Especial: O racismo na letalidade policial e o desmatamento no Cerrado
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Olá, bom dia!
A edição de hoje se volta para a letalidade policial em 2024, ano em que a violência de agentes do Estado ganhou o noticiário. Sob a perspectiva de raça, acompanhamos as operações policiais na Baixada Paulista e os assassinatos cometidos por autoridades – problemas que, infelizmente, podem persistir em 2025.
Também trazemos aqui notícias das queimadas que tomaram o país em setembro do ano passado, além de histórias importantes sobre garimpos, desmatamento e fumaça, sobretudo na região da Amazônia.
Na segunda-feira, estamos de volta com as edições regulares.
Boa leitura!
🔸 Desde julho de 2023, quando se iniciaram as operações policiais que mataram mais de 80 pessoas na Baixada Santista (SP), os inquéritos abertos para investigar policiais em intervenções letais estão empacados. Em maio de 2024, dos 28 documentos que chegaram à Justiça Militar, 18 haviam sido devolvidos para serem refeitos. A Corregedoria da PM se encarregaria de refazê-los, mas o chefe do órgão, o coronel Edson Luís Simeira, foi afastado e substituído por Fábio Sérgio do Amaral, responsável pelo Comando do Policiamento de Choque. Por trás desse movimento, está Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo. A revista piauí mergulha em sua trajetória militar, que inclui operações que somaram dez homicídios. Em seu cargo atual, Derrite já anistiou mais de 60 policiais afastados por alta letalidade.
🔸 Entre janeiro e outubro de 2024, um em cada quatro assassinatos em SP foi cometido pela PM. Ao todo, as polícias Civil e Militar mataram 676 pessoas, como destaca a Ponte. Trata-se de uma alta de 66% em relação ao mesmo período de 2023. Só em outubro foram três vítimas por dia. A tendência de alta acentuada na letalidade policial vem desde o início da gestão de Tarcísio de Freitas e seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), afirma que houve uma institucionalização da matança como política do governo: “Esse aumento da letalidade policial não foi causado por um ou dois policiais, foi causado por uma mudança de estratégia, por uma mudança de modelo de policiamento mesmo, uma mudança de percepção do que deve ser segurança pública”.
🔸 Policiais não podem fazer abordagem de pessoas baseadas na cor da pele, tampouco pelo sexo, orientação sexual ou aparência física. É o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, em abril de 2024. O Jota informa que, para realizar a abordagem de cidadãos, os agentes devem ter indícios objetivos, como a posse de uma arma proibida. No caso concreto em julgamento, porém, a maioria dos magistrados negou o habeas corpus do acusado – um homem preso por portar 1,5g de cocaína, que alegou ter sido vítima de uma busca pessoal em função da cor de sua pele. Para sete dos ministros, neste caso, a revista foi feita por ele se encontrar em local conhecido como ponto de venda de drogas.
🔸 Mesmo para fins medicinais, o acesso à cannabis é dificultado para as pessoas das periferias. As consequências do uso, até mesmo recreativo, são diferentes para classes sociais com mais dinheiro. É o que explica Flávio Alves, integrante da Associação Coletivo Reparação Sócio-Histórica – Resh, que liga pacientes periféricos ao óleo canábico para tratar doenças crônicas, no “Cena Rápida”, produção do Desenrola E Não Me Enrola. O episódio também conversa com a antropóloga e pesquisadora do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, Paula Napolião, que aponta o caráter racista da proibição da maconha.
🔸 Ao menos 33 de 116 políticos importantes no Brasil têm um passado escravocrata. O número representa ex-presidentes desde o fim da ditadura, atuais governadores dos estados e um quinto dos senadores em exercício. O Projeto Escravizadores, investigação inédita da Agência Pública, mergulhou em cerca de 500 documentos, entre registros paroquiais e cartorários, jornais antigos em hemerotecas e arquivos públicos, e trabalhos acadêmicos de diversas universidades brasileiras, para identificar a genealogia desses políticos. O especial revela que ex-presidentes, senadores e governadores descendem de homens e mulheres que teriam alguma relação com pessoas escravizadas no país, desde o uso de mão de obra escravizada até a atuação para conter revoltas de pessoas negras. Entre eles, estão Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor de Mello, José Sarney, Raquel Lyra, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Tereza Cristina e Romeu Zema.
🔸 Ferramentas que monitoram pessoas em locais públicos, comparando seus rostos com bancos de dados de cidadãos procurados pela Justiça, erram mais na identificação de mulheres negras. O resultado são abordagens policiais e constrangimento, como conta o Nós, Mulheres da Periferia. “Há desempenho de forma distinta com maior disparidade ao comparar mulheres negras e homens brancos”, afirma Horrara Moreira, advogada, pesquisadora e coordenadora da campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira. Atualmente, esses sistemas de reconhecimento facial monitoram cerca de 47,6 milhões de pessoas, segundo O Panóptico, plataforma do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, que acompanha novas tecnologias de segurança pública no Brasil.
🔸 Às margens do rio Tapajós, no Pará, Itaituba é a “capital da lavagem do ouro”, onde garimpeiros de diversas regiões conseguem vender o minério de origem ilegal devido à grande concentração de Permissões de Lavra Garimpeira autorizadas pelo governo federal ao longo dos anos. É o que revela a Sumaúma, a partir do projeto “As rotas do ouro sujo”, liderado pela Red Transfronteriza de OjoPúblico em cinco países amazônicos. De todos os buracos feitos por garimpeiros e mineradoras no país, 16% estão em Itaituba. Em 2022, foram produzidas 12,4 toneladas de ouro na cidade. No entanto, mais da metade foram apontadas como irregulares por pesquisadores. Mais de uma tonelada estava vinculada no papel a garimpos que nem sequer existiam no território.
🔸 Em imagens exclusivas: a fumaça dos incêndios na Amazônia se espalhou por dez estados brasileiros. A InfoAmazonia sobrevoou áreas com fogo ativo em Rondônia, no sul do Amazonas e no norte do Mato Grosso, ao lado da equipe do Greenpeace Brasil, e mostra em fotografias como a destruição avança rapidamente. O fogo atinge florestas, terras indígenas e unidades de conservação. Em julho de 2024, a Amazônia teve o maior registro de focos de calor em 19 anos e, em agosto, os registros já superaram os de 2023.
🔸 A propósito: muito antes de a fumaça dos incêndios encobrir diversas cidades no país, biomas como o Pantanal e o Cerrado já haviam batido recordes de queimadas em 2024. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o país registrou mais de 164 mil focos de incêndio entre janeiro e setembro. O Aos Fatos detalha as causas e consequências das queimadas. Segundo Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), este é o segundo ano consecutivo de seca severa e pouca precipitação para repor o estoque de água. “Isso faz com que qualquer fonte de ignição realmente possa se tornar um grande incêndio”, explica. A ação humana, porém, não pode ser descartada, já que na Amazônia, por exemplo, o fogo natural é um fenômeno raríssimo. “O que origina o fogo de fato é o uso dele para as atividades agropecuárias, tanto no processo de finalização do desmatamento quanto no processo de renovação de pastagem”, afirma.
🔸 As maiores empresas de vestuário do mundo, a H&M e a Inditex, proprietária da Zara, adquirem algodão de fornecedores ligados ao desmatamento em grande escala, grilagem de terras, violações de direitos humanos e conflitos fundiários no Cerrado brasileiro, principalmente no oeste da Bahia. É o que mostra relatório da ONG britânica Earthsight, após um ano de investigações. Apesar de ostentar a maior certificação de algodão do mundo, o Better Cotton, a cadeia produtiva possui o algodão “contaminado” do Brasil. O Meus Sertões explica que essas empresas não compram a matéria-prima diretamente dos produtores, mas sim de fornecedores localizados na Ásia.