desemprego de jovens, que ultrapassou os 20% e culminou com a decisão do governo de bloquear as redes sociais, depois de tentar estabelecer uma regulação das plataformas. Os protestos após o bloqueio mobilizaram um número expressivo de jovens, revoltados com a perda de meios de comunicação com familiares e também de fontes de renda a partir de plataformas como YouTube e Instagram. Por aqui, deputados como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) compartilharam vídeos exaltando os atos no Nepal. O ministro do Supremo, Flávio Dino, acionou a Polícia Federal depois de receber ameaças com referências ao caso.
🔸 O governo espera que o Congresso viva agora uma semana de “ressaca”, depois da condenação de Bolsonaro pelo STF. Embora a pressão bolsonarista por uma anistia “ampla, geral e irrestrita” deva perdurar, já se sabe que líderes do Centrão não vão engrossar o coro por um projeto tão extensivo. O Jota apurou que a prioridade do governo é “recolocar Hugo Motta [Republicanos-PB] na cadeira”. O presidente da Câmara está enfraquecido desde episódios como a invasão da Mesa Diretora em agosto. O Planalto avalia que será decisivo evitar que Motta ceda à pressão por uma anistia e pretende empregar todo o seu arsenal político para impedir a aprovação do texto – a começar por convencer Motta a não colocar em votação a urgência do projeto. Em tempo: Nova pesquisa Datafolha mostra que 54% dos brasileiros são contra um projeto para anistiar Bolsonaro. A CartaCapital informa ainda que 61% se dizem contrários a qualquer tipo de perdão aos condenados pelos ataques de 8 de Janeiro.
🔸 “Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que traga benefícios mútuos. No entanto, a democracia e a soberania brasileiras não estão na mesa”, escreveu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em artigo publicado ontem no jornal “The New York Times”. O Canal MyNews detalha o texto do mandatário brasileiro, que elogiou o STF pela “decisão histórica” de condenar Bolsonaro. Lula afirmou ainda que o julgamento não é “caça às bruxas”, mas sim a aplicação da Constituição de 1988. No mesmo dia, Bolsonaro passou por um procedimento médico em Brasília para retirar lesões de pele, foi diagnosticado com anemia e recebeu alta.
🔸 Conhecido como “bruxo” alagoano, Hermeto Pascoal foi, segundo Caetano Veloso, “um dos pontos mais altos da música no Brasil”. Para Miles Davis, ele era o “mais impressionante do mundo”. A genialidade do músico já se manifestava na infância: quando criança, Hermeto tocava água da lagoa com os materiais do avô ferreiro na pequena Arapiraca (AL). Jovem, apresentava-se com o irmão em shows de forró em Recife. Eram os anos 1950, e o sanfoneiro Sivuca o levou para tocar na rádio. Na década seguinte, Hermeto já estava nos festivais de música da Record. Seu sucesso nunca foi interrompido. Quando fez 80 anos, em 2016, afirmou: “A idade para mim não existe, o que tem é o dia a dia. Eu não me canso. Quando se é feliz, a gente aprende a passar a felicidade para as pessoas”. O Nexo reúne vídeos de oito momentos marcantes do multi-instrumentista. Hermeto morreu no sábado, aos 89 anos.
📮 Outras histórias
As águas cristalinas de Bonito (MS) estão ameaçadas pelo aumento de javalis. Segundo o secretário de Meio Ambiente, Thyago Sabino, os animais já foram avistados em todas as regiões e sua presença nos banhados – fundamentais para a filtragem e a transparência da água – preocupa autoridades e produtores. O Correio do Estado conta que o município criou um grupo de trabalho interdisciplinar para tratar do impacto dos javalis no ecoturismo. Os especialistas avaliam estratégias de enfrentamento, depois de registros de danos nos rios da Prata e Perdido. Os javalis reviram o solo em busca de alimento e, assim, causam erosão, assoreamento e contaminação das águas. Um levantamento do Ibama mostrou o aumento de propriedades cadastradas em Bonito para manejo do animal, cujo abate é autorizado desde 2013.
📌 Investigação
Segunda maior exportadora de ferro do Brasil, a CSN Mineração briga na Justiça para construir uma pilha de rejeitos de mineração em uma área que se sobrepõe ao território quilombola de Santa Quitéria, em Congonhas (MG). Segundo a Repórter Brasil, a empresa questiona a própria declaração da comunidade tradicional da região – já reconhecida pela Fundação Palmares. O diretor de Investimentos da CSN, Otto Levy, tornou-se a principal voz da mineradora em audiências e reuniões com autoridades. Engenheiro metalúrgico, foi secretário de Planejamento do governador Romeu Zema até abril de 2021 e, menos de dois meses após a saída, assumiu o cargo de direção na empresa. Três anos depois, a companhia foi beneficiada por um decreto estadual que autorizou as desapropriações em Santa Quitéria.
🍂 Meio ambiente
“Hoje as mudanças climáticas deixaram de ser uma questão científica para se tornar uma questão de comunicação. Todas as donas Marias e os seus Joões têm que saber dos riscos que estão correndo. Eles, seus filhos e seus netos.” O cientista Paulo Artaxo é integrante do Conselho de Ciência sobre o Clima, criado pela presidência da COP30 e fez parte das equipes que elaboraram os três últimos relatórios de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da Organização das Nações Unidas, o IPCC. A Sumaúma reúne os principais alertas de Artaxo nos debates pré-COP30: a necessidade de combinar o fim do desmatamento com o fim da queima de combustíveis fósseis. “Mesmo que o desmatamento acabe, o aquecimento global continuará provocando a degradação das florestas”, explicou em evento no Museu do Amanhã. “O modelo econômico que nos foi imposto já se mostra inviável, mesmo a curtíssimo prazo, porque ele é baseado no aumento das desigualdades sociais e no esgotamento dos recursos naturais do nosso planeta. E isso já era. Não há futuro se nós não mudarmos.”
📙 Cultura
“Pensar a escrevivência é também pensar na materialidade, como esse texto nasce, como esse texto é produzido. A minha escrevivência acontece na dinâmica da vida. Apesar de eu não ter um tempo específico para escrever – ou justamente por eu não ter –, existe uma possibilidade de me retirar do cotidiano para produzir uma escrita”, afirma a escritora Conceição Evaristo. Ao cunhar o conceito de “escrevivência”, revolucionou a literatura negra no país. Referência para diversas gerações de escritoras negras, a autora mineira de 78 anos inspirou a 36ª Bienal de São Paulo deste ano, será homenageada na Festa Literária das Periferias (Flup) de novembro e também no Carnaval carioca de 2026, com o enredo do Império Serrano. Em entrevista à Quatro Cinco Um, Evaristo reflete sobre sua escrita, fala sobre seus novos projetos e aborda sua representação em diferentes espaços. “O fato de eu ser uma escritora negra desperta curiosidade. Em qualquer função, a pessoa negra que escapole de uma situação esperada chama atenção. Você percebe os olhares, tem que ter uma justificativa para estar lá.”
🎧 Podcast
A cobrança por transparência e a educação midiática contra a desinformação climática são as principais saídas para os consumidores enfrentarem o greenwashing – marketing que faz com que as empresas e marcas se vendam como mais sustentáveis do que realmente são. O “Carbono Zero”, produção do Reset, mostra as bases dessa prática e como a responsabilidade individual na crise climática foi popularizada por campanhas de grandes corporações para desviar o foco de sua própria pegada ambiental massiva. O episódio ainda aborda como os consumidores ainda têm poucos recursos para tomar decisões bem informadas e os caminhos para combater o greenwashing.
👩🏾⚕️ Saúde
Pouco acesso à informação deixa mulheres no escuro quanto ao medicamento preventivo contra HIV, a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Segundo o monitoramento do Ministério da Saúde, o Brasil tem cerca de 124 mil usuários ativos (que fazem uso dessa terapia de prevenção constantemente) dos quais 91,2% são homens – entre gays, heterossexuais e homens trans. Apenas 8,8% são mulheres, sendo 6,1% cis e 2,7% trans. A Revista AzMina explica como uma percepção distorcida do risco sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) causa a baixa adesão entre mulheres cis heterossexuais. “Existe a ideia de que o HIV afeta principalmente homens que fazem sexo com homens, travestis e mulheres trans. Esse pensamento faz com que muitas mulheres cis heterossexuais negligenciem medidas de prevenção”, afirma ginecologista e sexóloga Milena Brandão. “Muitas acreditam que estão seguras por estarem em relações monogâmicas. Mas, nem sempre os parceiros são [monogâmicos também].”