Especial: As Paradas do Orgulho LGBTQIA+ no interior e a saúde trans no SUS
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Oi, gente, bom dia!
Nesta edição especial da Brasis, sobre Mês do Orgulho LGBTQIA+, reunimos histórias que mostram como resistir, existir e se orgulhar são atos políticos no Brasil.
Contamos que, do interior às capitais, as paradas LGBTQIA+ seguem firmes mesmo com boicotes e falta de apoio. Também lembramos a decisão histórica do STF que garante a aplicação da Lei Maria da Penha a mulheres trans e travestis em casos de violência doméstica – um passo fundamental em um país que lidera, há 16 anos, o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans. Há também histórias sobre mercado de trabalho, educação e o crescimento dos casamentos homoafetivos no Nordeste. Por fim, lembramos o descaso do sistema de saúde com homens trans e transmasculinos que enfrentam negligência e violência em atendimentos ginecológicos.
Nesta Brasis, a gente reafirma: o orgulho LGBTQIA+ não é pauta de um mês. É existência e resistência que exigem reconhecimento todos os dias.
Boa leitura!
🔸 Enquanto a Parada do Orgulho de São Paulo ocupa a avenida Paulista todos os anos, cidades menores mantêm suas próprias manifestações. A Agência Diadorim conta que, apesar de recursos escassos e de boicotes locais, as paradas LGBTQIA+ no interior resistem. Em Petrolina (PE), por exemplo, o evento começou em 2011 com apoio da prefeitura, mas desde 2019 é organizado de forma independente pela ONG Cores. Neste ano, porém, a parada foi cancelada por falta de verba e substituída por uma semana de atividades. “Há tentativas de invisibilizar a parada. Mantê-la viva é um esforço coletivo e constante”, diz Alzyr Brasileiro, presidenta da Cores. No Acre, a Parada de Rio Branco nasceu em 2004 após denúncias de violência policial contra travestis e mulheres trans. “Elas eram expulsas das ruas com bombas, presas e colocadas nuas em celas com outros homens”, lembra Germano Marino, fundador da Associação de Homossexuais do Acre. Já em Sertãozinho (SP), a Parada surgiu da articulação da ONG Primavera e levou 12 mil pessoas às ruas já na primeira edição, em 2007. Hoje atrai até 40 mil pessoas e movimenta a economia local.
🔸 O Supremo Tribunal Federal reconheceu neste ano a aplicação da Lei Maria da Penha a mulheres trans e travestis em casos de violência doméstica. “A decisão rompe com um olhar biologizante e cisgênero, dando ênfase à compreensão de gênero como uma construção social”, escreve a pedagoga Ana Flor, em coluna na revista AzMina. Com isso, completa, “o STF amplia a discussão e constitui uma lente que possibilita um respaldo de cidadania para as mulheres trans e travestis”. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil lidera há 16 anos o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans. As principais vítimas são mulheres trans e travestis negras, jovens e nordestinas, muitas vezes atacadas dentro de casa por familiares. “No Brasil, mesmo com a precarização dos dados sobre a população de mulheres trans e travestis, não é difícil perceber que uma das instituições que mais submete essa população a situações de violência é a família.”
🔸 Para ouvir: apesar das conquistas nas últimas décadas, a população LGBTQIA+ no Brasil ainda enfrenta dificuldades para “furar a bolha”, sobretudo diante do avanço mais recente de movimentos conservadores. As Cunhãs conversam com o ator e humorista Denis Lacerda, conhecido por sua personagem drag queen Deydianne Piaf, sobre a eficácia das políticas públicas para a diversidade, a importância da representatividade na arte e a luta contínua contra a discriminação e a violência. Para Lacerda, devido ao baixo orçamento, as secretarias dedicadas aos temas dessa população devem se aliar a outras pastas, como saúde e educação, para realizar políticas conjuntas.
🔸 “Mesmo que a pessoa trans esteja inserida no ambiente de trabalho formal, ela se depara com discriminações institucionalizadas que reafirmam essas desigualdades. As desigualdades, discriminações e violências enfrentadas por pessoas trans no ambiente de trabalho impactam diretamente as possibilidades de estabilidade financeira, desempenho em certas ocupações e desenvolvimento de carreira”, afirma Zett Ribeiro, cientista social que pesquisa as experiências de pessoas trans no mercado de trabalho formal. Em artigo na Gênero e Número, o pesquisador explora a falta de dados quantitativos e qualitativos sobre essas vivências, necessários para a formulação de políticas públicas, programas de inclusão e educação antidiscriminatória e incentivos para empresas comprometidas com diversidade, para garantir não apenas o acesso da população trans a postos de trabalho, mas também sua permanência com dignidade.
🔸 Falando em mercado de trabalho… “Quando uma grande empresa contrata uma fornecedora diversa somente em junho, há o uso da causa LGBTI+ para criar uma falsa aparência de inclusão e diversidade. As empresas podem nos contratar durante o ano inteiro, pois precisamos gerar receita todos os meses para sobreviver”, afirma Fernanda Custódio, fundadora da Trava Truck, empresa que oferece buffets para eventos corporativos. A Emerge Mag mostra a importância da contratação de serviços geridos por empreendedores LGBTQIA+ para promover os direitos humanos dessa população e os benefícios das políticas de diversidade dentro das empresas. “Temos percebido que, quando a empresa torna os ambientes de trabalho atrativos e respeitosos, mulheres e LGBTI+ os ocupam com qualidade”, ressalta Ana Lucia Melo, diretora do Instituto Ethos, organização da sociedade civil que fomenta gestões socialmente responsáveis.
🔸 No Nordeste, as uniões homoafetivas cresceram 33% entre 2019 e 2023, impulsionadas sobretudo pelos casamentos entre mulheres. Já o número de casamentos heterossexuais caiu 9,33% na região. Análise da Agência Tatu a partir de dados do IBGE mostra que o aumento dos casamentos homoafetivos é liderado pelo Maranhão, com alta de 127% nas uniões entre mulheres. Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia também acompanharam esse avanço. Já Alagoas ocupa a última posição no ranking, com apenas 3% de aumento nas uniões homoafetivas. Para Andréa Pacheco, professora na Universidade Federal de Alagoas, isso é resultado do conservadorismo no estado. “Muitas vezes a população LGBTQIA+ não se casa por medo da família, de perder o emprego, de perder os amigos ou da violência externa. A discriminação e o preconceito acabam por construir um grande pacto coletivo do silêncio em que um lado finge não vê e outro fica dentro do armário para não ser visto”, afirma.
🔸 “Minha existência enquanto LGBT por si só já é política. Em cada sala, encontro alunos que me veem como exemplo ou apoio emocional”, conta a professora Dani Sioline, de Natal (RN). Mulher trans formada em dança pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ela ganhou projeção quando passou a fazer vídeos para as redes sociais em que mostra sua rotina com os estudantes na escola. Os conteúdos ultrapassaram a marca de meio milhão de visualizações – e fortaleceram seu vínculo com os alunos, conta a Saiba Mais. “A reação deles [à performance dos vídeos] foi eufórica! Para comemorar, fiz uma surpresa com dois bolos, um com a temática Instagram e outro TikTok. Tinha fotos nossas e os números de visualizações. Teve gritaria, emoção e, claro, eu chorando muito”, diz a professora, que completa: “Acredito muito na educação empática, respeitosa e afetiva. Entender quem são esses adolescentes é essencial para que a aprendizagem aconteça”.
🔸 Negligência médica e violação à identidade de gênero atravessam os atendimentos ginecológicos a homens trans e transmasculinos, desde as gestações desejadas e abortos espontâneos até a interrupção da gravidez em casos garantidos pela lei. O primeiro obstáculo já acontece no próprio cadastro, que mistura sexo, gênero e orientação sexual – na maioria das vezes, a única opção é aceitar ser atendido no feminino ou desistir do procedimento. O Catarinas revela que essa população muitas vezes nem chega ao sistema de saúde por medo da violência e recorre a métodos caseiros, sem segurança e sem acompanhamento. Como consequência, há uma ausência de dados oficiais, o que dificulta a formulação de políticas públicas e evidencia o descaso institucional.