A espionagem a indígenas no PA e a proteção a ativistas de direitos humanos
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🔸 O Senado aprovou ontem o PL 2628/2022, conhecido como “PL da Adultização”, com uma votação simbólica, sem registro nominal de votos. Apenas quatro senadores pediram para serem registrados como contrários à proposta: Carlos Portinho (PL-RJ), Eduardo Girão (Novo-CE), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Jaime Bagattoli (PL-RO). O texto, que estabelece mecanismos de proteção a crianças e adolescentes na internet, agora vai para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Metrópoles destaca que o relator do projeto, o senador Flávio Arns (PSB- PR), manteve a maior parte do substitutivo aprovado na Câmara na semana passada. O parlamentar mudou o trecho sobre a remoção de conteúdo e passou a obrigar que plataformas removam conteúdos de aparente exploração, de abuso sexual, de sequestro e de aliciamento, quando detectados. No texto da Câmara, as empresas deveriam apenas comunicar suspeitas às autoridades.
🔸 As emissões brasileiras de metano aumentaram 6% entre 2020 e 2023, apesar do acordo internacional assinado pelo país que prevê a redução até 2030. Em 2023, foram emitidas 21,1 milhões de toneladas de metano, das quais 75% são provenientes da agropecuária. Embora seja um gás de efeito estufa de vida curta na atmosfera, o metano é 28 vezes mais potente que o CO2 no aquecimento da Terra. Os dados foram divulgados ontem pelo Observatório do Clima, responsável pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Segundo O Eco, a divulgação do estudo aconteceu no mesmo dia em que a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) realizou uma audiência pública no Senado para discutir com o governo “distorções” no Plano Clima, que, segundo a entidade, penalizariam o setor.
🔸 A propósito: a Justiça Federal de Brasília derrubou a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que suspendia a Moratória da Soja, informa a Repórter Brasil. O acordo, que impede a compra de soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia Legal após julho de 2008, é um dos principais mecanismos de proteção da floresta. A moratória havia sido suspensa por pressão de setores ruralistas. “Os ataques à Moratória da Soja não são técnicos. Eles são políticos e favorecem justamente quem mais lucra com a destruição da Amazônia”, afirma Cristiane Mazzetti, coordenadora de florestas do Greenpeace Brasil.
🔸 O Ministério Público Federal vai abrir uma investigação contra o governo do Pará para apurar a espionagem de ativistas indígenas durante a ocupação da Secretaria de Educação do Estado. Um depoimento do delegado Carlos André Viana levantou a suspeita de que agentes vinculados ao Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos foram infiltrados dentro do movimento para repassar informações sigilosas à cúpula do governo. “Essa conduta, que revela uma intrusão inaceitável nas dinâmicas de auto-organização e mobilização social, transborda os limites da legalidade e do respeito aos direitos humanos”, escrevem os procuradores da República Thais Santi Cardoso da Silva, Rafael Martins da Silva e Felipe de Moura Palha e Silva. O Jota ressalta que a ação também pede que a Justiça determine o bloqueio das redes sociais do governador Helder Barbalho (MDB), que desde março se recusa a cumprir uma decisão liminar para que ele publique um vídeo de direito de resposta gravado por um grupo de indígenas.
📮 Outras histórias
Um dos orixás mais conhecidos das religiões de matriz africana, Exu está no centro de uma batalha judicial, iniciada em abril deste ano, na 1ª Vara Empresarial da Justiça de São Paulo. O empresário paulista Jonathan Maschio Pires dos Santos, que registrou a marca “Marcha para Exu” no Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 2023, tentou obter uma liminar para impedir a realização da Primeira Marcha para Exu, no Recife. A Marco Zero explica o embate na Justiça e o debate sobre apropriação e exploração da religiosidade afrobrasileira. “Ele é um empresário, branco, interessando em fazer dinheiro se apropriando da fé do povo negro”, afirma o produtor cultural Renato Fonseca, um dos organizadores do evento pernambucano. Além de tentar impedir a realização da marcha, Pires ainda pediu uma indenização de R$ 30 mil por reparação de danos morais.
📌 Investigação
As solicitações de medidas protetivas cresceram 80% entre 2022 e 2024 no Nordeste, região com maior aumento na quantidade de pedidos no país. A partir de dados do painel de violência contra a mulher do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Agência Tatu analisa que o número de processos do tipo quase dobrou no período, passando de 103.937 para 187.907. Em Alagoas, as solicitações de medidas protetivas saltaram 201,95%. “Esse crescimento mostra que as mulheres não estão mais silenciando suas experiências e estão dispostas a lutar contra a violência. Por outro lado, é importante considerar que esse aumento também pode estar ligado à resistência de alguns homens que, ao perceberem que as mulheres estão se tornando mais independentes e assertivas, reagem de forma agressiva”, afirma a advogada Edâmara Araújo, presidente da Comissão Especial da Mulher da Ordem dos Advogados de Alagoas (OAB-AL).
🍂 Meio ambiente
Mamífero ameaçado de extinção, o roedor subterrâneo tuco-tuco-do-lami tem seu habitat drasticamente reduzido pela fragmentação acelerada do Pampa. Endêmico do bioma, a espécie necessita de ações de conservação que ampliem e conectem fragmentos de vegetação campestre, fundamentais para garantir sua sobrevivência. A Agência Bori destaca que levantamentos científicos evidenciam que a perda de vegetação nativa – impulsionada por agricultura, silvicultura, urbanização e infraestrutura – reduziu em 17% a extensão de ocorrência da espécie. “O Pampa é um bioma invisível nas políticas públicas, mas sua biodiversidade não pode mais ser ignorada”, afirma Thamara Santos de Almeida, autora do estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
📙 Cultura
A cultura como ferramenta de mobilização pela justiça climática é a aposta do jornalista e gestor cultural Eduardo Carvalho. Com atuação em conferências climáticas globais, ele tem aproximado a sociedade civil, o setor cultural e a agenda ambiental. O Nonada conta que, desde 2021, Carvalho já esteve à frente da concepção de iniciativas como o Brazil Climate Action Hub, além de colaborar na curadoria da programação das filantropias climáticas globais. “A cultura pode ser, de fato, esse vetor que vai mobilizar por meio da emoção. Precisamos unificar as áreas, trazer quem está fora da agenda para dentro. Criar oportunidades para trazer quem não está dentro do Congresso Nacional.” Presente em espaços como as COPs e curadoria do Museu do Amanhã, a trajetória de Carvalho reforça a urgência de integrar expressões culturais aos debates e políticas climáticas.
🎧 Podcast
“A Amazônia está na moda, mas nem sempre foi assim”, diz o rapper manauara Victor Xamã, cujo sotaque já foi motivo de chacota em rodas de rap fora de sua terra natal. No “LatitudeCast”, produção da Amazônia Latitude, o artista compartilha sua trajetória no rap, destacando a fusão entre a urbanidade de Manaus e a ancestralidade da floresta. Victor Xamã descreve sua música como uma “pajelança”, usando o rap como ferramenta de resistência e expressão cultural. Com uma voz grave, lírica e potente, o rapper aborda as realidades invisibilizadas da Amazônia urbana e traz à tona questões socioambientais. Ele ressalta ainda a importância de amplificar sua música para alcançar um público mais amplo, com objetivo de dar visibilidade para a Amazônia além da floresta.
✊🏾 Direitos humanos
Nos dois primeiros anos do terceiro governo Lula, 55 defensores de direitos humanos foram assassinados no Brasil. Os dados são do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), rede que reúne 45 organizações de todo o país. No dossiê “Vidas em Luta: 20 anos na Defesa do Direito de Lutar”, lançado neste mês, o Comitê aponta falhas na política de proteção aos defensores. A Ponte detalha o levantamento, que aponta a precariedade dos programas de proteção e reforça a urgência de regulamentação federal. Apesar do risco crescente, ainda não existe um marco legal robusto que garanta medidas preventivas e suporte efetivo. “O Estado brasileiro ainda tem dificuldade em adotar medidas que contemplem a proteção coletiva. E enquanto não avançarmos na demarcação de terras, na titulação de territórios e na reforma agrária, as ameaças continuarão”, afirma Sandra Carvalho, coordenadora do programa de Proteção de Defensoras/es de Direitos Humanos e da Democracia da organização Justiça Global.
*Erramos: na edição de ontem (27/08), a palavra “Câmara” foi grafada de forma equivocada no título. Uma segunda versão da newsletter foi enviada na sequência com a grafia corrigida.