ESPECIAL: As lições de Sueli Carneiro, os prêmios de Marta e as quebradeiras de coco
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Oi, gente, bom dia!
Estamos chegando ao fim do Julho das Pretas, um mês de luta, memória e celebração do protagonismo das mulheres negras. Ontem, aliás, foi o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, data que conecta trajetórias de resistência em todo o continente.
Nesta edição especial da Brasis, reunimos reportagens que ajudaram a contar algumas dessas histórias, feitas de potência, enfrentamento e afeto. Estão aqui nomes consagrados como Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Ruth de Souza e Marta, mas também lideranças comunitárias como Dona Glória, cineastas em ascensão como Stella Carneiro e Patrícia Moreira, escritoras premiadas como Luciany Aparecida e coletivos como o Bitonga Travel, que desafia a invisibilidade ao ocupar novos territórios.
Ao reunir essas vozes, a Brasis reforça seu compromisso com o jornalismo de qualidade, que amplifica histórias muitas vezes invisibilizadas, e reconhece que o protagonismo das mulheres negras está no centro da transformação social.
Boa leitura!
🔸 Uma das mais importantes autoras brasileiras, Conceição Evaristo cunhou o termo “escrevivência”, conceito chave para a luta política das mulheres negras e para a formação das novas gerações de escritoras negras. No “Escute As Mais Velhas”, produção da Rádio Novelo, Evaristo revisita sua trajetória de mãe, professora e escritora e reflete a presença da cultura negra na literatura brasileira com a importância de ocupar espaços de narrativa para construir novas realidades, resgatando a força da ancestralidade. “Tem uma falta na vida do povo negro que é irrecuperável, que, pra mim, tem a ver com a perda da origem. Isso está no nosso inconsciente coletivo, algo que a gente não sabe definir. Não é nada hereditário, genético. É alguma coisa como se fosse um elo perdido.”
🔸 No recém-lançado livro “Só Bato em Cachorro Grande, do Meu Tamanho ou Maior”, a escritora Cidinha da Silva reúne 81 lições de vida e formação política que aprendeu com Sueli Carneiro ao longo de quase quatro décadas de convivência com a filósofa. Carneiro é uma das principais referências do feminismo e do movimento negro no Brasil e fundadora do Geledés Instituto da Mulher Negra. Em conversa com a educadora Bel Santos Mayer no “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, Cidinha fala sobre a obra e sua amizade com Carneiro. “Esse livro me libera de uma responsabilidade grande, porque é um livro que eu precisava fazer e entregar como presente para Sueli pelos seus 75 anos de vida. É também um ponto de chegada e coroa um período grande de trabalho: ano que vem completo 20 anos de carreira literária.”
🔸 “Algumas pessoas estão no lugar de arrogância tão grande que elas podem julgar que o desconforto que elas estão sentindo significa que aquela leitura não tem valor estético. Mas pode ser apenas que elas não tenham um letramento para entender aquilo”, afirma a escritora baiana Luciany Aparecida, autora de “Mata Doce”, obra vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria de Melhor Romance de 2023. Em entrevista ao Nonada, a escritora fala sobre a produção de seu novo livro, as nuances da literatura e como se enxerga como escritora. “Existe uma expectativa de que uma pessoa negra escritora não saiba escrever. As pessoas esperam que nós não saibamos escrever, que o nosso texto recaia só no que elas apontam como panfletário. Então, elas vão listar vários nomes para isso: identitarismo, panfletário, relato de vida. Só que nenhuma dessas coisas, no texto de uma pessoa branca, é nominado como tal, e se for, essa nominação não é negativada.”
🔸 O cinema brasileiro feito por mulheres e protagonizado por elas se desenvolve como um ato de resistência ao trazer perspectivas únicas para as telas. É o caso do longa “A Alegria do Amor” (2024), de Marcia Paraíso, que narra a história de Dulce, jovem quilombola do Ceará que testemunhou o assassinato de seu companheiro por jagunços e se muda para São Paulo para denunciar o crime. Ou ainda de “Diálogos com Ruth de Souza” (2022), de Juliana Vicente, que mergulha na história da atriz Ruth de Souza, uma das primeiras atrizes negras da dramaturgia e televisão no Brasil. O Catarinas lista oito filmes de cineastas brasileiras que destacam as vivências, dores e felicidades das mulheres.
🔸 “Chegar até aqui, sendo uma mulher negra, de Maceió, mostra que é possível. Não como um discurso de meritocracia, mas como a certeza de que, com apoio, políticas públicas e insistência, nossas vozes serão ouvidas.” A cineasta alagoana Stella Carneiro está no Festival de Cannes. Foi selecionada para o programa La Factory des Cinéastes, da Quinzena dos Cineastas na mostra de cinema, com “As Filhas do Mangue”, longa-metragem em desenvolvimento. A Eufêmea conta que o filme é inspirado em suas memórias de infância vividas na comunidade da Massagueira, em Marechal Deodoro, e narra a relação entre um pai negro e suas filhas. “A maioria dos personagens negros no cinema ainda é associada à violência ou ao abandono. Eu quis mostrar o oposto: um homem negro que cuida, que cria, que ama”, diz a cineasta.
🔸 “Como mulher afro-indígena, reconheço em Madalena não só uma referência ancestral, mas também um espelho de trajetórias que, em outros tempos e contextos, foram interrompidas ou silenciadas”, afirma Patrícia Moreira, cineasta e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Ao Conquista Repórter ela conta que está produzindo o longa-metragem “Cabeça Cheia de Planetas”, que narra a história de Madalena dos Santos Reinbolt. Mulher negra, nordestina e autodidata de Vitória da Conquista (BA), ela foi pioneira na técnica dos “quadros de lã”, painéis bordados sobre estopa. Madalena bordava cenas detalhadas e coloridas de cenários de sua infância, os bichos da roça, as festas populares e as memórias da terra. A costureira chegou a manipular mais de 150 agulhas ao mesmo tempo. Seu talento, no entanto, só foi reconhecido pela arte brasileira depois de sua morte. O longa começa a ser gravado em setembro.
🔸 “Quando a gente olha para as mulheres africanas de nacionalidades diversas, o seu vestir, a quantidade e a combinação das estampas, a padronagem, elas conversam com o lugar maximalista”, afirma a consultora de estilo Paloma Gervásio Botelho, idealizadora de projetos afrocentrados de moda. Roupas e cabelos volumosos, unhas decoradas, sobreposição de acessórios e mistura de cores e estampas são as características do maximalismo, que tem se tornado cada vez mais popular nas redes sociais. A revista AzMina destaca que a alta no interesse é um movimento liderado por mulheres negras, sobretudo como expressão de liberdade, resistência e pertencimento. O estilo não é novidade para esse grupo, com referências que vão de Dona Fulô a Erykah Badu. “No seu maximalismo, Erykah Badu vai compor com a personalidade de ser essa mulher que canta neo soul, jazz, black music, super suave e com todos aqueles adornos, balangandãs e beleza. É um comungar com a natureza”, diz Andreza Ferreira, pesquisadora e fundadora da Escola Neit – História da Moda a partir de uma perspectiva afrorreferenciada.
🔸 A brasileira Marta foi reconhecida como a melhor jogadora da história do futebol feminino pela Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, sendo a única brasileira na lista com as dez maiores atletas da modalidade. A Alma Preta resgata os prêmios da futebolista: maior artilheira da história das Copas do Mundo, maior artilheira da seleção brasileira, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo pela Federação Internacional de Futebol (Fifa), cinco deles de forma consecutiva – feito inédito tanto no futebol feminino quanto no masculino. Pela seleção, Marta conquistou três títulos da Copa América Feminina, um vice-campeonato mundial e duas medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos. Atualmente, ela joga pelo Orlando Pride, dos Estados Unidos.
🔸 Com mais de 250 integrantes, o coletivo Bitonga Travel incentiva mulheres negras a viajarem pelo mundo por meio do compartilhamento de experiências. A iniciativa foi idealizada por Rebecca Aletheia quando viajou com um grupo de mulheres para o Guarujá, litoral de São Paulo, em 2019. Ela, aliás, já visitou 50 países e conhece todos os 26 estados brasileiros. “Nós entendemos que mulheres negras estão doentes por não terem tempo de viajar, passear, porque muitas vezes nós estamos imersas no nosso cotidiano e em tentar suprir a demanda que o sistema nos dá, de ser 10 vezes melhor”, afirma ao Nós, Mulheres da Periferia. Marcado por uma diversidade de gerações, o coletivo acolhe mulheres com mais de 80 anos. Além dos destinos internacionais, a idealizadora promove tours afrocentrados pelo Brasil, focando no protagonismo negro na construção das cidades.
🔸 Em meio a um conflito fundiário, o quilombo Monte Alegre, em São Luís Gonzaga, no Maranhão, recebeu uma equipe do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “É tudo ou nada”, disse dona Beatriz Lima, de 70 anos, sobre a urgência do processo de titulação do quilombo. Segundo O Pedreirense, há anos o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão acompanham a luta de Monte Alegre, protagonizada pelas mulheres quilombolas extrativistas do babaçu. Dona Beatriz relembrou um tempo de paz no quilombo, quando não havia separação dos lotes por cercas: “Minha tataravó é filha de Monte Alegre. Minha bisavó é filha de Monte Alegre. Meu pai é filho do Monte Alegre”. Agora, ela espera que a titulação definitiva enfim aconteça. “Hoje estou querendo ver um futuro daquilo que fizemos. Quero ver um futuro, pelo Incra, sem lote. Porque nós brigamos para ser um território coletivo.”
🔸 “Quero ser lembrada como alguém que deu o melhor de si pelo bem comum.” O desejo expresso por Dona Glória nesta frase já se realizou: aos 76 anos, ela é uma referência histórica na luta por direitos no Jardim Herplin, em Parelheiros, distrito do Extremo Sul de São Paulo. Ela já protestou por água encanada levando à sede da prefeitura trouxas de roupas sujas. A repercussão forçou o início da canalização no bairro. Em outra ocasião, coletou, ao lado de mulheres do bairro, 1.200 assinaturas em três dias para reivindicar o direito à creche para as crianças. A Periferia em Movimento narra a história da heroína urbana, viúva, mãe de dois filhos e avó de um neto. Nascida em Pirajuí (SP), ela chegou à capital aos 18 anos, trabalhou como doméstica e, diante da precariedade do bairro onde passou a viver em 1979, iniciou a inspiradora trajetória de militância comunitária.
Que maravilha! 😍 Parabéns e obrigada por essa edição!! 👏🏽👏🏽👏🏽
Edição primorosa!! 👏👏